Por Greg Michener e Fabiano Angélico
Se o atual governo brasileiro
corresponder às expectativas, a presidente Dilma Rousseff poderá ser
lembrada como a primeira “presidente da transparência” no Brasil.
E essa expectativa não é apenas do Brasil
– mas do mundo. Em abril, mais de 50 países encontraram-se em Brasília
para apresentar seu comprometimento com a Parceria para Governo Aberto –
ou Open Government Partnership (OGP) -, a primeira iniciativa
multilateral dedicada ao fomento à transparência, acesso a informação,
participação cidadã e “accountability” governamental. Anunciada na ONU
em setembro de 2011, a OGP representa uma mudança de paradigma na
direção de mais transparência e governança democrática mais efetiva.
Aos olhos do mundo, o Brasil já conseguiu
importantes avanços na questão da boa governança. Na abertura da
reunião da OGP, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton,
reforçou essa visão ao dizer que o Brasil é exemplo na área.
Compromisso com o governo aberto se traduzirá em força na arena internacional, um verdadeiro “soft power”
De fato, o país foi um dos primeiros a
divulgar seus gastos de maneira permanente e sem custos de acesso – isso
se dá desde 2004 pela internet, por meio do Portal da Transparência, da
Controladoria-Geral da União. A Lei Complementar 131, de 2009, inseriu
essa obrigação na Lei de Responsabilidade Fiscal e ampliou o escopo para
atingir Estados e municípios.
O Brasil também foi um dos pioneiros em
práticas de orçamento participativo, com a experiência de Porto Alegre
nos anos 1990. Ambas iniciativas ainda têm sérios problemas de
implementação e frequentemente entregam menos do que prometem; mas, para
os olhos do mundo, essas políticas são e continuarão sendo exemplos
inovadores do comprometimento brasileiro com transparência e governo
aberto.
O país elevou ainda mais as expectativas
do mundo ao sancionar a Lei de Acesso à Informação e criar a Comissão da
Verdade. A Lei de Acesso a Informação regulamenta um direito
constitucional, inserido nos artigos 5º e 37 da Constituição de 1988. E a
Comissão da Verdade finalmente estabelece o direito à verdade, depois
de anos de angústias e justificativas infundadas a respeito de fatos
ocorridos em épocas de violência institucional.
Essas duas medidas colocam enormes
expectativas políticas no Brasil, não só internamente mas também no
exterior. Se, por um lado, o Portal da Transparência e o Orçamento
Participativo são considerados experimentos únicos e inovadores, a Lei
de Acesso à Informação e a Comissão da Verdade são comuns mundo afora.
Mais de 95 países possuem leis de acesso à informação e dezenas passaram
por processos de restabelecimento da verdade após períodos de governos
de exceção.
O desempenho brasileiro nessas duas áreas
será medido, analisado e comparado internacionalmente – e o compromisso
do Brasil com a transparência real e a abertura não poderá ser ofuscado
pelo apelo à inovação.
Os resultados preliminares não são muito
animadores. A Lei de Acesso à Informação, sancionada em novembro do ano
passado, entrou em vigor em 16 de maio – exatamente um mês após a
reunião anual da Parceria para o Governo Aberto.
O prazo de seis meses, entre novembro de
2011 e maio de 2012, foi dado para que os órgãos pudessem se adaptar à
lei. Entretanto, os relatos conhecidos demonstram que muitos órgãos
públicos pouco ou nada fizeram para se adequar à lei. Há relatos de
algumas (poucas) iniciativas no executivo federal, mas aparentemente o
Congresso Nacional e os órgãos superiores do Judiciário não estão se
preparando. Também não há relatos conhecidos de que muitos Estados ou
municípios estejam pronto para cumprir a Lei de Acesso.
Apesar dos resultados preliminares
desanimadores, o governo brasileiro está publicamente comprometido com a
transparência e a verdade.
Sobrevivente da ditadura militar, a
presidente Dilma Rousseff parece apoiar a Comissão da Verdade, embora
discretamente demais na opinião de muitos ativistas. Em relação à Lei de
Acesso à Informação, Dilma é considerada a sua principal articuladora,
tendo enviado o projeto de lei ao Congresso em 2009 quando ainda era
chefe da Casa Civil no governo Lula. No discurso de abertura da reunião
da OGP, em Brasília, a presidente dedicou espaço considerável para a Lei
de Acesso.
É chegada a hora de ver esses
comprometimentos públicos se traduzirem em ações políticas e
administrativas tangíveis. Um esforço sério terá de ser feito para se
implementar a Lei de Acesso. Na prática, isso significa criar unidades
de informação nos órgãos públicos, treinar funcionários públicos,
organizar o registro e armazenamento de dados, adequar os setores de
tecnologia da informação, estabelecer sistemas procedimentais e
consolidar a publicação proativa de informações na internet.
A Comissão da Verdade também precisa
obter autoridade política para fazer o que se espera dela. Uma Comissão
da Verdade fragilizada e inoperante somente demonstraria que o
autoritarismo ainda sobrevive no Brasil e impede o país de se tornar
forte internacionalmente e um exemplo de abertura.
A Parceria para Governo Aberto é a chance
do Brasil de consolidar uma posição de líder mundial na área de
transparência. Isso é um verdadeiro soft power que está ao alcance do
Brasil. Um compromisso com a transparência se traduzirá em força na
arena internacional. Transparência e acesso a informação são
fundamentais para se atacar a corrupção, dar poder aos cidadãos e
reduzir a assimetria informacional que impede o crescimento econômico e a
eficácia dos governos.
Aumentar a transparência é a melhor
maneira de o Brasil mostrar a si mesmo e ao mundo que é uma democracia
forte e comprometida com seu povo. Conseguirá o Brasil passar das
palavras à prática?
Greg Michener é professor do Ibmec Minas e especialista em leis de acesso a informação.
Fabiano Angélico é especialista em transparência e combate à corrupção pela Universidade de Chile e pesquisador da FGV-SP.
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