segunda-feira, 24 de julho de 2017

Lula: achem um real ilícito e, então me condenem”. Assista 24/07/2017


“O Brasil precisa de um presidente eleito pelo povo e de muita tranquilidade para poder voltar a crescer”.
A frase é de um Lula tranquilo, na entrevista que deu à Rede Tiradentes, do Amazonas, na manhã de hoje.
Tranquilo até mesmo quando os apresentadores, Ronaldo Tiradentes e Neuton Corrêa, no programa Manhã de Notícias,  perguntaram sobre o bloqueio de seus bens, determinado por Sérgio Moro.
“Eu estou tranquilo porque tenho a consciência tranquila. Quero que eles provem que entrou um real ilícito na minha vida. Eles já procuraram dinheiro na Suíça, na Finlândia, na Noruega, no Japão…Já acharam do Serra, já acharam do Aécio, já acharam do Temer, já acharam de todo mundo…Eu quero que achem meu. Quando acharem,, me condenem, não tem nenhum problema, eu não estou acima da lei”.
Lula disse que se sente “injustiçado” e que a decisão da Justiça “seria diferente se o juiz Sérgio Moro respeitasse os autos do processo”.
“O Moro estava comprometido com a (Rede) Globo e com o Jornal Nacional, por isso, tinha de me condenar!”

domingo, 23 de julho de 2017

Desmontando farsa da “Ferrari de ouro do filho de Lula” 23/07/2017

Posted by  on 23/07/17

Corrigindo: as imagens que não entraram,foram retirados os quadros 24/07/2017

 http://www.blogdacidadania.com.br/2017/07/desmontando-farsa-da-ferrari-de-ouro-do-filho-de-lula/

Não passa um dia sem que farsantes espalhem mentiras sobre o ex-presidente Lula e sua família – e, não, não estamos falando das ações contra ele na Justiça, todas elas produtos de farsas oficiais. A farsa em questão é cem por cento criminosa, baseada em mentiras ainda mais grosseiras que a das ações judiciais contra o ex-presidente.
A última dessas farsas é praticamente inacreditável por várias razões. Chega a ser difícil de acreditar que alguém caia nela, mas não falta quem caia. E, no mais das vezes, as pessoas que caem nesses contos do vigário não o fazem por ingenuidade, mas porque querem acreditar na mentira.
Na manhã de domingo recebo de uma contraparente (parente por afinidade, no sentido de vínculo originado no casamento) um vídeo surpreendentemente inverossímil no que diz respeito à descrição.
Assista essa armação revoltante
Não foi necessário nem assistir ao vídeo todo para perceber a farsa. Conheço pessoalmente dois dos filhos de Lula e a pessoa que aparece no vídeo não é um deles.

Além disso, o vídeo farsante diz que a cena de um homem entrando em uma Ferrari dourada se passa no Uruguai e, coincidentemente, por ser aficionado da Fórmula 1 conheço o hotel de onde ele sai antes de entrar no carro. Trata-se do Hotel de Paris, em Monte Carlo, um dos 10 distritos do principado de Mónaco, onde ocorre uma das mais charmosas competições dessa modalidade esportiva.
O que ocorreu é que o primeiro dos muitos bandidos que divulgaram a farsa ouviu alguém falando em espanhol no vídeo e teve a ideia de dizer que a cena se passava “no Uruguai”. E não faltaram otários ou pessoas mal-intencionadas a comprar – e depois a vender – a mentira.
O primeiro dos muitos vídeos divulgando a farsa apareceu nas redes sociais no dia 22 de julho de 2017 e rapidamente se transformou num dos assuntos mais comentados da rede. Algumas versões desse mesmo vídeo foram compartilhadas no Facebook, gerando centenas de milhares de visualizações.
O vídeo em questão foi publicado dias antes em outros canais no YouTube e podemos notar que não há nenhuma menção ao dono do veículo ser o “Lulinha”. Você pode assistir o vídeo original, sem a farsa, aquiaqui e aqui
A placa do veículo usado na farsa também contém inscrições em árabe e o carro foi visto em Paris poucos dias antes de essa farsa ser divulgada

O mesmo carro usado na farsa foi visto também em Cannes, na França. Obviamente que sem qualquer tipo de relação com a família de Lula.
Já inventaram que “o filho do Lula” – nunca dizem qual – era dono de uma fazenda imensa. Depois, descobriu-se que se tratava da ESALQ – USP, Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, localizada em Piracicaba – SP. Já inventaram que “o filho de Lula” era dono da Friboi, que, agora, todos sabem a quem pertence. Agora, inventaram que “o filho de Lula” tem um carro de ouro.
O fato é que esse tipo de farsa só serve para mostrar que quem se posiciona contra o linchamento do ex-presidente tanto pela Justiça quanto pelos porões da internet, está do lado certo.
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Como a farsa nasceu no You Tube, o Blog fez um vídeo contendo tudo que você viu neste post. Ajude a divulgar para que, também naquela rede social, a verdade seja restabelecida.

AS ORIGENS DO SISTEMA FINANCEIRO 23/07/2017


Veneza, desbaratada pela crise que ela própria criou e que teve como consequência a Peste Negra, move-se para o norte, primeiro na Holanda, para aí sim encontrar seguro refúgio na ilha britânica, num movimento ainda não detectado pela historiografia tradicionalista dentro ou fora das universidades.

