Mercosul- Geral
25/9/2005 - Presença dos EUA no Paraguai é profunda
SINDLAB
País, que pode ter base dos
EUA, já é encrave militar dos americanos, que treinam forças
paraguaias
CAROLINA VILA-NOVA
DA REDAÇÃO
A polêmica sobre a suposta
instalação de uma base militar americana permanente no
Paraguai, que dominou os jornais latino-americanos nos últimos
meses, esconde uma outra realidade: a presença já forte e a
influência marcante dos EUA nas Forças Armadas do país
vizinho.
Analistas paraguaios
independentes descrevem o país como um encrave militar
histórico dos EUA no Cone Sul. Desde a década de 50, sob
regimes autoritários ou sob governos democráticos, militares
americanos têm trânsito relativamente livre pelo país por meio
de acordos de cooperação.
Essas fontes afirmam que os EUA
são também os responsáveis pela maior parte do treinamento e
da formação das forças de segurança paraguaias, com cursos de
especialização auspiciados pelos EUA por meio do Comando Sul e
de programas de cooperação em defesa da Embaixada americana em
Assunção.
"Hoje são os EUA quem
definem quem é "bom" e quem é "mau" na
política antiterrorista paraguaia", diz o especialista em
temas militares Julio Benegas, do jornal paraguaio "ABC
Color". "Há uma direta intervenção nos organismos
antiterrorismo e antinarcóticos. São os EUA quem equipa, quem
treina."
A implicação, sustenta,
"é que o Paraguai abriu mão de definir sua própria
política de defesa em troca de um suposto tratamento
preferencial dos EUA".
"O presidente [Nicanor
Duarte Frutos] diz que abrir uma maior relação com EUA pode
redundar numa melhoria da economia e do intercâmbio comercial.
Muitos somos céticos com relação a isso porque historicamente
não temos tido uma relação comercial importante", disse o
presidente do Senado, Carlos Filizzola, líder do partido de
oposição País Solidário.
"A impressão é que os EUA
se acercam porque lhes interessa estar nessa região e, como não
podem fazê-lo com Brasil e Argentina, tentam ter uma maior
presença através do Paraguai para fazer valer seus interesses
em relação ao narcotráfico, ao terrorismo e à situação
política no caso da Bolívia e da Venezuela", avaliou.
Grupos de defesa de direitos
humanos vêem essa cooperação com inquietação.
"Isso é bastante
preocupante porque o conceito de segurança norte-americano
excluiu o conceito de direitos humanos", disse o advogado
Orlando Castillo, membro da Serpaj (Serviço de Justiça e Paz).
Base
Com tamanha influência,
argumentam os analistas, os EUA não precisam estabelecer uma
base permanente em território paraguaio.
Fontes diplomáticas avaliam que
o custo político dessa instalação seria muito alto e
provocaria uma deterioração nas relações com os países
vizinhos, dos quais depende boa parte da economia paraguaia.
"Seria mais interessante
manter o Paraguai como um encrave sem ter a necessidade de trazer
uma base, com toda a repercussão negativa que isso poderia ter
na região", diz Benegas.
"Hoje, todos os
escritórios de segurança norte-americanos estão funcionando
[no Paraguai] e é melhor que funcionem livremente no país sem
que se feche o escudo do Mercosul, para que possam mover-se
facilmente e monitorar as atividades brasileira, argentina e
boliviana", afirmou Castillo.
Não há indícios, por ora, de
que a base exista. Segundo a Folha apurou, fotos aéreas feitas
da pista de aterrissagem de Mariscal Estigarribia, apontado como
lugar de instalação da base, e comparadas com fotografias de
dois anos atrás não revelam nenhuma nova edificação nem
movimentação de pessoas acima do normal -apenas um radar que
não funciona.
Hoje, a atuação de militares
americanos no Paraguai está ligada principalmente aos
exercícios militares conjuntos de combate ao narcotráfico e ao
terrorismo, além de operações de paz e humanitárias, como
assistência médica em áreas carentes.
Recentemente, o Congresso do
país autorizou a realização de 13 dessas ações, com
duração prevista até dezembro de 2006. Estima-se que cerca de
400 militares americanos se revezem no país para participar
dessas ações.
A reportagem da Folha pediu
autorização para acompanhar os exercícios militares voltados
ao combate do terrorismo e do narcotráfico que se realizavam nos
últimos dias a 50 km de Assunção.
Foi autorizada pelo Comando das
Forças Armadas do Paraguai; porém, até a última sexta-feira,
quase duas semanas depois de formulado o pedido, a Embaixada dos
EUA em Assunção não havia permitido o acesso do jornal ao
local. Segundo uma fonte militar, trata-se de uma decisão
"política".
"O que nos preocupa é que
monitoramos 46 operações militares americanas desde 2002.
