domingo, 29 de julho de 2012

Produção bélica brasileira se reorganiza como em outros países 29/07/2012


Considerações humanitárias à parte, e elas são várias, a reorganização da produção bélica brasileira em curso não é nada diferente do que aconteceu em países industrializados de grande porte.
Igor Gielow
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
O setor vive de benesses diretas ou indiretas do Estado desde a corrida armamentista de Reino Unido e Alemanha na virada do século 20.
Nos EUA e na Rússia, os maiores exportadores, o fim da Guerra Fria determinou a concentração na área. Antes, fabricantes diferentes disputavam contratos dentro do “complexo industrial-militar”, termo celebrizado no discurso-denúncia de despedida do presidente dos EUA Dwight Eisenhower em 1961.
Sem um inimigo e com um mercado a conquistar, as indústrias dos EUA passaram por fusões: a Boeing engoliu a célebre McDonnell-Douglas, por exemplo. Na Rússia, as empresas aeronáuticas Mikoyan, Sukhoi, Ilyushin e Tupolev ficaram sob controle único. Na Europa, a EADS virou uma potência.
No Brasil, as grandes exportadoras incentivadas pelo governo na ditadura quebraram e ressurgiram, em parte, sob as bênçãos do Estado -a parte civil da Embraer sendo a exceção.
A empresa aeronáutica saiu na frente e organizou uma divisão de defesa, indo além de aviões consagrados como o Super Tucano. Também adquiriu empresas de tecnologia militar, como Atech e Orbisat.
O governo estimulou gigantes com dinheiro a entrar na área, criando um arcabouço jurídico favorecendo conteúdo com participação nacional. A francesa Thales, por exemplo, uniu-se à empreiteira Andrade Gutierrez visando defesa de fronteiras.
Já a Odebrecht é subcontratada da DCNS francesa para fazer o novo estaleiro de submarinos, associou-se a uma subsidiária da EADS e comprou a Mectron (mísseis).
O foco inicial é o Brasil, com demanda adicional de segurança para grandes eventos (Copa e Olimpíada), mas América Latina, África e Ásia/Oceania estão na mira.
Ditaduras e violadores de direitos humanos deverão estar entre clientes futuros, como no passado. Não é exclusividade brasileira: a Alemanha, cujo pacifismo está na Constituição, é a terceira vendedora de armas do mundo.
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Brasil tem produção diversificada de armas, mas não exporta muito.
Venda de armamento convencional pelo país equivale a somente 0,1% do total mundial Lista de compradores já teve Saddam Hussein e Gaddafi; lei recente prevê regime tributário especial para indústria
RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO
Apesar de mitos recorrentes, o Brasil não é nem nunca foi grande exportador de armas, embora tenha uma indústria bélica diversificada e que está de novo otimista quanto ao futuro do setor.
O que dava -e ainda dá- visibilidade à exportação de armas pelo Brasil é o ecletismo dos compradores e a ocasional descoberta de um negócio feito com clientes pouco recomendáveis.
No auge das exportações, dois dos melhores clientes eram os finados ditadores árabes Muammar Gaddafi (Líbia) e Saddam Hussein (Iraque). Também se descobriu agora venda de bombas ao ditador Robert Mugabe, no poder no Zimbábue desde 1980.
No ano passado, segundo o Sipri (Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo), o Brasil foi o 27º maior exportador de armas convencionais. Mas isso é só 0,1% do mercado mundial de armamento. Apenas um país, os EUA, exporta um terço das armas do planeta, com Rússia e França logo depois.
Mesmo no auge do comércio de armas pelo Brasil, de 1980 a 1992, a melhor colocação do país no mercado foi 10º, em 1985. Ainda assim, isso significava menos de 1% do total mundial nesse ano.
O país exportou para 28 nações nesse período, a maioria do Terceiro Mundo, mas incluindo França e Reino Unido, clientes de aviões da Embraer como o versátil Tucano.
O Sipri, porém, analisa só as vendas de armas importantes, como tanques, caças e navios, deixando de lado produtos como armas portáteis e munições. Se o conceito for ampliado para materiais de defesa em geral -incluindo fardamento, rações etc.-, a posição da indústria brasileira já não fica tão feia.