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Eu também vi que opiniões mais ou menos similares, roubando gradualmente a consciência dos homens de alta colocação que governam os demais e dos quais os negócios públicos dependem, e furtivamente aparecendo nos livros da moda, estão inclinando rumo à revolução universal que ameaça a Europa, e completando a destruição do que ainda resta no mundo dos generosos sentimentos dos antigos gregos e romanos, que colocavam o amor à pátria, o bem público e o bem estar das gerações futuras, antes do desejo de fortuna e antes até da própria vida. Esse “espírito público”, como os ingleses chamam, está definhando e não está mais na moda; isso vai matar todo o resto quando deixar de ser sustentado pela boa moralidade e a verdadeira religião, cuja razão natural por si mesma nos ensina… Eles zombam abertamente do amor à pátria e ridicularizam os que se preocupam com o bem público. E quando um homem bem intencionado fala sobre as perspectivas futuras, eles dizem: deixe o futuro falar por si mesmo.
Leibniz, Novos Ensaios Sobre o Entendimento Humano

Introdução

Devido à ausência de modelos explicativos satisfatórios para dar conta da crise financeira internacional, cujo processo parece repetir um padrão único e em constante progressão, precisamos buscar em diferentes fórmulas discursivas entender o caráter exato da crise de desintegração econômica que vivenciamos. A velha teoria cíclica sobre a ascensão e queda constantes da saúde das economias nacionais encampada pelo marxismo tradicional, mostra-se incapaz de entrever a profundidade, a constância, de um padrão único de política econômica, cuja raiz na história ocidental pode ser encontrada no capitalismo financeiro veneziano. Veneza, desbaratada pela crise que ela própria criou e que teve como consequência a Peste Negra, e também expulsa pelos ventos progressistas do Renascimento na Itália, move-se para o norte, primeiro na Holanda, para aí sim encontrar seguro refúgio na ilha britânica, num movimento ainda não detectado pela historiografia tradicionalista dentro ou fora das universidades.