Anteriormente, esses exercícios eram estabelecidos por seis
meses. Depois aumentaram a quantidade de exercícios e o
período, primeiro para um ano e agora para 18 meses. Isso
demonstra a clara intenção de prolongar a presença americana
no país", disse Castillo.
Exército
nega participação americana
DA REDAÇÃO
As Forças Armadas e outras
autoridades paraguaias negam a participação extensiva dos EUA
na formação das tropas do país. Dizem que esta ocorre em
academias militares paraguaias e que alguns oficiais são
enviados para Brasil e Argentina para treinamento, como na
Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), no Rio de Janeiro.
Segundo o Exército, nenhum de
seus oficiais atuais é egresso, por exemplo, da Academia Militar
de West Point, nos EUA.
As autoridades paraguaias negam
também qualquer ingerência exterior na política de defesa do
Paraguai, apesar de admitir que parte da doutrina do país em
questões de antiterrorismo e antinarcóticos chega por mãos
americanas.
"O soldado americano, que
tem maior experiência que nós, nos ensina a doutrina",
afirmou o coronel Elio Flores, porta-voz do Comando das Forças
Armadas do Paraguai.
"Mas isso não afeta em
absoluto nossa política de segurança e de defesa", disse
ele.
"Não temos orçamento para
pagar esse tipo de treinamento. Os EUA têm a tecnologia, têm a
doutrina, e nós optamos pela capacitação de nosso pessoal
aprender suas diferentes experiências. Mas o compromisso é o
mesmo dos treinamentos que temos com a Argentina e o
Brasil", afirmou o coronel.
"São simples acordos de
cooperação em matéria técnica na luta contra o narcotráfico
e o terrorismo", concordou o ex-chanceler paraguaio Miguel
Sanguier, senador pelo Partido Liberal. "Não significam
nenhum compromisso com a política dos EUA. Não há uma
política de defesa que os EUA nos ditem." (CV)
Militarização
é "péssima idéia", diz Garcia
Assessor de Lula critica
possível presença dos EUA, mas diz que é preciso fazer mais
pelo Paraguai no Mercosul
CLÁUDIA DIANNI
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O governo brasileiro prefere que
os problemas de segurança da América do Sul sejam resolvidos
internamente, sem interferências externas, disseram o assessor
especial da Presidência, Marco Aurélio Garcia, e o chanceler
Celso Amorim. "Acho péssima a idéia de militarização da
América do Sul, porque sabemos como começam esses processos,
mas não como terminam", disse Garcia à Folha, referindo-se
não apenas ao Paraguai, mas a toda a região.
Ele disse que o governo estuda
formas de reduzir as insatisfações dos parceiros menores do
Mercosul, mas admitiu que é preciso fazer mais para manter a
coesão do bloco. "Sem dúvida teremos de ficar mais atentos
a essas coisas, sobretudo se achamos que o Mercosul é um
instrumento fundamental da construção da Comunidade Sul
Americana. Política externa exige manutenção."
Para Garcia, a permanência do
Paraguai no Mercosul é uma questão estratégica tanto para o
vizinho quanto para o Brasil, e a discussão sobre a possível
instalação de uma base militar americana no Paraguai em troca
de um acordo comercial foi encerrada por Amorim, que procurou a
chanceler paraguaia, Leila Rachid, para esclarecer o caso.
"Eu acho que eles [os
paraguaios] têm todo o direito de reivindicar uma discussão
mais consistente, e temos de fazer essa discussão. Temos de
contribuir para o processo de diversificação da economia
paraguaia e podemos fazer isso estimulando investimentos da
iniciativa privada ou com crédito do BNDES [Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social]. São esses dois
instrumentos públicos que temos", afirmou.
Sobre o fato de o
vice-presidente paraguaio, Luis Castiglione, ter sugerido, na
semana passada, que os EUA instalassem uma base militar no país
em troca de um acordo comercial, Garcia disse que
"Castiglione é uma autoridade do governo paraguaio e tem o
direito de manifestar suas opiniões". "O Brasil não
faria isso [oferecer o país como base militar] porque não acho
que isso ajude na defesa da região e acrescentaria um elemento
externo que não tem se revelado positivo para enfrentamentos de
conflitos", afirmou.
"Por que temos de
acrescentar esse elemento em uma região que sempre teve a
capacidade de resolver os seus problemas pela via política,
mesmo tendo contra si esse tremendo problema social que temos na
região?", questionou o assessor especial do presidente Luiz
Inácio Lula da Silva.
Na semana passada, Amorim já
havia dito que a defesa da região é um assunto que deve ser
tratado internamente. "A questão da segurança e da defesa
na América do Sul, creio que quanto mais for observada dentro da
América do Sul, melhor será para nós", disse Amorim à
imprensa quando participava da Assembléia Geral das Nações
Unidas.
Ele também pediu transparência
nas negociações entre o Paraguai e os EUA. Dois dias depois o
ministro pediu explicações à chanceler Rachid, ainda em Nova
York, que negou a existência de uma base militar americana no
Paraguai ou que o país estava considerando deixar o Mercosul.
