Considerações humanitárias à parte, e elas são várias, a reorganização da produção bélica brasileira em curso não é nada diferente do que aconteceu em países industrializados de grande porte.
Igor Gielow
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília
O setor vive de benesses diretas ou
indiretas do Estado desde a corrida armamentista de Reino Unido e
Alemanha na virada do século 20.
Nos EUA e na Rússia, os maiores
exportadores, o fim da Guerra Fria determinou a concentração na área.
Antes, fabricantes diferentes disputavam contratos dentro do “complexo
industrial-militar”, termo celebrizado no discurso-denúncia de despedida
do presidente dos EUA Dwight Eisenhower em 1961.
Sem um inimigo e com um mercado a
conquistar, as indústrias dos EUA passaram por fusões: a Boeing engoliu a
célebre McDonnell-Douglas, por exemplo. Na Rússia, as empresas
aeronáuticas Mikoyan, Sukhoi, Ilyushin e Tupolev ficaram sob controle
único. Na Europa, a EADS virou uma potência.
No Brasil, as grandes exportadoras
incentivadas pelo governo na ditadura quebraram e ressurgiram, em parte,
sob as bênçãos do Estado -a parte civil da Embraer sendo a exceção.
A empresa aeronáutica saiu na frente e
organizou uma divisão de defesa, indo além de aviões consagrados como o
Super Tucano. Também adquiriu empresas de tecnologia militar, como Atech
e Orbisat.
O governo estimulou gigantes com
dinheiro a entrar na área, criando um arcabouço jurídico favorecendo
conteúdo com participação nacional. A francesa Thales, por exemplo,
uniu-se à empreiteira Andrade Gutierrez visando defesa de fronteiras.
Já a Odebrecht é subcontratada da DCNS
francesa para fazer o novo estaleiro de submarinos, associou-se a uma
subsidiária da EADS e comprou a Mectron (mísseis).
O foco inicial é o Brasil, com demanda
adicional de segurança para grandes eventos (Copa e Olimpíada), mas
América Latina, África e Ásia/Oceania estão na mira.
Ditaduras e violadores de direitos
humanos deverão estar entre clientes futuros, como no passado. Não é
exclusividade brasileira: a Alemanha, cujo pacifismo está na
Constituição, é a terceira vendedora de armas do mundo.
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Brasil tem produção diversificada de armas, mas não exporta muito.
Venda de armamento convencional pelo país equivale a somente 0,1% do total mundial Lista de compradores já teve Saddam Hussein e Gaddafi; lei recente prevê regime tributário especial para indústria
RICARDO BONALUME NETO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Apesar de mitos recorrentes, o Brasil
não é nem nunca foi grande exportador de armas, embora tenha uma
indústria bélica diversificada e que está de novo otimista quanto ao
futuro do setor.
O que dava -e ainda dá- visibilidade à
exportação de armas pelo Brasil é o ecletismo dos compradores e a
ocasional descoberta de um negócio feito com clientes pouco
recomendáveis.
No auge das exportações, dois dos
melhores clientes eram os finados ditadores árabes Muammar Gaddafi
(Líbia) e Saddam Hussein (Iraque). Também se descobriu agora venda de
bombas ao ditador Robert Mugabe, no poder no Zimbábue desde 1980.
No ano passado, segundo o Sipri
(Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo), o Brasil foi o
27º maior exportador de armas convencionais. Mas isso é só 0,1% do
mercado mundial de armamento. Apenas um país, os EUA, exporta um terço
das armas do planeta, com Rússia e França logo depois.
Mesmo no auge do comércio de armas pelo
Brasil, de 1980 a 1992, a melhor colocação do país no mercado foi 10º,
em 1985. Ainda assim, isso significava menos de 1% do total mundial
nesse ano.
O país exportou para 28 nações nesse
período, a maioria do Terceiro Mundo, mas incluindo França e Reino
Unido, clientes de aviões da Embraer como o versátil Tucano.
O Sipri, porém, analisa só as vendas de
armas importantes, como tanques, caças e navios, deixando de lado
produtos como armas portáteis e munições. Se o conceito for ampliado
para materiais de defesa em geral -incluindo fardamento, rações etc.-, a
posição da indústria brasileira já não fica tão feia.
A Abimde (Associação Brasileira das
Indústrias de Materiais de Defesa e Segurança) tem 170 empresas
associadas, das quais 35 exportam produtos e 20 o fazem com
regularidade. Segundo a associação, elas geram cerca de 25 mil empregos
diretos e 100 mil indiretos, movimentando mais de US$ 2,7 bilhões/ano,
dos quais US$ 1 bilhão em exportação.