Veneza se move para o norte

O problema sucessório criado pela morte da rainha Elizabeth, em 1603, deu lugar ao reinado de seu primo, James Stuart, no lugar do jovem Essex, antes designado ao trono. Jaime I da Inglaterraconcedeu aos seus financiadores estrangeiros (os escoceses, mas principalmente Gênova, que possuía amplas ramificações naquele país) o monopólio sobre o débito público e o recolhimento de impostos na Inglaterra. Sem eles e o apoio de Francis Bacon, dificilmente Jaime herdaria o trono. A Guerra Civil veio acelerar a predominância dos interesses estrangeiros na região, principalmente depois da queda da República e a Restauração dos Stuart.
Em 1694, se estabeleceu o Banco da Inglaterra, baseado no Banco de Veneza, instituído depois da Revolução dos Giovani, em 1582. Os financistas venezianos estavam enfraquecidos desde a catástrofe da Peste Negra. Suas especulações levaram à ruína inúmeros reinos da Europa, abrindo caminho para a peste, que migrava do oriente na esteira dos mongóis herdeiros de Gengis Khan. Estes, aliados dos venezianos, utilizavam de suas guerras de saqueio para financiar a banca de BardiPeruzzi e Acciaiuoli, entre outros.
Os mongóis, em seu governo genocida na China, saquearam todo o ouro de S’ung e de parte da Índia sob seu controle, substituindo-o por moeda de prata, e para as castas mais baixas (ou seja, os chineses), por dinheiro de papel. Intermediários mongóis encontravam mercadores venezianos nas cidades comerciais persas governadas pelos mongóis, Tabriz e Trebizonda, e no porto do Mar Negro, de Tana, e trocavam ouro por prata da Europa. Um comércio em larga escala de escravos provenientes de domínios mongóis foi associado com esta troca de moeda. Este foi o chamado “ouro tanga”, de Tanghi ou de peças não cunhadas com o selo do Khans mongóis, assim como barras e folhas de ouro. A prata ia em pequenos lingotes venezianos chamados sommi, que “eram o meio comum de troca em todo os canatos tártaros e mongóis… A demanda por prata no Extremo Oriente foi aumentando continuamente”, escreve Lane. “Os venezianos foram capazes de elevar o preço da prata, apesar da existência de quantidades recordes” chegando em Veneza através da Europa (GALLAGHER, 2005).
A quebra da banca veneziana depois da Peste foi contrabalanceada no século XVI com a liderança de Paolo Sarpi, um dos primeiros empiristas da era moderna. Foi no ridotti (ou salão) de Andrea Morosini, cuja família tinha fornecido inúmeros doges para Veneza, que Sarpi fez valer sua liderança intelectual. Os Giovani, organizados nesse salão, ao venceram a revolução por eles criada, organizaram logo em seguida, em 1582, o Banco della Piazza di Rialto, o primeiro banco “público” de Veneza. Logo depois, se deu a criação do Banco Giro, o qual gradualmente absorveu aquele. O Banco de Veneza, como ficou conhecido, serviu de inspiração direta para a criação do Banco de Amsterdã, em 1609. Juntos, os dois bancos serviram de inspiração para criação do Banco da Inglaterra, em 1694.
As pessoas que escreviam na época eram muito conscientes e bem explícitas a respeito do novo modelo financeiro que derivava de Veneza. Assim, nos anos que antecederam a Revolução Gloriosade 1688, na Inglaterra, encontramos, em 1651, a proposta de Sir Balthazer Gerbier para a criação de um “banco de pagamento em Londres seguindo o estilo de qualquer banco de Amsterdam ou o de Veneza”; O livro de 1678, de Dr. Mark Lewis, Propostas para o Rei e o Parlamento, pede a criação de um “banco nacional de emissão”, baseado no projeto do Banco de Veneza, que ele elogia como “o crédito bancário perfeito”, e o livro de 1690, de Nicholas Barbon, pede a criação de um banco público nacional, em consonância com os de Veneza e Amsterdam. Portanto, não é exagero dizer que a Revolução dos Giovani, de 1582, foi o ponto de origem para o sistema anglo-holandês (INGRAHAM, 2008, p. 23).
Mais à frente, continua o autor, para os fondi oligárquicos “não era individualmente o império veneziano, espanhol, holandês ou britânico que eram importantes. Nações são obstáculos para a oligarquia. Para o fondi, o Sistema Imperial é que é fundamental” (INGRAHAM, 2008, p 18). O que a oligarquia desses países criou foi o que conhecemos como os bancos centrais de hoje em dia, fundamentalmente controlados pela banca privada. Essa ideia, que é totalmente contrária a de banco nacional, é do mesmo tipo de corporativismo de Mussolini, embora não limitado às estruturas estatais, onde o governo republicano deveria ser suplantado para dar lugar a um mundo regulado pelos fondi.
A fundação da Companhia Holandesa das Índias Orientais veio na esteira do assassinato do duque William, o Silencioso, e da destruição pela armada espanhola, em 1585, da Antuérpia, seguida do fechamento de sua Bolsa de Valores. Assim começou um grande êxodo das províncias do sul dos Países Baixos para as do norte, com mais de 19.000 mercadores, banqueiros e especuladores, a maioria se radicando em Amsterdã. A transferência dos padrões especulativos do novo modelo de banco veneziano foi o passo necessário para a criação da Companhia e da nova Bolsa, em 1608, e do Banco de Amsterdã, no ano seguinte. Nesse mesmo ano, o senado veneziano, amplamente controlado pelos Giovani, se tornou o primeiro governo na Europa a oficialmente reconhecer a independência holandesa da Espanha e a trocar embaixadores. A revolução financeira em Amsterdã logo se espraiou para outros governos do norte, como a Suécia e Hamburgo, e outras cidades marítimas participantes da Liga Hanseática.
