De O Globo
Medições indicam que estabilização foi interrompida e águas sobem 4mm por ano
A cidade italiana de Veneza volta a afundar, revelam novas medições (Reuters)
RIO - As gôndolas que navegam pelos famosos canais de Veneza passam, ano a ano, em um nível cada vez mais alto. Enquanto a cidade continua afundando, cerca de 2mm por ano, de acordo com uma pesquisa baseada em dados de satélite, as águas do Lago Veneza sobem outros 2mm por ano. O efeito combinado é de 4mm anuais, considerado o maior das últimas décadas. A cidade, considerada uma das mais belas já construídas pelo homem, enfrenta alagamentos constantes. A situação deve piorar, segundo especialistas. O novo estudo, que será publicado na próxima quarta-feira na revista “Geochemistry, Geophysics, Geosystems”, da American Geophysical Union, se contrapõe a outros trabalhos, realizados nos anos 2000. Estes indicavam que a cidade do nordeste da Itália tinha conseguido se estabilizar.
Especialistas americanos e italianos não apenas conseguiram fazer medições do ritmo de rebaixamento de Veneza como também detectaram que está em curso um processo de inclinação para o leste.
O acompanhamento dos movimentos de terra em Veneza são considerados fundamentais para orientar as políticas públicas para o local. Um novo sistema de barragens está previsto para ser inaugurado em 2014. A previsão dos especialistas é que este mecanismo seja capaz de dar uma relativa segurança aos italianos e turistas que estiverem na cidade.
De acordo com um dos integrantes da equipe de pesquisadores, Yehuda Bock, do Instituto de Oceanografia da Universidade de San Diego, na Califórnia, os alagamentos e o processo de afundamento da cidade são críticos e precisam ser acompanhados de perto.
- Estes são dados cruciais e precisam ser levados em consideração - disse Bock à BBC.
O pesquisador atuou em Veneza com colegas da Universidade de Miami, na Flórida, e com especialistas do Tele-Rilevamento Europa, da Itália, uma empresa especializada em medir os movimentos de solo com dados de satélites.
Para aumentar a precisão das informações, os pesquisadores combinaram os dados obtidos pelos equipamentos de GPS com radares para mapear os deslocamentos e milhares de pontos de Veneza. A lagoa da cidade também foi monitorada com a mesma tecnologia.
— O GPS dá informações do movimento absoluto em relação à Terra, que é um rebaixamento importante — explicou. — E o radar informa como os pontos determinados na área se movem um em relação ao outro. Colocando as duas informações juntas, é possível acompanhar a movimentação de milhares de pontos no solo de Veneza.
O estudo levou em consideração a série histórica disponível. A análise dos dados indica que a cidade está afundando de 1mm a 2mm por ano desde 2000. Em alguns pontos das áreas alagadas da cidade, esta queda chega a 4mm por ano.
Os especialistas ressaltam que não é possível prever como será o comportamento geológico do solo de Veneza no futuro. Mesmo assim, é possível fazer projeções. Se as taxas de afundamento do chão e do aumento do nível do mar forem mantidas, isso pode significar um aumento relativo do nível de água de 80mm nos próximos 20 anos.
Os pesquisadores acreditam que as novas barreiras que estão em construção em Veneza são capazes de aguentar a pressão da água nestas condições, mas ressaltam que as características naturais da cidade fazem com que ela inspire muitos cuidados no futuro, alerta Bock.
Parte das causas do afundamento de Veneza é natural. O movimento das placas tectônicas levam ao afundamento da cidade, que se localiza logo abaixo dos Apeninos. Os processos geológicos levam a um fenômeno que literalmente empurra a cidade para baixo.
A retirada de água do subsolo, que foi um dos fatores que contribuiu para acelerar o afundamento da cidade, já foi interrompida. Mesmo assim, a compactação de sedimentos continuará causando reflexos, e ainda influenciará o abaixamento das terras do local por mais algum tempo, explicam os cientistas.
— Veneza está sempre em movimento — afirmou Bock. — Não importa que o bombeamento de águas subterrâneas foi interrompido, ainda vai haver um rebaixamento natural de 1 mm ao ano.
De acordo com Bock, é possível perceber que a frequência dos alagamentos em Veneza está aumentando. Eles ocorrem entre quatro a cinco vezes por ano, quando moradores e turistas precisam transitar em áreas tomadas pela água.
Além dos fatores locais, o aquecimento global acelera o aumento do nível das águas. Este será um dos temas que mobilizará os negociadores da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, em junho. As áreas mais baixas do planeta, não apenas Veneza como também os países insulares, são as regiões mais vulneráveis. A cidade italiana, porém, é capaz de fazer um esforço bilionário na construção das barreiras, que mantém a água distante.
Para Laura Carbognin, do Instituto de Ciências Marinhas de Veneza, os alagamentos por causa da elevação global dos mares levaria a cerca de 250 inundações por ano.
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