quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Na ONU, Raúl Castro denuncia clima golpista na América Latina 30/09/2015


Presidente cubano defendeu avanços sociais no Brasil e atacou os golpes brancos engendrados no continente contra governos de esquerda.



Carta Maior
O presidente de Cuba, Raúl Castro denunciou na Assembleia da ONU o clima de desestabilização contra governos democráticos da América Latina.

Ele usou seu discurso para defender o governo da Venezuela das iniciativas desestabilizadoras de alguns setores, e também o governo do Equador, nação que vem sendo “alvo do mesmo roteiro” opositor. Por outro lado, também usou seu palanque para celebrar as conquistas sociais alcançadas pela presidenta brasileira Dilma Rousseff e expressou seu apoio à demanda dos países caribenhos por uma reparação pelos anos de escravidão que parte de sua população sofreu.

Raúl exigiu da comunidade internacional que busque na pobreza e na desigualdade a origem dos conflitos gerados pelo colonialismo e pelo assalto aos recursos das populações nativas, pelo imperialismo e pela divisão das esferas de influência. Em seu primeiro discurso numa Assembleia das Nações Unidas (ONU), Castro – que não se esqueceu da luta dos argentinos para recuperar a soberania das Ilhas Malvinas –, lembrou que a primeira meta traçada pela organização era a de preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra e edificar uma nova forma na qual os países pudessem se relacionar, favorecendo a paz e o desenvolvimento. Porém, muito pelo contrário, o resultado foi que os conflitos se multiplicaram. “Desde então, passaram a ser constantes as guerras de agressão, a intervenção em assuntos internos dos Estados, a derrubada de governos soberanos através da força ou dos denominados ‘golpes suaves’”, afirmou Castro, insistindo em que a militarização do ciberespaço e o uso das tecnologias da informação e das comunicações para agredir a outros Estados de forma disfarçada e ilegal são inaceitáveis.

O mandatário cubano lamentou que o compromisso inicial da ONU, de promover o progresso social e elevar o nível de vida dos povos de todos os países, continue sendo uma quimera, e contrapôs a situação das 795 milhões de pessoas que sofrem com a fome no mundo com as cifras dos gastos realizados na área militar, que alcançam 1,7 milhão de dólares. Após reivindicar a conformação da Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a declaração da América Latina como zona de paz, o líder cubano enumerou uma lista de gestos de solidariedade do seu país para com as nações da região.

Castro não perdeu a chance de usar suas palavras para criticar a União Europeia, cujas políticas são responsáveis, segundo ele, pelas ondas migratórias provocadas nas últimas semanas, com refugiados que se deslocam em massa desde países do Oriente Médio e do norte da África. “A União Europeia deve assumir de forma plena e imediata as suas responsabilidades para com a crise humanitária que ajudou a gerar”, sentenciou.

Ao mesmo tempo, condenou as distorções a respeito da promoção e proteção aos direitos humanos para validar e impor decisões políticas. E se colocou ao lado da Rússia, país com o qual os Estados Unidos mantêm diferenças claras sobre como solucionar a crise na Síria e a ocupação de territórios na Ucrânia. Reclamou inclusive que Porto Rico, nação associada aos Estados Unidos, “possa ser livre e independente, depois de mais de um século submetida à dominação colonial”. Castro valorizou o acordo nuclear entre os países do ocidente com o Irã, condenou o militarismo, a pobreza e o consumismo, e opinou que os países têm diferentes responsabilidades em relação às mudanças climáticas – tema que com o qual o seu irmão Fidel já se preocupava em 2000, segundo ele mesmo recordou ontem.

Na primeira visita do presidente de Cuba aos Estados Unidos em mais de 50 anos, ele se reuniu em Nova York com o ex-presidente estadunidense Bill Clinton e com o governador e o prefeito novaiorquinos, Andrew Cuomo e Bill de Blasio. Depois, teve um encontro com um grupo de empresários e executivos locais encabeçado pelo presidente e pela vice-presidenta da Câmara de Comércio dos Estados Unidos, Tom Donohue e Jodi Bond.

O líder cubano agradeceu o apoio quase unânime recebido por parte da comunidade internacional em favor do fim do bloqueio econômico, comercial e financeiro imposto pelos Estados Unidos sobre Cuba há mais de meio século, e antecipou que a ilha seguirá apresentando o projeto na ONU até conseguir uma vitória e anular a medida. Nesse sentido, Castro insistiu em que não haverá relações normais com os Estados Unidos até que se termine o bloqueio, se devolva o território ocupado pela Base Naval de Guantánamo, que se interrompam as transmissões ilegais de rádio e televisão desde Miami, os planos desestabilizadores e se compense a ilha pelos danos humanos e econômicos que ainda sofre. Visando a reunião de hoje, com Obama, somente a posição sobre o embargo parece ter um ponto em comum.

As palavras do chefe de Estado cubano provocaram muitos aplausos do plenário de presidentes, e Raúl Castro foi incisivo, embora menos que Fidel. Em apenas 15 minutos, seu discurso esteve longe do tempo normalmente utilizado por seu irmão em sua primeira intervenção na Assembleia Geral da ONU em 1960 – que marcou um recorde, ao falar por 269 minutos, com uma mensagem de crítica contundente contra os Estados Unidos –, e apontou seus questionamentos às políticas imperialistas, sem mencionar diretamente nem os Estados Unidos nem o presidente norte-americano Barack Obama.

Entretanto, o mandatário cubano aproveitou sua primeira aparição diante da Assembleia para analisar os contrapontos que mantêm com os Estados Unidos, apesar da aproximação diplomática. Agora o contexto é outro, devido ao processo de descongelamento das relações, embora as diferenças ideológicas continuem. Castro as expôs com claridade, num ato que demonstra o regresso da ilha ao cenário maior da política mundial.

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