Desde o reinado de Jaimes I agentes venezianos ocupavam a Inglaterra, tendo seus interesses resguardados por pessoas como Thomas Hobbes e Francis Bacon. Entretanto, oficialmente Veneza só se move definitivamente para o norte em 1688. Enfadados com a resistência dos Stuart para o estabelecimento do seu tipo de banco central e contrariados nos seus desejos de fazer frente ao sistema econômico francês, na época liderado por Colbert, por meio de uma guerra, os venezianos conspiravam para derrubar o rei desde a década de 1670. Ashley Cooper, fundador do partido Whig, era um dos líderes da contra-revolução, sendo exilado por esse motivo em 1681. Então, a Inglaterra foi totalmente invadida por 20.000 homens e 500 navios. Uma junta composta basicamente por aristocratas Whigs, aliados dos holandeses quando da invasão que levou a casa de Orange ao poder, formou o governo. A reunião dos grupos políticos que se reuniam em torno de Cooper e do embaixador holandês John Churchill foi contraposta por Leibniz e seus colaboradores como Robert Harley e Daniel Defoe. Já em 1691, três anos após o golpe veneziano-holandês, um débito especulativo assolava as finanças britânicas. A luta então passou a se dar pela criação de um banco nacional para o desenvolvimento e a regulação das taxas de juros bancárias.
Isso foi um trabalho para John Locke, o principal propagandista da Junta, vindo junto da bagagem da rainha Maria em 1688, depois de ter vivido no exílio com Cooper, seu patrocinador. Depois de tentar justificar o golpe veneziano com seus tratados sobre o governo no ano anterior, foi de encontro ao plano racional de Harley com sua própria sofística, remoendo alguns argumentos econômicos por ele plagiados da escola de Salamanca, aliada de Veneza, tais como os de Martin de Azpilcueta Navarro. Locke efetivamente disse: “Seu plano pode contrariar a sociedade bestial cujo controle total foi feito pelos venezianos ao trazer os Orange, em primeiro lugar, e isso realmente pode frustrar seus planos de carregar de dívidas e destruir toda a Europa”. Mentindo assim, e dizendo qualquer coisa necessária para atingir seus intentos, Locke atacou qualquer controle estatal da economia, da moeda, ou qualquer limitação das taxas de juros para prevenir a especulação, argumentando que o mercado determina o valor correto. “As coisas devem ser deixadas para encontrar seu próprio preço”, como o “interesse natural” é determinado por uma força desconhecida. Dinheiro é dinheiro, disse Locke, e nunca pode ser posto sob controle, simplesmente porque eu disse isso, e você está bem confuso com minha sofística para discordar (KIRSCH, 2011).
Depois que essa campanha de desorientação foi espalhada, Charles Montagu, tesoureiro, um dos líderes da junta veneziana e parte do comitê de boas vindas aos invasores estrangeiros, criou o Banco da Inglaterra em 1694 por meio de um ato parlamentar instituído por William Paterson, estudante importado do Banco de Amsterdã. Montagu então organizou a retirada de grandes somas emprestadas ao banco privado, chamado Central, controlado não pelo rei, mas pelo parlamento, e, supostamente para ajudar a economia devastada pela guerra, criou um gigantesco débito nas contas públicas baseado em papéis especulativos, empobrecendo o reino e posteriormente clamando por decisões financeiras autoritárias (“mercadológicas”), desconsiderando totalmente o desenvolvimento nacional. Para o trabalho, foi selecionado sir Isaac Newton para diretor da Casa da Moeda, tendo como tarefa o enorme processamento de dados das mentirosas e traiçoeiras medidas econômicas imperiais, cujo resultado foi a recunhagem da moeda, cortando pela metade o poder aquisitivo da população.
Existe uma batalha pouco esclarecida pela História, uma batalha não só econômica, mas fundamentada em princípios científicos diversos e que pode ser visualizada a partir da Grã-Bretanha nos séculos XVII e XVIII. LeibnizRobert Harley e Daniel Defoe, junto a outros colaboradores, procuraram fortalecer a Casa de Hanover, não só como conselheiro da Eleitora Sofia, mas como professor de Ana, filha de Jaime II, a qual, segundo suas pesquisas, seria a próxima na sucessão do trono. Uma campanha de difamação então foi posta em prática, e nos campos científicos até agora é sentida principalmente no que diz respeito à formulação do cálculo infinitesimal por Newton e sua suposta genialidade. A tradição encampada por Leibniz, platônica por excelência, na esteira de Nicolau de Cusa, ficou relegada ao tipo de empiricismo sensualista cujo protótipo é a filosofia aristotélica, encarnado na modernidade por Paolo Sarpi em sua Revolução dos Giovani, e finalmente transformada em paradigma pelo trio Galileu/Newton/Descartes. Não por acaso, a chamada Revolução Industrial britânica foi um movimento retardado em pelo menos cem anos pelas atitudes da mesma Royal Society, presidida por Newton (VALENTE, 1979). Que a historiografia que oscila entre dois deuses, Smith e Marx, possa superar o princípio do prazer e da dor, e conseguir ver com um propósito mais abrangente as causas da nova Idade Média que teima em se implantar pela nossa conhecida Cristandade.
Quando Sofia morreu em 1714 de causas naturais, Ana não foi mais vista como necessária para bloquear o controle da Inglaterra por Leibniz sob Sofia, e ela mesma morreu semanas após Sofia, com sintomas similares aos da esposa, filho, neto e sobrinho de Luís XIV, que foram todos envenenados em 1712. O recém coroado rei George, saudavelmente ativo, imediatamente rejeitou o plano de paz com a França firmado por Harley e Ana, e fez seu primeiro ministro Charles Montagu, com louvor antigo servidor de Veneza.
Leibniz escreveu para sua aliada da Casa de Hanover, Carolina de Ansbach, princesa de Gales, que não foi Sofia, mas a Inglaterra que perdeu com sua morte. A ameaça de Leibniz chegar ao poder na Inglaterra e coordenar uma ampla aliança entre os Estados-Nação, influenciou dinamicamente todas as ações da oligarquia na Inglaterra de 1702 a 1714. Com esse perigo removido, sob a Junta do hábil rei George, em 1714, não houve mais qualquer obstáculo que o império monetarista veneziano não pudesse evitar. A Inglaterra estava agora destinada a ser a nova sede do império financeiro-monetário internacional, o Império Britânico, dentro não menos do que ao final das seguintes duas gerações (KIRSCH, 2011).
Para conhecer melhor as práticas especulativas de Veneza em sua essência, as mesmas praticadas hoje utilizadas na City de Londres, em Amsterdã, e em Wall Street, precisamos melhor entender a Nobreza Negra veneziana. Assim, conheceremos de forma mais completa o que se denomina sistema oligárquico, e sua base financeira, os fondi.