O otimismo da associação vem em parte da
lei 12.598, sancionada em 22 de março passado. Essa lei criou o
conceito de “empresa estratégica de defesa”, que, por produzir
equipamento considerado fundamental para a defesa do país, tem direito a
regime tributário especial e financiamentos para projetos.
O documento que expõe a visão do governo
sobre o tema, o Livro Branco de Defesa Nacional, foi enviado ao
Congresso faz poucos dias. Nele se lê que, antes da lei 12.598, “as
políticas do governo para o setor não se mostravam compatíveis com o
crescimento da economia nem com as necessidades de equipamentos das
Forças Armadas”.
MERCADO INTERNO
Mais que nas exportações, a indústria de
defesa está de olho na substituição de importações. Tradicionalmente,
as Forças Armadas locais são os principais clientes de uma indústria de
defesa.
Entre os principais projetos no Brasil
estão o Sistema de Vigilância da Fronteira, o KC-390 (avião de
transporte) e o Guarani (blindado sobre rodas), além de várias
modernizações de aviões e navios.
“Cada vez mais as empresas brasileiras
estão se apresentando como capazes de oferecer produtos e serviços com a
qualidade requerida pelas Forças Armadas e órgãos de segurança
pública”, afirma Carlos Afonso Pierantoni Gambôa, vice-presidente
executivo da Abimde.
A associação espera que a demanda gere
60 mil novas vagas diretas e 240 mil indiretas em 2030. Mas mesmo esse
cenário só colocaria a indústria brasileira de defesa em 15º lugar no
ranking, ao mesmo tempo em que o país seria o 5º ou 6º PIB mundial.
País como uma das ‘maiores indústrias de defesa’ é mito persistente
Um mito persistente, que dá voltas pela
internet e às vezes pousa até na imprensa, é afirmar que o Brasil já
teve uma das maiores indústrias de defesa do mundo.
Mesmo o Livro Branco de Defesa Nacional
diz que a base industrial de defesa representou, há 30 anos, “importante
segmento econômico, com relevante contribuição para a balança
comercial”.
De 1980 a 1992, o Brasil esteve em todos
os anos, exceto 1981, entre os 20 maiores exportadores de armas,
chegando à sua melhor colocação, o 10º lugar, em 1985. Depois de 1992, o
país caiu fora da lista dos 20 maiores e não retornou desde então.
Pelas tabelas do Sipri, o recorde
brasileiro de vendas foi em 1984, de US$ 269 milhões, o que colocou o
país em 11º entre os exportadores. Naquele mesmo ano, a então União
Soviética vendeu o equivalente a US$ 14 bilhões; os EUA, US$ 11 bilhões.
Em 1985, o ano em que o Brasil foi o 10º
maior exportador, os números são US$ 202 milhões. Até a pequena Áustria
vendeu mais armas nesse ano: US$ 330 milhões.
As exportações de armas brasileiras se
concentraram na Engesa, fabricante de blindados como o Urutu e o
Cascavel (que deverão ser substituídos no Exército pelo novo Guarani),
na Embraer e, em menor grau, na Avibrás.
A Embraer é hoje a principal exportadora
na área militar do país, com produtos como os aviões de treinamento e
ataque leve Tucano e Super Tucano e as versões de avião-radar do
EMB-145.
Com o fim da Guerra Fria, muito material
bélico usado pode ser comprado a preços relativamente baratos. Sem uma
política sustentada de compras pelas Forças Armadas, não há como atrair
as indústrias brasileiras para voltar a produzir armamento.
“AMEAÇA”
Para Carlos Frederico Aguiar, que
preside a Abimde, as ações do governo para consolidar sua base
industrial de defesa são vistas “como ameaça” pelos principais
produtores do mundo, o que mostra que o Brasil “poderá vir a ser um
competidor a mais”.
Aguiar, também presidente da Condor, com
sede no Rio, comentou a foto publicada pela Folha em 23 de julho com um
menino sírio segurando bomba de gás lacrimogêneo da sua empresa lançada
pela polícia turca.
“A foto demonstra que a Turquia,
diferentemente de países como Líbia e Síria, vem adotando soluções de
uso diferenciado e proporcional da força, conforme orientação da ONU, de
maneira a preservar a vida e os direitos humanos.”
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