A Abimde (Associação Brasileira das Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) tem 170 empresas associadas, das quais 35 exportam produtos e 20 o fazem com regularidade. Segundo a associação, elas geram cerca de 25 mil empregos diretos e 100 mil indiretos, movimentando mais de US$ 2,7 bilhões/ano, dos quais US$ 1 bilhão em exportação.
O otimismo da associação vem em parte da lei 12.598, sancionada em 22 de março passado. Essa lei criou o conceito de “empresa estratégica de defesa”, que, por produzir equipamento considerado fundamental para a defesa do país, tem direito a regime tributário especial e financiamentos para projetos.
O documento que expõe a visão do governo sobre o tema, o Livro Branco de Defesa Nacional, foi enviado ao Congresso faz poucos dias. Nele se lê que, antes da lei 12.598, “as políticas do governo para o setor não se mostravam compatíveis com o crescimento da economia nem com as necessidades de equipamentos das Forças Armadas”.
MERCADO INTERNO
Mais que nas exportações, a indústria de defesa está de olho na substituição de importações. Tradicionalmente, as Forças Armadas locais são os principais clientes de uma indústria de defesa.
Entre os principais projetos no Brasil estão o Sistema de Vigilância da Fronteira, o KC-390 (avião de transporte) e o Guarani (blindado sobre rodas), além de várias modernizações de aviões e navios.
“Cada vez mais as empresas brasileiras estão se apresentando como capazes de oferecer produtos e serviços com a qualidade requerida pelas Forças Armadas e órgãos de segurança pública”, afirma Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente executivo da Abimde.
A associação espera que a demanda gere 60 mil novas vagas diretas e 240 mil indiretas em 2030. Mas mesmo esse cenário só colocaria a indústria brasileira de defesa em 15º lugar no ranking, ao mesmo tempo em que o país seria o 5º ou 6º PIB mundial.
País como uma das ‘maiores indústrias de defesa’ é mito persistente
Um mito persistente, que dá voltas pela internet e às vezes pousa até na imprensa, é afirmar que o Brasil já teve uma das maiores indústrias de defesa do mundo.
Mesmo o Livro Branco de Defesa Nacional diz que a base industrial de defesa representou, há 30 anos, “importante segmento econômico, com relevante contribuição para a balança comercial”.
De 1980 a 1992, o Brasil esteve em todos os anos, exceto 1981, entre os 20 maiores exportadores de armas, chegando à sua melhor colocação, o 10º lugar, em 1985. Depois de 1992, o país caiu fora da lista dos 20 maiores e não retornou desde então.
Pelas tabelas do Sipri, o recorde brasileiro de vendas foi em 1984, de US$ 269 milhões, o que colocou o país em 11º entre os exportadores. Naquele mesmo ano, a então União Soviética vendeu o equivalente a US$ 14 bilhões; os EUA, US$ 11 bilhões.
Em 1985, o ano em que o Brasil foi o 10º maior exportador, os números são US$ 202 milhões. Até a pequena Áustria vendeu mais armas nesse ano: US$ 330 milhões.
As exportações de armas brasileiras se concentraram na Engesa, fabricante de blindados como o Urutu e o Cascavel (que deverão ser substituídos no Exército pelo novo Guarani), na Embraer e, em menor grau, na Avibrás.
A Embraer é hoje a principal exportadora na área militar do país, com produtos como os aviões de treinamento e ataque leve Tucano e Super Tucano e as versões de avião-radar do EMB-145.
Com o fim da Guerra Fria, muito material bélico usado pode ser comprado a preços relativamente baratos. Sem uma política sustentada de compras pelas Forças Armadas, não há como atrair as indústrias brasileiras para voltar a produzir armamento.
“AMEAÇA”
Para Carlos Frederico Aguiar, que preside a Abimde, as ações do governo para consolidar sua base industrial de defesa são vistas “como ameaça” pelos principais produtores do mundo, o que mostra que o Brasil “poderá vir a ser um competidor a mais”.
Aguiar, também presidente da Condor, com sede no Rio, comentou a foto publicada pela Folha em 23 de julho com um menino sírio segurando bomba de gás lacrimogêneo da sua empresa lançada pela polícia turca.
“A foto demonstra que a Turquia, diferentemente de países como Líbia e Síria, vem adotando soluções de uso diferenciado e proporcional da força, conforme orientação da ONU, de maneira a preservar a vida e os direitos humanos.”

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