A Nobreza Negra de Veneza

Chega a causar arrepio nos historiadores geralmente acostumados à reconstrução mnemônica, tal como exemplificou Pierre Nora, ou aos historiadores das micro-realidades, como no caso de Foucault ou Ladurie, a extrema atualidade de um acontecimento histórico de praticamente 700 anos atrás, o qual nenhum “historiador-programador” (como disse ser nosso futuro, E. L. Ladurie) ou análise fragmentária poderá abarcar. Até nossos artistas da palavra, poetas de uma história fantasma, colhem sementes incertas quando falamos da preeminência do que consideramos o Presente.
A “Nobreza Negra” não é só um fato histórico, mas é a encarnação, dentro do sistema imperialista, do que podemos chamar de princípio oligárquico. A diferença da crise especulativa que levou os Estados europeus à bancarrota, abrindo caminho para a Peste Negra, e a dos dias atuais, é simplesmente que no século XIV ainda não havia países. Naquela época, todo o sistema econômico europeu foi devastado; hoje, o perigo ataca a economia do sistema trans-Atlântico, ou seja, a mesma entidade que conhecemos atualmente pelo nome de Civilização Ocidental.
O lamentavelmente semelhante estado em que vive hoje nossa Academia, longe de toda uma tradição de produção intelectual, de atuação política inclusive, que forjou o que de mais valoroso ainda possuímos quando procuramos pensar nosso país, é o estado dos intelectuais encarcerados em suas cátedras, não tanto por ausência de voluntarismo, mas por absoluta inépcia quanto aos debates do mundo atual. Onde a história profundamente engajada, podemos dizer, problematizadora, de um Buarque de Holanda, de um Capistrano? O olhar lúcido de nossos cientistas sociais, como Faoro e Florestan? A paixão quase escandalosa de um Darcy Ribeiro pelo nosso país? Onde, volto a perguntar, poderemos encontrar, hoje, algo próximo a profundidade do trabalho realizado por algum desses que acima foi citado? A falta de resposta aos desafios atuais é um dos fatores cruciais que mantém nosso debate intelectual apenas num nível de sobrevida. Com alguns raros clarões de luz, é verdade, pois sem os mesmos não conseguiríamos ao menos sobreviver.
Uma mitologia do “livre comércio” tem sido desenvolvida pelos historiadores sobre esses banqueiros “cristãos sóbrios e industriosos”, da Itália no século XIV – “fazendo o bem” para sua própria ganância; desenvolvendo o comércio e o início da indústria capitalista ao buscar por monopólios para suas famílias bancárias; de algum modo coexistindo em paz com outros mercadores; e expiando o pecado da usura com doações para a Igreja. Mas, segue o mito, esses sóbrios banqueiros foram desviados do caminho correto pelos reis (malditos governantes!) os quais eram perdulários, belicosos, e incapazes de pagar as dívidas que haviam forçado os banqueiros, indefesos ou momentaneamente tolos, a emprestá-los. Assim, a emergente “empresa privada capitalista” foi interrompida pelo desastre do século XIV, conclui o mito escolar, notando que 30 milhões de pessoas morreram na Europa com a Peste Negra e com suas consequências: a fome e a guerra. Caso somente os banqueiros “sóbrios e cristãos” tivessem ficado com o industrioso “livre comércio” nas suas prósperas cidades-Estado, nunca teriam se imiscuído nas guerras dos reis perdulários! (GALLAGHER 2005).
Os bancos das famílias BardiPeruzzi e Acciaiuoli, junto a outros grandes bancos de Florença e Siena, foram todos fundados por volta de 1250. Eram as famílias da aristocracia de terra do norte da Itália, identificadas por Maquiavel, em sua História de Florença, como os Guelfos Negros, os quais foram responsáveis, entre outros atos, pela expulsão de Dante e seus correligionários de Florença. Carlos Magno, cinco séculos antes, organizou um boicote aos venezianos, reconhecendo neles uma ameaça para seu império, tal como considerava os vikings saqueadores.
Os Guelfos Negros desfrutavam de uma isenção efetiva das injunções dos papas contra a usura, e também de sua proibição de negociação com os infiéis. De 1183 até a Paz de Constantino de 1290, como é documentado por Frederick Lane em seu livro (LANE, 1985), os venezianos ganharam o controle quase total sobre o comércio de ouro e prata, em moedas e barra, através da Europa e Ásia. Para isso, fizeram lobbies para eleger e derrubar papas, ou provocavam rivalidades entre os dois líderes da Cristandade, o imperador do Sacro-Império e o papa, como fez o Duque Ziani de Veneza em 1180, com Frederico Barba Roxa, avô de Frederico II. O Doge Ziani, abriu uma ofensiva contra Frederico por este permitir às cidades italianas sob seu controle cunhar suas próprias moedas, não permitindo assim a troca, desejada pelo Partido Guelfo, para uma moeda única para a região, cunhada em Veneza.
Nobreza Negra não emprestava simplesmente dinheiro aos monarcas, esperando como contrapartida os juros. “Oficialmente”, estes não eram pagos pelos empréstimos, já que eram considerados pecado e crime entre os cristãos. No entanto, os bancos impunham “condicionalidades” aos empréstimos, como hoje se faz através do FMI. A condicionalidade primária era a penhora das receitas reais aos bancos, “o sinal mais claro de que os monarcas não tinham soberania nacional contra os ‘corsários’ privatistas chamados Guelfos Negros” (GALLAGHER, 2005). Desde o século XIV, importantes matérias-primas como alimentos, lãs, roupas, sal, ferro, etc., eram produzidas sob licença e taxação reais. O controle sobre as receitais reais levou à privatização da produção desses bens e ao controle por agentes privados das funções exercidas pelo governo monárquico.
