sábado, 3 de agosto de 2013

O FMI, a crise grega e o voto brasileiro 03/08/2013



Nos últimos dois dias, quis escrever sobre o episódio do recuo, determinado pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, do voto brasileiro sobre a liberação de uma nova etapa do plano do FMI de socorro à Grécia.
O caso, como se sabe, colocou o representante brasileiro no Fundo, Paulo Nogueira Batista Jr., numa situação delicada, por ter votado contra.
O Brasil, neste momento, não quer achar conflitos adicionais com a direção do Fundo, perante à qual pleiteia uma revisão de seu nível de classificação quanto ao endividamento público.
Quer que o Fundo considere dívida apenas os papéis do Tesouro em mãos do mercado e não o total de títulos já emitidos, entre os quais se inclui uma enorme quandidade que fica entesourada no Banco Central para que este tenha estoque em carteira, sobretudo para operações de recompra de letras, modificando os perfis de prazo e remuneração. Ou seja, recompra o título X, com tal prazo e critério de juros e correção e vende o tìtulo Y, com prazo e remuneração diferentes.
Este estoque, que é imenso, segundo o governo brasileiro, não deveria ser considerado dìvida, porque não está na mão de credores. E, portanto, não deveria ser considerado passivo nas contas do país.
Esse é o cenário e essa é a razão do conflito com a posição de Paulo Nogueira Batista que, por razões técnico-profissionais e de consciência, votou contra um programa leonino do FMI para a Grécia que não tem viabilidade e massacra impiedosamente o povo grego.
O Brasil não quer comprar essa briga nos organismos internacionais. Aliás, de uns tempos para cá, não quer comprar briga nenhuma neste campo e abriu mão da ousada diplomacia econômica que marcou o Governo Lula.
Como uma pessoa ética e um servidor público disciplinado, Paulo Nogueira Batista Jr. não entra nestas questões que abordo, mas explica a posição que tomou no caso grego.
E ajuda a entender como, ao lado de outros economistas como Marcio Pochmann e João Sicsú, ele é uma das doses de ousadia que falta na administração da economia brasileira.

Tragédia grega

Paulo Nogueira Batista Jr.
Em janeiro, publiquei nesta coluna um artigo com esse mesmo título, em que procurei descrever a trágica situação econômica e social da Grécia – um caso extremo de ajustamento autofágico. E terminei com a seguinte frase: “Ainda ouviremos falar muito da Grécia!”
Aconteceu. Até demais para meu gosto… Nos últimos dias, os jornais estiveram repletos sobre o que eu disse ou teria dito sobre a Grécia. Muito ruído, pouca informação. Por isso, volto ao assunto hoje.
Aristóteles escreveu que era próprio da tragédia clássica despertar sentimentos de compaixão e medo. A Grécia contemporânea atende esses requisitos plenamente. Recomendo ao leitor que examine a última rodada de relatórios do “staff” do FMI sobre a economia grega (www.imf.org). O próprio “staff” do Fundo reconhece, sem muita ambiguidade, a dimensão colossal da crise.
2013 é o sexto ano consecutivo de queda do nível de atividade econômica. O desemprego alcança níveis de Grande Depressão dos anos 30 – quase 27%. O desemprego entre os jovens se aproxima de 60%.
Essa depressão econômica reflete, em boa medida, um ajustamento fiscal draconiano – um dos elementos centrais do programa negociado com a troika (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI). Poucos países fizeram tanto em termos de ajuste das contas públicas. Segundo estimativas do FMI, o ajustamento fiscal realizado pela Grécia entre 2009 e 2012 alcançou nada menos que 15 pontos de percentagem do PIB (estimando-se o ajustamento pelo aumento do saldo primário estrutural). É uma cifra espantosa, mesmo que se considere que parte desse ajustamento reflete a necessidade de corrigir extravagâncias da política fiscal grega nos anos anteriores à crise.
O FMI ainda espera que a Grécia efetue em 2013 e nos próximos três anos um ajustamento fiscal adicional de 4,2 pontos de percentagem do PIB. Com tudo isso, a dívida pública bruta na Grécia subiu de 112% em 2008 para 157% do PIB em 2012; o FMI projeta que ela alcançará 176% do PIB em 2013, mantendo-se acima de 150% do PIB até 2016.
Não se percebe como a Grécia poderá começar a sair do atoleiro sem substancial alívio oficial da enorme dívida que ela acumulou com os parceiros da área do euro.
Outro aspecto impressionante: em razão da forte compressão dos salários na Grécia nos anos recentes, a competitividade externa da economia registra certa recuperação. Não obstante, o “staff” do FMI ainda estima um déficit estrutural nas contas externas correntes de 6% do PIB em 2012 e uma sobrevalorização cambial da ordem de 10%.
Por esses e muitos outros motivos, entendo que o FMI precisa, com urgência, preparar um novo programa para a Grécia, que ofereça esperança à população e um horizonte de superação da crise do país.

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