O mais recente conflito militar entre Israel e o grupo islâmico palestino Hamas, iniciado no dia 14 de novembro após o assassinato do chefe militar do Hamas, Ahmed Jabari, já vitimou cinco israelenses e mais de 120 palestinos. Um cessar-fogo entre as partes mediado pelo Egito foi anunciado nesta quarta-feira (21). A ofensiva contra a Faixa de Gaza trouxe o conflito árabe-israelense, contínuo desde a criação do estado judaico em 1948, de volta ao centro dos debates da comunidade internacional.
O Sul21 entrevistou por e-mail o analista político norte-americano Stephen Zunes para ter um panorama das circunstâncias que geram o conflito na Faixa de Gaza e demais territórios ocupados. Zunes é professor de Política e Estudos Internacionais da Universidade de São Francisco, na Califórnia, e chefe do departamento de Estudos do Oriente Médio na mesma instituição. Conhecido nos Estados Unidos como um dos maiores especialistas no campo da política externa americana e do mundo árabe, Zunes é um crítico do apoio estadunidense aos governos autoritários no Oriente Médio e à ocupação israelense dos territórios palestinos.
Além do trabalho acadêmico, Zunes viaja com frequência para áreas de conflito, inclusive o Oriente Médio, para se encontrar com líderes políticos, ativistas e jornalistas e advogar a resolução de conflitos através da não-violência. Ele também contribui com artigos para periódicos nos Estados Unidos, na Europa e no Canadá, como o Huffington Post e serve como consultor para organizações de direitos humanos.
Dr. Zunes falou ao Sul21 sobre a política externa estadunidense em relação ao conflito entre Israel Palestina, a política doméstica israelense e as perspectivas de resolução do conflito.
Estados Unidos teria interesses na manutenção do conflito árabe-israelense
Os Estados Unidos são um conhecido aliado de Israel. Desde a década de 1970, o estado judaico recebeu mais auxílio financeiro e militar dos EUA do que qualquer outro país no mundo. Além da ajuda material, os líderes estadunidenses são o braço amigo de Israel no Conselho de Segurança da ONU, já tendo vetado, desde 1982, pelo menos 32 resoluções que criticavam os abusos de direitos humanos cometidos pelo país.
Sob a administração do democrata Barack Obama, recentemente reeleito, essa política não foi diferente. Na sexta-feira (16), a câmara dos deputados dos Estados Unidos passou uma resolução (a H. Res 813) expressando “apoio vigoroso” ao estado de Israel durante o recente conflito.
“Obama, como outros presidentes dos Estados Unidos, tende a apoiar os aliados do país independentemente do quão certas ou erradas sejam suas posições políticas”, afirmou Zunes. Ele exemplificou ao citar o apoio estadunidense à ocupação do Timor Leste pela Indonésia, à ocupação do Saara ocidental pelo Marrocos e à ocupação dos territórios palestinos por Israel.
O professor afirmou ainda que, apesar da posição veementemente favorável a Israel, tanto por parte dos Democratas quando dos Republicanos, a população dos Estados Unidos já contempla opiniões mais moderadas sobre o conflito. “Os cidadãos norte-americanos, inclusive os judeus, já têm uma disposição maior para criticar certas políticas israelenses”, explicou. Apesar desta parcela da opinião pública, o presidente Obama, por já ter sido reeleito e não ter a possibilidade de disputar uma nova eleição presidencial, “não tem nada a perder” ao manter o apoio à Netanyahu.
O apoio às políticas mais abusivas de Israel pode ter um viés de interesse político, econômico e militar para os Estados Unidos. “Um estado de Israel em guerra pode servir como um grande aliado dos interesses dos EUA na região, ao suprimir grupos islâmicos radicais como o Hamas e o Hezbollah e desafiar países adversários como o Irã”, pontuou Zunes.
Ele apontou também o fato de que as agências de inteligência dos dois países, CIA e Mossad, colaboram em missões e operações secretas e a lembrou que os “complexos industriais militares” dos Estados Unidos e de Israel são extremamente interligados. “Os EUA estão mais interessados em uma Pax Americana do que na verdadeira paz”, afirmou, utilizando o termo latino que se refere à hegemonia norte-americana no mundo.
A popularidade do primeiro ministro isralense, Bibi Netanyahy, aumentou desde o início da ofensiva à Gaza | Foto: Reprodução
Ataques militantes anteriores às eleições aumentam popularidade de líderes israelensesO recente ataque contra a Faixa de Gaza, nomeado Pilar Defensivo, é uma das várias ofensivas militares israelenses que ocorreram próximas às eleições gerais do país. Em 2009, o então primeiro ministro Ehud Olmert iniciou a operação Chumbo Fundido, que matou 1400 palestinos, a dois meses das eleições.