Havia também as “rendas perpétuas” dos banqueiros que se baseavam no cálculo do valor produtivo das terras por toda a vida de seu proprietário; esse valor era pago pelos bancos em dinheiro, e virtualmente garantiam que os proprietários iriam perder suas terras para os bancos. Assim, as áreas rurais e toda sua capacidade de produção de alimentos estavam arruinadas na Itália da primeira metade do século XIV. O condado de Pistoia, por exemplo, em torno de Florença, que tinha uma densidade populacional por metro quadrado de 60-65 pessoas em 1250, caiu para 50 em 1340. Em 1400, depois de 15 anos de Peste negra, a densidade populacional caiu para 25 pessoas por quilômetro quadrado. “Assim, as fomes de 1314-17, 1328-9 e 1338-9, não foram ‘desastres naturais’” (GALLAGHER, 2005).
Com exceção dos banqueiros da liga hanseática, de muito menor envergadura do que a banca italiana, todas as grandes casas de usura desse país tinham entrado em bancarrota já no século XIV. Os famosos bancos da Toscana caíram por volta de 1320; em 1330, os maiores bancos, à exceção dos Bardi (PeruzziAcciaiuoli e Buonacorsi), estavam perdendo muito dinheiro e decretando falência com a queda da produção das matérias-primas que tinham monopolizado e que seu câncer especulativo estava devorando. Os Acciaiuoli e Buonacorsi, banqueiros do papa antes dele ter saído de Roma, entraram em bancarrota em 1342 com o desfalque financeiro da cidade de Florença e com os primeiros desfalques de Eduardo III. Os Peruzzi e os Bardi, os dois maiores bancos do mundo, fecharam as portas em 1345, deixando todo o mercado financeiro europeu destruído.
Por volta de 1340, uma epidemia mortal, mas não a bubônica, matou cerca de 10% da população do norte da França. Dos 90-100.000 habitantes de Florença, cerca de 15.000 morreram no começo da década. “Em 1347, a Peste Negra (peste bubônica e pneumônica), que já tinha matado 10 milhões na China, começou a varrer a Europa” (GALLAGHER, 2005).
Braudel reconhece em Veneza o maior sucesso comercial da Europa, mesmo sem contar com indústrias, exceto a naval-militar. Não obstante, seu sucesso atravessou o Mediterrâneo e controlou um império como uma mera empresa de trocas. E, por ser de suma importância caso queiramos entender a difusão da Peste Negra do oriente para o ocidente, arrebatando a Europa e levando-a ao caos social, podemos falar junto a Frederick Lane: “Os governantes de Veneza estavam menos preocupados com os lucros das indústrias do que com os lucros do comércio entre as regiões que valorizavam o ouro e a prata de forma diferente” (LANE, apud GALLAGHER, 2005). A transação oriente-ocidente no que se refere à questão monetária europeia é fundamental. Iremos ver.
O trabalho especulativo veneziano foi realizado durante o século 1250 – 1350. Navios partiam para o leste do Mediterrâneo ou para o Egito levando basicamente prata. Voltavam com ouro, incluindo todos os tipos de cunhagem, barras, folhas, etc. Os lucros dessa prática, especulativa como as do Morgan-Rothschild, apoiados em George Soros e Marc Rich, deixavam os lucros da usura realizada no continente em segundo plano. As instruções dos financistas venezianos para seus agentes eram para terem uma taxa mínima de lucro de 8% para cada viagem de seis meses só para a troca entre ouro e prata. Isso dava uma média anual de lucro de 16 a 20%. Um pouco depois do crash financeiro de 1340, o Doge Thomasso Mocenigo fala ao Conselho dos Dez, relembrando o auge das práticas usurárias venezianas:
Durante os tempos de paz, a cidade empregou um capital de 10 milhões de ducados no comércio por todo o mundo através de navios e galeras, de tal modo que o lucro das exportações foi de 2 milhões, o das importações de 2 milhões, e as exportações e importações juntas somaram 4 milhões [em duas viagens anuais, 40% de lucro sobre o valor inicial – PGH]. “Vocês tem visto todo ano nossa cidade cunhar 1.200.000 em ouro, em 800.000 em prata, dos quais 5.000 marcos (20.000 ducados) vão anualmente para o Egito e a Síria, 100.000 para suas possessões na parte continental da Itália, para suas possessões além-mar 50.000 ducados, para Inglaterra e França cada 100.000 ducados” (GALLAGHER 2005).
O ouro do oriente estava sendo saqueado da China e Índia pelo Império Mongol, ou vinham das minas do Sudão e de Mali, na África, onde era vendido aos mercadores venezianos em troca da supervalorizada prata europeia. A prata do ocidente vinha das minas da Boêmia e da Hungria, e era vendida cada vez mais exclusivamente aos venezianos, os quais cada vez menos tinham reservas de ouro à sua disposição. Moedas cunhadas fora de Veneza estavam desaparecendo, primeiro no Império Bizantino durante o século XII, depois no domínio dos mongóis e, finalmente, na Europado século XIV.
