terça-feira, 5 de junho de 2012

Transparência: o Brasil vai corresponder às expectativas? 05/06/2012

 Written by Harry

Por Greg Michener e Fabiano Angélico
Se o atual governo brasileiro corresponder às expectativas, a presidente Dilma Rousseff poderá ser lembrada como a primeira “presidente da transparência” no Brasil.
E essa expectativa não é apenas do Brasil – mas do mundo. Em abril, mais de 50 países encontraram-se em Brasília para apresentar seu comprometimento com a Parceria para Governo Aberto – ou Open Government Partnership (OGP) -, a primeira iniciativa multilateral dedicada ao fomento à transparência, acesso a informação, participação cidadã e “accountability” governamental. Anunciada na ONU em setembro de 2011, a OGP representa uma mudança de paradigma na direção de mais transparência e governança democrática mais efetiva.
Aos olhos do mundo, o Brasil já conseguiu importantes avanços na questão da boa governança. Na abertura da reunião da OGP, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, reforçou essa visão ao dizer que o Brasil é exemplo na área.
Compromisso com o governo aberto se traduzirá em força na arena internacional, um verdadeiro “soft power”
De fato, o país foi um dos primeiros a divulgar seus gastos de maneira permanente e sem custos de acesso – isso se dá desde 2004 pela internet, por meio do Portal da Transparência, da Controladoria-Geral da União. A Lei Complementar 131, de 2009, inseriu essa obrigação na Lei de Responsabilidade Fiscal e ampliou o escopo para atingir Estados e municípios.
O Brasil também foi um dos pioneiros em práticas de orçamento participativo, com a experiência de Porto Alegre nos anos 1990. Ambas iniciativas ainda têm sérios problemas de implementação e frequentemente entregam menos do que prometem; mas, para os olhos do mundo, essas políticas são e continuarão sendo exemplos inovadores do comprometimento brasileiro com transparência e governo aberto.
O país elevou ainda mais as expectativas do mundo ao sancionar a Lei de Acesso à Informação e criar a Comissão da Verdade. A Lei de Acesso a Informação regulamenta um direito constitucional, inserido nos artigos 5º e 37 da Constituição de 1988. E a Comissão da Verdade finalmente estabelece o direito à verdade, depois de anos de angústias e justificativas infundadas a respeito de fatos ocorridos em épocas de violência institucional.
Essas duas medidas colocam enormes expectativas políticas no Brasil, não só internamente mas também no exterior. Se, por um lado, o Portal da Transparência e o Orçamento Participativo são considerados experimentos únicos e inovadores, a Lei de Acesso à Informação e a Comissão da Verdade são comuns mundo afora. Mais de 95 países possuem leis de acesso à informação e dezenas passaram por processos de restabelecimento da verdade após períodos de governos de exceção.
O desempenho brasileiro nessas duas áreas será medido, analisado e comparado internacionalmente – e o compromisso do Brasil com a transparência real e a abertura não poderá ser ofuscado pelo apelo à inovação.
Os resultados preliminares não são muito animadores. A Lei de Acesso à Informação, sancionada em novembro do ano passado, entrou em vigor em 16 de maio – exatamente um mês após a reunião anual da Parceria para o Governo Aberto.
O prazo de seis meses, entre novembro de 2011 e maio de 2012, foi dado para que os órgãos pudessem se adaptar à lei. Entretanto, os relatos conhecidos demonstram que muitos órgãos públicos pouco ou nada fizeram para se adequar à lei. Há relatos de algumas (poucas) iniciativas no executivo federal, mas aparentemente o Congresso Nacional e os órgãos superiores do Judiciário não estão se preparando. Também não há relatos conhecidos de que muitos Estados ou municípios estejam pronto para cumprir a Lei de Acesso.
Apesar dos resultados preliminares desanimadores, o governo brasileiro está publicamente comprometido com a transparência e a verdade.
Sobrevivente da ditadura militar, a presidente Dilma Rousseff parece apoiar a Comissão da Verdade, embora discretamente demais na opinião de muitos ativistas. Em relação à Lei de Acesso à Informação, Dilma é considerada a sua principal articuladora, tendo enviado o projeto de lei ao Congresso em 2009 quando ainda era chefe da Casa Civil no governo Lula. No discurso de abertura da reunião da OGP, em Brasília, a presidente dedicou espaço considerável para a Lei de Acesso.
É chegada a hora de ver esses comprometimentos públicos se traduzirem em ações políticas e administrativas tangíveis. Um esforço sério terá de ser feito para se implementar a Lei de Acesso. Na prática, isso significa criar unidades de informação nos órgãos públicos, treinar funcionários públicos, organizar o registro e armazenamento de dados, adequar os setores de tecnologia da informação, estabelecer sistemas procedimentais e consolidar a publicação proativa de informações na internet.
A Comissão da Verdade também precisa obter autoridade política para fazer o que se espera dela. Uma Comissão da Verdade fragilizada e inoperante somente demonstraria que o autoritarismo ainda sobrevive no Brasil e impede o país de se tornar forte internacionalmente e um exemplo de abertura.
A Parceria para Governo Aberto é a chance do Brasil de consolidar uma posição de líder mundial na área de transparência. Isso é um verdadeiro soft power que está ao alcance do Brasil. Um compromisso com a transparência se traduzirá em força na arena internacional. Transparência e acesso a informação são fundamentais para se atacar a corrupção, dar poder aos cidadãos e reduzir a assimetria informacional que impede o crescimento econômico e a eficácia dos governos.
Aumentar a transparência é a melhor maneira de o Brasil mostrar a si mesmo e ao mundo que é uma democracia forte e comprometida com seu povo. Conseguirá o Brasil passar das palavras à prática?
Greg Michener é professor do Ibmec Minas e especialista em leis de acesso a informação.
Fabiano Angélico é especialista em transparência e combate à corrupção pela Universidade de Chile e pesquisador da FGV-SP.

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