O mesmo ocorreu em 2006, quando o país lançou uma operação contra Gaza após o Hamas obter controle político da região, meses antes de Olmert ser reeleito; em 2002, quando Israel iniciou uma ofensiva contra a Cisjordânia meses antes da reeleição de Ariel Sharon; em 1996, quando a operação Uvas da Ira, no Líbano, ocorreu a meses dos comícios, sob o comando de Shimon Peres; e 1981, quando o premiê Menachem Begin atacou Bagdá a seis meses do pleito.
“Como é o caso em basicamente toda nação, os israelenses tendem a se unir em torno do governo em tempos de guerra”, afirmou Zunes. Uma pesquisa do jornal Haaretz em parceria com o instituto Dialog divulgou, nesta terça-feira (20), que a recente ofensiva à Faixa de Gaza elevou a popularidade do primeiro ministro Benjamin Netanyahu em 20 pontos percentuais.
“Além do mais, os ataques de Israel motivam ataques do Hamas e outros extremistas contra civis israelenses, escanteando os moderados palestinos, a Autoridade Palestina e o Presidente Abbas”, pontuou o analista. “Isso alimenta as narrativas da direita israelense de que os palestinos só querem matar os judeus e de que não há razão para negociar um acordo de paz ou permitir a criação de um estado Palestino.”
Colônias ilegais na Cisjordânia afastam possibilidade de estado Palestino
Após 45 anos da ocupação por Israel dos territórios do Egito, da Jordânia e da Síria – respectivamente, a Faixa de Gaza, a Cisjordânia e as Colinas de Golã – e inúmeras tentativas de acordos de paz desde a década de 1990, o conflito palestino-israelense permanece sem resolução. Para Zunes, a conhecida “solução dos dois estados”, que estabeleceria um estado Palestino, é a alternativa mais viável.
“Infelizmente, esta perspectiva está cada vez menos possível devido às políticas israelenses, como a colonização ilegal da Cisjordânia e ataques contra civis palestinos”, lamentou o analista. As colônias israelenses são comunidades judaicas construídas nos territórios ocupados. Atualmente, elas existem apenas nos territórios da Jordânia e são condenadas pela comunidade internacional.
Em 2009, de acordo com o jornal Haaretz, havia mais de 300 mil judeus vivendo em colônias na Cisjordânia. Com a expansão das colônias, a possibilidade de um estado Palestino diminuiu à medida que as comunidades judaicas se estabelecem nos territórios e não desejam sair deles.
Boicotes contra entidades que apóiam a ocupação seriam mais efetivos do que aqueles direcionados ao estado de Israel
O Fórum Mundial da Palestina Livre, que ocorrerá em Porto Alegredo dia 29 ao dia 1º de dezembro, trouxe para o Rio Grande do Sul o debate sobre a possibilidade de um boicote econômico contra o estado de Israel, a fim de pressionar o país a terminar o conflito com a Palestina. A sugestão de um “boicote (…) de investimento e sanções (BDS) contra Israel (…) e boicotes acadêmicos e culturais de instituições israelenses”, que consta no texto de referência do evento, entre outros trechos do documento, levou a Federação Israelita do estado a afirmar que o Fórum promove a “demonização de Israel”.
“Visto que Israel é o único estado judaico do mundo, há uma sensibilidade compreensível de muitos judeus em relação às críticas ao país”, ponderou Zunes. “Enquanto muitas críticas às políticas israelenses são justificáveis, há uma minoria de críticas que são, de fato, motivadas por anti-semitismo. É errado presumir que esta discriminação não existe, mas também é errôneo presumir que a maioria dos ativistas em prol da Palestina são anti-semitas”, declarou.
Sobre o boicote econômico, ele lembrou que tal medida já tem sido empregada, ao longo dos anos, em diversos países que abusam ou abusaram de direitos humanos, como a África do Sul na época do Apartheid, o Chile de Pinochet, a China e Burma. “Então é razoável que se pense no governo direitista de Israel como um alvo também”, considerou.
Em sua opinião, no entanto, um bloqueio econômico ao estado de Israel como um todo não seria a melhor opção. “Acredito que a medida seria mais bem empregada se fosse concentrada em corporações e outras entidades que apóiam diretamente a ocupação israelense”, afirmou.
sul21.com.br
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