As Cruzadas geralmente são vistas como um fenômeno meramente religioso ou mesmo dotada de uma espécie típica de simbolismo, tal como estudada por Jacques Le Goff em seu livro sobre São Luís. Tais características arcaizantes do maior movimento político e militar da Idade Média não escondem suas profundas implicações estratégicas para o futuro da Europa. O império marítimo e comercial veneziano, como consequência das expedições guerreiras fundadas em argumentos religiosos, estendeu seus tentáculos no Oriente, controlando a “rota da seda” desde o Mar Negro e Cáspio até a China e Índia. Veneza forneceu os navios para os cruzados chegarem ao Oriente Médio; Veneza os emprestou dinheiro e frequentemente seus Doges diziam quais cidades gostariam que fossem capturadas ou saqueadas; por meio dos cruzados, Veneza ganhou importantes cidades no Líbano, na Turquia e adquiriu o controle sobre Constantinopla. Esse controle estratégico, aliado às conexões entre Veneza e o império mongol, deram a primazia das finanças mundiais aos italianos, os quais usaram e abusaram dos métodos mongóis para obter esse fim. Segundo o articulista que agora seguimos, os mongóis, entre assassinatos e as doenças que incidiram diretamente sobre seu território, foram responsáveis pela morte de cerca de 15% da população mundial:
(…) e destruíram todas as maiores cidades do oeste da China ao Iraque e o norte da Rússia e Hungria – incluindo todas as cidades comerciais cuja competição incomodava Veneza. A aliança estratégica entre Veneza e os Khans mongóis, até e através do colapso financeiro de 1340, tem sido tratada como uma curiosidade histórica das aventuras da família de Marco Polo. Mas isso deu a Veneza o controle final do comércio com o Oriente, e, juntamente com o comércio através do Egito, das minas de ouro do Mali e do Sudão. Isso deu a eles grandes quantias em ouro com a qual dominaram a transação de moedas no mundo nas décadas anteriores a desintegração financeira do século XIV (GALLAGHER, 2005).
Os mongóis, em sua corrida genocida pela China, saquearam praticamente todo o ouro de S’ung e de parte da Índia sob seu controle, substituindo-o por moeda em prata, e para as castas inferiores (isto é, os chineses), por papel-moeda. Os intermediários mongóis encontravam com os mercadores venezianos em suas possessões na Pérsia, e trocavam o ouro por prata. “’A demanda por prata no Extremo Oriente foi aumentando continuamente’, escreve Lane. ‘Os venezianos foram capazes de elevar o preço da prata, apesar da existência de quantidades recordes’ vindo de Veneza para a Europa” (LANE, apud GALLAGHER, 2005).
Os cruzados também consolidaram a aliança entre a Nobreza Negra, o papado, os reis da dinastia Anjou, e os normandos, contra o Sacro Império centrado na Alemanha, o qual Dante e seus aliados estavam lutando para fortalecer. Durante os fins do século XIII, a aliança mongol com Veneza estava consolidada, tendo inclusive os primeiros proposto Cruzadas aos reinos europeus e contra o papado. “O Papa João XXII concedeu Veneza a única licença para o comércio com os infiéis sultões mamelucos do Egito, em 1330. Esta prata européia super-valorizada e escravos mongóis foram trocados por ouro do Sudão e Mali” (GALLAGHER, 2005).
Entre os séculos XIII e XIV, Veneza controlava todas as trocas monetárias tanto no oriente quanto no ocidente. Conseguiu mudar 500 anos de câmbios em moedas de prata na Europa e em Bizânciopelo padrão ouro. Com essa prática especulativa chegaram até taxas de lucro de pelo menos 40%, submetendo inclusive os outros bancos controlados pela Nobreza Negra as suas manipulações financeiras. Estes, entretanto, também tinham taxas de lucro que excediam em muito as taxas reais de crescimento da Europa. Por causa da predominância desses cânceres especulativos, toda a economia real estava despencando.
Utilizaremos mais uma vez o historiador que seguimos nessa seção para ilustrar as práticas usurárias praticadas por Veneza:
“Veneza fez a Europa fazer a troca para o padrão ouro pela força da prata roubada. A Inglaterra, por exemplo, de 1300 a 1309, importou para cunhagem 90.000 libras esterlinas em prata; mas, de 1330 a 1339, só pôde importar 1.000 libras. “Mas em Veneza não havia qualquer carência de prata na década de 1330”. Os banqueiros florentinos, com seus famosos florins de ouro, gozavam de grandes lucros especulativos nesse processo.
Contudo, de 1325 a 1345, o processo se reverteu. A proporção do preço do ouro ao preço da prata, dominado pela manipulação de Veneza, agora caiu constantemente do nível de 15:1, chegando a volta de 9:1. Quando o preço da prata começou a subir na década de 1330, havia uma oferta invulgar de prata em Veneza! E através da década de 1340, “o câmbio internacional da prata e do ouro se intensificou novamente”, mostra Lane, e houve outra onda de aumentos agudos do preço das matérias-primas. Agora os banqueiros florentinos foram pegos fazendo empréstimos e investimentos por toda a Europa em ouro, cujo preço então estava caindo.” (GALLAGHER, 2005).
E assim continuaram especulando, ora com uma moeda, ora com outra, até o colapso completo da economia europeia. Daí as causas não naturais da Peste Negra, que encontrou um continente em frangalhos. Chegando do oriente, por onde acompanhava a destruição promovida pelo império Mongol, encontrou terreno propício para destruir aproximadamente 1/3 da população da Europa. Esse, o papel de Veneza, da assim chamada Nobreza Negra tão bem descrita por Maquiavel e combatida por Dante, que se move para o norte, e depois é expulsa pelas conquistas do Renascimento Dourado. Mas, logo mais acima, ela irá fundar novamente seu império financeiro.

