Luis Caseiro é pesquisador do Observatório da Inovação da Universidade de São Paulo (USP)
Com direito a destaque na mídia, as matrizes das multinacionais brasileiras registraram grande transferência de recursos gerados por suas subsidiárias no exterior. Apenas de janeiro a agosto deste ano o montante foi de US$ 22,8 bilhões, o que expressa o potencial dinamizador do processo de internacionalização das empresas brasileiras. Esse movimento, porém, não é exatamente uma novidade, uma vez que já ocorre pelo quinto ano consecutivo.
De 2007 a 2011 (agosto), as multinacionais brasileiras trouxeram do exterior US$ 107,6 bilhões em investimentos. Mais importante ainda, diferentemente do que afirmaram alguns analistas, essa transferência não representou um refluxo do processo de internacionalização. Mesmo em 2009 e 2011, quando a internalização de investimentos superou o volume de recursos enviados ao exterior, as empresas brasileiras ampliaram ainda mais seus ativos fora do país.
Há diferenças entre o tipo de investimento que entra e o que sai. Enquanto que 63% (ou US$ 79,3 bi) do Investimento Externo Direto (IED) realizado pelas matrizes brasileiras nesses cinco anos destinaram-se à aquisição de empresas no exterior, apenas 15% dos recursos que entraram tiveram origem na liquidação de ativos. Os 85% restantes (US$ 91,4 bi) foram empréstimos que as subsidiárias brasileiras fizeram para suas matrizes aqui instaladas. Ou seja, ao mesmo tempo em que compraram ou participaram de mais empresas no exterior, as empresas brasileiras levantaram, via subsidiárias, novos recursos para investir no mercado interno.
Estudos demonstram haver uma alta correlação entre internacionalização e a capacidade de inovação
Até agosto desse ano, as matrizes brasileiras enviaram US$ 8 bilhões líquidos para aquisições totais ou parciais (acima de 10%) de empresas no exterior. Ainda é um desafio identificar e mapear com detalhes quais são os alvos dessas ações e seus impactos no país.
Entretanto, mesmo sem essas informações precisas, é possível afirmar que alguns mitos foram quebrados. Se é certo que o movimento é recente e os dados ainda carecem de séries históricas mais consistentes, a tendência já revelada serve para contrariar os temores de que a internacionalização ocorreria em detrimento do investimento doméstico. Pelo contrário, a história da internacionalização das empresas brasileiras desde os anos 70 mostra que os períodos em que o estoque de IED brasileiro mais cresceu foram aqueles nos quais a economia nacional esteve mais aquecida.
Embora um grupo de multinacionais brasileiras tenha iniciado sua expansão durante a década de 80, a maioria apenas abriu subsidiárias comerciais, com o intuito de promover exportações. Isso significa que o acumulado da internacionalização dos anos 80 representou pouco em termos de IED.
Mais recentemente, embalados pela retomada do crescimento da economia, os investimentos externos voltaram a crescer. Só que desta vez numa escala sem precedentes na história e abrangendo um número muito mais amplo de empresas e cadeias produtivas.
Na última década, cresceu de forma exponencial a internacionalização de empresas dos setores produtores de commodities, como a Vale, Gerdau e Petrobras. Essas empresas são hoje players globais que ampliaram as receitas de exportação, de impostos e de postos de trabalho diretos e indiretos, assim como contribuíram para um amplo reposicionamento do Brasil no cenário geopolítico internacional.
Outras grandes empresas como Embraer e Braskem, que possuem enorme potencial de inovação, também se tornaram atores internacionais de peso, em condições de disputar a liderança tecnológica e comercial em seus respectivos mercados. Além dessas, dezenas de outras empresas como no setor mecânico (WEG), no de veículos (Marcopolo), autopeças (Sabó), software (Totvs), hardware (Bematech) e cosméticos (Natura e Boticário), apenas para citar alguns exemplos, ampliaram de forma significativa sua presença externa, mas dessa vez sem se limitar à América Latina. Buscaram com ousadia os maiores e mais dinâmicos mercados do mundo, inclusive os asiáticos, como forma de conquistar novos clientes, gerar e absorver competências e ganhar competitividade.
Não é somente via acesso a novos recursos financeiros que a internacionalização das empresas beneficia o país. Vários são os estudos que demonstram haver uma alta correlação entre internacionalização e a capacidade de inovação, assim como com o aumento de produtividade, com a diversificação produtiva e com o aumento das exportações.
Mais do que isso, quando os obstáculos e as dificuldades prevalecem e as empresas não são capazes de incorporar a internacionalização como parte integrante de suas estratégias corporativas, longe de encontrar proteção no mercado interno, apenas vêem aumentar o risco de estagnação e a perda de dinamismo. Nesses momentos, o canto de sereia do protecionismo surge como tentação quase irresistível.
O atual apoio do governo à internacionalização está, portanto, associado à busca de uma inserção externa dinâmica para as empresas brasileiras. Incentivar as empresas a batalhar sistematicamente pelo aumento de produtividade, com base na ampliação do conteúdo tecnológico de suas atividades e na valorização das iniciativas intensivas em conhecimento, é o único caminho capaz de elevar o padrão de competitividade da economia e sustentar um longo ciclo de crescimento para o país.
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