"Acho que o Paraguai lucra
mais estrategicamente estando no Mercosul do que fazendo tratados
de livre comércio que, de certa maneira, congelam as
possibilidade de evolução de uma economia, que vão ocupar um
nicho mínimo, ao passo que o Mercosul tem uma agenda de
integração econômica e política", afirmou.
Economia dependente
Boa parte da economia do
Paraguai é baseada na informalidade, e o país quer
compensações dos sócios maiores do Mercosul, Brasil e
Argentina, para desbaratar o esquema de contrabando e aumentar a
proporção dos negócios formais, o que facilitaria o comércio
com o país. No ano passado, o BNDES aprovou financiamentos de
US$ 300 milhões para a construção da segunda Ponte da Amizade,
que liga os dois países, e outras obras.
Na avaliação de diplomatas
brasileiros, manifestações periódicas de insatisfação do
Paraguai com o Mercosul são formas que o país encontra de
pressionar os sócios maiores a fazer concessões. A situação
econômica e social do país não melhorou com a entrada no
Mercosul. A renda per capita do Paraguai caiu de US$ 1.500 em
1997 para US$ 960 em 2004.
Segundo esses diplomatas, a
sociedade com o Paraguai tem um caráter mais político do que
econômico. Para o Itamaraty, a cláusula democrática do
Mercosul constrange golpes militares no país, que, assim como
outros países da região, possui um ambiente político
instável. É do interesse do governo brasileiro manter a
estabilidade na região para evitar ingerências externas ou o
afastamento de investimentos.
Outra preocupação do governo,
que reforça a necessidade de manter o vizinho sob a órbita de
influência do Brasil, é a extensa fronteira com o país e os
500 mil brasileiros que moram no Paraguai, além da divisão da
hidrelétrica de Itaipu. Sem portos e indústrias, o Paraguai,
por sua vez, precisa do Mercosul para garantir mercado para seus
produtos, crédito e uma representação mais robusta em foros
internacionais.
Para EUA,
meta não é ter força, mas influência
IURI DANTAS
DE WASHINGTON
A aproximação entre EUA e
Paraguai se insere em um programa estratégico da Casa Branca de
aumentar sua influência na região, mas não passa
necessariamente por maior presença física de soldados na área
da Tríplice Fronteira, insistentemente apontada por Washington
como pólo de financiamento de grupos supostamente vinculados a
ações terroristas.
Nesse contexto, os exercícios
de treinamento entre militares americanos e paraguaios são
apenas mais uma peça no quebra-cabeças que envolve diversos
órgãos do governo dos EUA na chamada "guerra ao
terror", diretriz máxima da administração de George W.
Bush após o 11 de Setembro.
Interessados em ampliar o fluxo
de informações com os paraguaios, os EUA vêm promovendo
diversas ações bilaterais, como os exercícios militares, o
estudo de abertura de um posto avançado do FBI e o incremento no
intercâmbio de dados de inteligência, tema que a CIA não
comenta oficialmente.
Como não se trata de uma guerra
convencional, a construção de uma base militar ou a
instalação permanente de tropas americanas no país é
descartada pelo Pentágono. O mais importante, e necessário
dentro da estratégia de Washington, é a cooperação com
autoridades paraguaias, intensificada nos últimos meses.
"Não há planos para
basear soldados americanos no Paraguai por períodos
extensos", afirma o Departamento de Defesa. Os exercícios
conjuntos que vêm sendo realizados no país desde agosto, por
períodos de duas semanas, são chamados pelo departamento de
"exercícios humanitários". "Estamos satisfeitos
com a ativa cooperação do Paraguai na luta contra o
terrorismo", acrescenta o Pentágono.
Para um especialista em
relações estratégicas ouvido pela Folha, atualmente os
paraguaios cooperam "em praticamente tudo" com os EUA.
Incluindo troca de informações sobre grupos vistos pelos
americanos como vinculados a terrorismo e sobre a colônia árabe
da região da Tríplice Fronteira, por exemplo.
Os exercícios militares servem,
de acordo com o especialista, para que os EUA acumulem
informações sobre o modo de atuação de militares paraguaios,
além de promoverem uma abordagem mais pragmática e suave a
respeito de atividades contra grupos terroristas. Sensibiliza os
paraguaios, atrai seu interesse pelo tema e acumula dados sobre a
atuação de suas forças armadas, diz.
Já no círculo diplomático
estrangeiro, cujo acesso a documentos e ao governo americano é
maior, há poucos que temem o avanço das relações EUA-Paraguai
como algo perigoso para o Brasil. Servidores do Itamaraty ouvidos
pela Folha em Washington manifestam mais interesse em descobrir
se o "pacote" envolve alguma negociação comercial.f
Fonte:
Folha de S.Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário