Este blogue não concorda com o Golpe. RESISTÊNCIA JÁ A morte da Marisa, não é diferente da morte dos milhares no Iraque, invadido, na Líbia destroçada, entre outros, as mãos são as mesmas, acrescentadas dos traidores locais.
domingo, 22 de maio de 2016
O capitalismo da emoção, por Germán Santiago & Belén Quejigo 22/05/2016
As redes “sociais” se converteram em uma falsa ágora, um quintal de fofocas onde não há reflexão, mobilização ou informação, mas apenas distração para encher o tempo e o espaço.
Por Germán Santiago & Belén Quejigo
no Diagonal, de Madrid
(Tradução de Ricardo Cavalcanti-Schiel)
Um eu sem eu. Um “eu quantificado”. Um eu vazio de conteúdo empírico. Um eu que elimina o conceito de humanidade e seu entorno. Um novo eu que está sendo construído a partir de sua exterioridade narcisista, frente ao antigo “conheça-te a ti mesmo” que rezava o Oráculo de Delfos e que Sócrates repetia como um mantra. A identidade e o conhecimento residiam no interior de si mesmo, e não no falso exibicionismo da cotidianidade da vida privada. O Facebook criou um eu desnaturalizado, e o mercantilizou sob a forma de rede “social” e filantrópica que, no entanto, tornou-se um conglomerado de subprodutos da aparência, próprio de uma sociedade psicótica ou da mal chamada sociedade da informação.
Seria o homem social por natureza? As redes “sociais” são antissociais — querem-nos em solidão porque a reunião física é perigosa, enquanto a reunião virtual é asséptica —, e exploraram aquele princípio sociológico para tirar proveito de tal condição. E, como Kant temia que um dia acontecesse, as redes “sociais” converteram-se nessa falsa ágora, em um quintal de fofocas, onde não há reflexão, mobilização ou informação, mas apenas distração para encher o tempo e o espaço.
Por trás desse terrível fracasso se esconde uma falsa filantropia social para nos manter a todos conectados a um mundo global, a partir de uma aparência de liberdade. Podemos designar essa nova transparência de dizer a verdade e socializar a todo custo como um panóptico digital. Ao contrário do panóptico de Bentham, ninguém aqui se sente vigiado. Na verdade, se crê livre, se rebela, “pensa” e até se desnuda. Já não mais se conta algo ou um estado de ânimo, se posta ou se twitta. Como se pode ver, o panóptico não é aquele elemento arquitetônico que nos mantem vigiados pelo “Grande Irmão” como temiam Orwell, Foucault, Deleuze ou Virilio. Essa nova polícia do pensamento se traveste de atividade lúdica, como um espaço repleto de amabilidade.
Sua eficácia reside em seu aspecto alegre, amável e onipresente. Funciona como uma perfeita máquina de intimidade, a partir da proibição de toda forma de negatividade e a partir de um cálculo operado pelo hedonismo e pelo narcisismo: impossível imaginar no Facebook uma foto de férias do usuário em que ele esteja chorando ou triste; impossível ver na linha do tempo de alguém uma situação que não seja digna de ser narrada como o maior dos acontecimentos, seja ela uma simples refeição ou um passeio pela cidade. O indivíduo não é apenas consumidor e trabalhador, ele é também comunicador e publicitário de si mesmo. O perigo dessa sociabilidade reside na sua sedução e nas suas aparentes naturalidade, neutralidade e inofensividade: por que não contar? por que não postar? quem não o faria?
Através dos meios digitais buscamos nos aproximar do outro tanto quanto possível, destruir a distância frente a ele, para estabelecer contato. No entanto, sob esse regime não ganhamos nada do outro, apenas o fazemos desaparecer. Não possuímos mais um rosto, mas um véu (máscaras atrás da máscara, solipsismo e alienação). Ao aniquilarmos o distanciamento, nos encontramos de repente diante da ausência de qualquer distância. Passa a preexistir uma coisificação econômica do outro que impede tanto o darwinismo social quanto a entropia do mundo: já não são indivíduos, mas sim intimidades congeladas, estáticas, cibernéticas, que não são a vida. A vida, as emoções e os sentimentos, ao contrário, são performativos; eles se realizam.
http://jornalggn.com.br/blog/ricardo-cavalcanti-schiel/o-capitalismo-da-emocao-por-german-santiago-belen-quejigo
Além disso, as redes “sociais” pertencem ao reino do que chamamos de “virtual”, entidades ideais sem ser abstratas, reais sem ser atuais. Por conta disso, encontram-se não dentro do mundo das coisas e do devir (performativo), mas — continuando com a clássica divisão platônica — no mundo das ideias, ou seja, em uma realidade ideal, portanto não sensível — não performativa, não realizável —, que participa de uma estética de estados alterados da aparência, e que apenas distraem o indivíduo. Não obstante, o indivíduo se vê afetado de maneira bidirecional pelos conteúdos que consome e compartilha, e sua realidade se vê contaminada e condicionada por uma realidade paralela, mas não tangível, produzindo um fluxo contínuo de dados destinado a conectar enormes bases de conteúdo que servirão de ferramentas preditivas para os proprietários dos meios de produção (transnacionais) e para análises de condutas (governo).
Nessa irresistível experiência de exibicionismo que as redes “sociais” despertam, o indivíduo transparente compartilha afetos, alheio ao uso que o mercado fará deles. Esse capitalismo da emoção acumula enorme quantidade de dados com a qual trafica e dá forma a um inconsciente global capaz de antecipar hábitos de consumo para orientar o maquinário produtivo. A cibernética converteu-se em uma nova ciência do governo humano, criando uma nova humanidade: uma ontologia, uma estética, uma lógica e uma antropologia a serviço do capital.
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