Entre 2001 e 2002, a Globo Comunicações e Participações Ltda. (Globopar) operou um esquema financeiro para adquirir os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2002 que terminou sendo considerado fraudulento e criminoso pela Receita Federal, que a autuou.
A Globopar adquiriu uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas que cerca de um ano depois foi dissolvida, e os recursos apurados na operação foram usados pela Holding da família Marinho para pagar por aqueles direitos de transmissão.
A Receita representou com fins penais por aquela operação ter gerado evasão do pagamento do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ), entre imposto principal devido, correção e multa. No total, a autuação somou mais de 600 milhões de reais.
Tudo isso ocorreu em uma época em que as notícias sobre os problemas financeiros das Organizações Globo se espalhavam pela imprensa brasileira e mundial.
Em outubro de 2002, a Globopar, então acionista da operadora de TV a cabo Net – da qual, futuramente, venderia a participação, para o grupo de comunicação mexicano Telmex – anunciou que iria renegociar novos prazos para quitar dívidas geradas por aquela participação societária.
À época, especialistas do mercado consideraram a medida como uma espécie de “concordata branca” da Globo. O anúncio de suas dificuldades ocorreu no primeiro dia de operações do mercado financeiro após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência.
Naquele mesmo mês, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, o ainda presidente do PT, deputado José Dirceu, tratou da situação financeira dos grupos de mídia, incluindo a imprensa escrita.
Naquela entrevista, Dirceu afirmara que, apesar de a situação da imprensa nacional ser “preocupante” e merecer “ser analisada com cautela pelo novo governo” – o qual, pouco depois, passaria a integrar como chefe da Casa Civil -, não se pretendia utilizar recursos do BNDES para prestar socorro nem à Globo nem a outros veículos da mídia eletrônica ou impressa que se endividaram em dólar durante o governo Fernando Henrique Cardoso e que, com a maxidesvalorização do real, haviam ficado em situação econômica “preocupante”.
Eis, assim, a razão pela qual o governo Lula se tornaria “inaceitável” para esses grandes grupos de mídia: por se recusar a ajudar Globo, Folha, Veja, Estadão e companhia limitada a saírem do buraco em que FHC os meteu ao promover, no primeiro mês de seu segundo governo, a desvalorização do real que garantira, durante a campanha eleitoral de 1998, que não faria.
Parece difícil entender por que esses grupos de mídia defendem tanto um político que os meteu em uma fria como a descrita acima – FHC. A explicação é simples: se José Serra tivesse vencido Lula em 2002, o BNDES teria sido muito mais generoso com a Globo.
Isso sem dizer que as manobras do grupo empresarial da família Marinho para sair do buraco – as quais, tudo indica, passaram pela fraude fiscal – não teriam sido coibidas pela Receita, caso o PT não tivesse sido eleito e abandonado os barões da mídia à própria sorte.
Leia, abaixo, matéria de O Globo de 29 de outubro de 2002 sobre as próprias dificuldades financeiras.
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“Desvalorização do real faz Globopar reavaliar sua estrutura de capital”
copyright O Globo
29/10/02
“A Globo Comunicações e Participações S.A. (Globopar) anunciou ontem que vai reavaliar sua estrutura de capital, devido à desvalorização do real e da deterioração das condições econômicas no Brasil. A Globopar, controlada pela família Marinho, tem participações acionárias nos setores de televisão a cabo e via satélite, programação para TV por assinatura, editora de revistas e livros, gráfica e internet. As operações da TV Globo, da Infoglobo (que edita os jornais GLOBO, Extra e Diário de S.Paulo) e do Sistema Globo de Rádio são diretamente controladas pela família e administradas independentemente da Globopar.
Nesse processo de reavaliação, a Globopar e algumas de suas empresas controladas estão procedendo a uma revisão de seus planos de negócios, com ênfase na melhora da geração de caixa. Ao mesmo tempo, a Globopar e algumas de suas empresas controladas, a partir de hoje, reescalonarão o fluxo de pagamentos de suas obrigações financeiras. A Globopar espera dar novas informações sobre o processo nos próximos 90 dias.
A TV Globo é garantidora de parte das dívidas da Globopar, que já começou a conversar com alguns de seus credores. A Globopar contratou a Goldman Sachs & Co. e Houlihan Lokey Howard & Zukin Capital para o processo de reavaliação e atração de investidores. Debevoise & Plimpton e Barbosa, Müssnich e Aragão estarão prestando assessoria jurídica à Globopar. Já o Unibanco vai assessorar a Globopar com relação ao mercado brasileiro.
Membros da família Marinho investiram mais de US$ 170 milhões na empresa e em suas controladas nos últimos seis meses. Apesar do forte apoio financeiro de seus acionistas, a contínua desvalorização do real e a significativa redução de crédito para empresas brasileiras afetaram a dívida que a Globopar tem em dólares. Além disso, o prazo de retorno dos investimentos nos negócios de TV por assinatura se mostrou mais longo do que o esperado.
Apesar dos esforços da empresa e de seus acionistas para gerenciar a dívida da Globopar, por meio de significativos aportes de capital, a deterioração do ambiente macroeconômico evidenciou a necessidade de reavaliar o cronograma de pagamento da dívida da Globopar. Estamos trabalhando para rever nossos planos de negócios e tomar medidas para reduzir custos e aumentar o fluxo de caixa líquido. Esses esforços servirão como base para as conversas que pretendemos ter com os credores, disse Ronnie Moreira, presidente da Globopar.
A TV Globo não deve ser afetada de forma negativa pelo processo de reavaliação da Globopar. Segundo Roberto Irineu Marinho, presidente da TV Globo, a performance da TV Globo continua sólida, apesar das difíceis condições econômicas atuais. A programação da TV Globo permanece com os maiores índices de audiência e a empresa continua revendo suas operações para melhorar sua geração de caixa, mantendo a posição de líder baseada na alta qualidade de suas produções nacionais.
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