Da Folha
Clóvis Rossi
Há algumas graves lacunas na narrativa sobre tudo o que aconteceu após os atentados na maratona
Barack Obama tem toda a razão ao dizer que há muitas perguntas não respondidas no caso de Boston.
Algumas:
1 - Um assessor de um experimentado congressista disse ao "Boston
Globe" que vários membros do Congresso estão querendo informações sobre a
investigação que o próprio FBI confirmou ter feito, em 2011, sobre
Tamerlan Tsarnaev, o suspeito morto pela polícia.
"O FBI tinha esse sujeito no radar, mas de alguma forma ele saiu.
Ouvimos durante vários dias que não havia informação de inteligência
[sobre os autores dos atentados]. Agora, descobrimos que poderia ter
havido informações."
Se o FBI mantivesse nos arquivos os dados básicos de um cidadão tido
como suspeito, não precisaria exibir os vídeos em que aparecem os irmãos
Tsarnaev para pedir ajuda à população, o que obviamente alarmou os
suspeitos, levando-os às ações em que se envolveram.
Poderia ter havido uma caçada silenciosa e discreta, o que, em tese,
pouparia pelo menos uma vida, a do segurança do MIT supostamente morto
pelos irmãos em fuga.
Talvez ambos pudessem ser presos com vida, o que seria do interesse
da investigação, cujo objetivo "nesta conjuntura crítica deveria ser o
de recolher informações para proteger a nação de futuros ataques", como
disseram os senadores Johan McCain e Lindsay Graham.
2 - Que fuzilaria foi aquela nas imediações da casa em que Dzhokhar se refugiou em um barco?
Se o rapaz estava gravemente ferido, se não reagiu a tiros quando o
proprietário do barco levantou a lona para verificar o que estava
acontecendo, como é que poderia se envolver em uma troca de tiros
cinematográfica com a polícia, como os vizinhos a descreveram?
Parece mais uma tentativa de fuzilamento sumário, o que dá margem a
duas críticas: primeiro, é de novo contraproducente para a investigação,
do que dá prova o fato de que Dzhokhar não está podendo ser devidamente
interrogado, por causa dos ferimentos recebidos.
Segundo, fere um princípio civilizatório básico segundo o qual todos
são inocentes até prova em contrário, prova que a polícia ainda não
produzira, tanto que ele continuava a ser tratado como suspeito.
Afinal, é como escreveu Glenn Greenwald, colunista de direitos civis
do "Guardian": "Dezenas, se não centenas de detidos em Guantánamo,
acusados de serem os piores dos piores, não eram culpados de nada.
Evidências apresentadas pela mídia não substituem o devido processo
legal e um julgamento com direito a contraditório".
3 - Não é lógico que os irmãos em fuga soltassem o motorista que
haviam tomado como refém, após dizerem que eram os responsáveis pelos
atentados.
Sabiam que, se liberassem o refém, ele os denunciaria às autoridades,
como de fato ocorreu. Se já haviam matado quatro, incluindo o guarda de
segurança, não faz sentido que se apiedassem de uma quinta pessoa e a
soltassem sem nem mesmo uma coronhada.
Se García Márquez tem razão ao dizer que um bom conto é aquele que parece verdade, o conto de Boston está devendo muito.
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