O parlamentarismo anglo-veneziano: Roma rediviva

Quentin Skinner descreve assim a Serenissima Repubblica:
Dos vários centros nos quais as idéias republicanas continuaram a ser debatidas e celebradas no final da Renascença, foi Veneza o que exibiu o mais duradouro apego aos tradicionais valores de independência e autogoverno. Enquanto o resto da Itália sucumbia à regra dos signori, o venezianos jamais renunciaram a suas antigas liberdades. Deram assim continuidade à constituição de governo que haviam estabelecido em 1297, e que se alicerçava em três principais elementos: Consiglio Grande, corpo responsável pela eleição da maior parte dos magistrados; o Senado, que controlava as relações exteriores e as finanças; e o Doge, que, com seu conselho, era o chefe eleito do governo. É certo que, quando se impôs esse sistema rigidamente oligárquico, o efeito imediato foi o de suscitar uma série de insurreições populares por parte daqueles a quem privava do voto. Mas esses levantes foram rapidamente contidos, e depois da instituição do Conselho dos Dez como um órgão secreto e permanente de segurança pública – em 1335 – não ocorreram mais perturbações da ordem. Veneza embarcou então em um período de liberdade e segurança que não conheceu novas interrupções, despertando a inveja de toda a Itália e desfrutando de reputação tão excepcional que se tornou conhecida como República Sereníssima. (SKINNER 1996, p. 160).
Causava espanto já aos contemporâneos a longevidade do Estado veneziano, o qual nunca teve de enfrentar, até 1797, grandes ameaças externas ou internas. Pier Paolo Vergerio, segundo o historiador inglês, parece ter sido o primeiro a tentar uma resposta qualificada a esse enigma, resposta esta que depois teria se tornado clássica. Associava a república de Veneza ao conceito platônico, expresso nas Leis, segundo o qual “a melhor e mais segura forma de governo deve consistir numa combinação das três formas ‘puras’ – resultando assim num amálgama de monarquia, aristocracia e democracia” (SKINNER, 1996, p. 161). Assim, o Doge representaria o elemento monárquico, o Senado o aristocrático, e o Grande Conselho o democrático. Com certeza, Vergerio foi um dos primeiros apologistas do Império, em nítida oposição a Maquiavel e Dante. O primeiro descreveu como ninguém a “nobreza negra” em sua História de Florença; o segundo escreveu esses versos em sua Divina Comédia, pouco antes de morrer em circunstâncias suspeitas ao voltar de Veneza:
Como, em seu Arsenal, os venezianos
fervem, no inverno, o pegajoso pez,
Pra de seus lenhos consertar os danos,
Pois, não podendo navegar [pois não podem navegar] (…)
(ALIGHIERE, 1998, p.145)
Dante faz analogia do “pegajoso pez” com que os venezianos consertam seus navios, o “pez fervente” do inferno. A alma dos condenados é vigiada por Malebranche (um diabo cujo nome pode ser traduzido como “garras más”), assim como os enxertadores venezianos por seu chefe oligarca. Isso mostra a validade do suposto “ecumenismo” político veneziano, enraizado no mais profundo sistema oligárquico de poder. Como no parlamentarismo inglês, existe voto. Mas, qual a validade desses votos? Talvez possamos entender o sistema popular conjugado na república veneziana com mais esses versos de Dante, logo na frente dos acima citados: “todos naquela terra assim bendita / são trapaceiros, exceto Bonturo: / lá o não é sim quando o dinheiro dita” (ALIGHIERI 1998, p. 146).
De fato, assim conta Webster Tarpley:
A realidade se localizava no fato de haver uma elite de dez a quinze famílias fora das cento e cinqüenta governadas com mãos de ferro. Vários diaristas venezianos não se intimidaram ao descrever a corrupção e a compra de votos, especialmente a propina à empobrecida nobreza decadente, chamada Barnabotti, a qual constantemente crescia em número no Gran Consiglio. O regime a tudo controlava, e cargos de todos os tipos eram rotineiramente vendidos. (TARPLEY, 1981).
Como essa elite de 10 a 15 famílias comandava Veneza? Todos os elementos masculinos tinham assento permanente no Gran Consiglio, que cresceu ao número de 2000 integrantes por volta do ano de 1500, e depois foi decrescendo ao longo dos anos. Ali se elegiam os 120 membros do Pregadi, o senado veneziano. No meio do século XV, Veneza era o único Estado que enviava delegações permanentes para todas as principais cortes e capitais. O senado também escolhia cinco ministros de guerra, os ministros da marinha (também chamada de Savi), e os seis ministros que compunham a pasta denominada Savi Grandi, de ainda maior categoria. O Gran Consiglio também elegia o Conselho dos 40, responsável pelas questões orçamentais e financeiras. Nomeava três promotores de Estado que podiam processar ou não qualquer elemento do corpo político por prevaricação, apesar de o Doge ter o privilégio de só ser processado após sua morte, ficando sua família a cargo de quaisquer multas aplicadas. O Grande Conselho também era responsável pela eleição do Doge, se baseando numa forma arcaica de proceder à escolha para manter sua aparência “democrática”:
Primeiro, trinta membros do Gran Consiglio eram escolhidos aleatoriamente, usando balões coloridos cujo nome veneziano é a origem da palavra norte-americana ballot[cédula, votação secreta – RM]. Esses trinta faziam sorteios para cortarem seu número para nove, que então nomeavam e elegiam um novo grupo de quarenta eleitores. Estes então eram reduzidos através de sorteio para um grupo de doze. Esse procedimento era repetido inúmeras vezes, terminando com um grupo de quarenta e um eleitores, dos quais vinte e cinco poderiam nomear o doge para a aprovação do Gran Consiglio. Alguns procedimentos menos complicados eram usados para selecionar um grupo de seis conselheiros para o doge. (TARPLEY 1981).
Conselho dos Dez, indicado por Quentin Skinner como o responsável pelo sufoco das manifestações populares, talvez seja o que se encaixe melhor na alegoria dantesca do diabo Malebranche. Era o corpo administrativo responsável pelos serviços de inteligência venezianos. Encontrava-se em segredo com o Doge e mais seis conselheiros, tendo o poder de emitir uma nota de confiscação de bens contra qualquer pessoa dentro ou fora da jurisdição de Veneza. Ali, geralmente essa pessoa era estrangulada na mesma noite e jogada nas águas do Canale degli Orfani. O Conselho dos Dez tinha a sua disposição uma imensa rede de inteligência internacional, mas dentro do território veneziano é que seu poder se tornava pervasivo: “O conteúdo de qualquer discussão entre os oligarcas ou cidadãos foi rotineiramente conhecido dos Dez dentro de vinte e quatro horas ou menos, graças à onipresença de seus informantes e espiões” (TARPLEY, 1981). Hoje em dia, os visitantes do Palácio dos Doges podem ver caixas de correio modeladas como bocas de leão e marcadas como Per Denontie Segrete (Para Denúncias Secretas), usada por aqueles que queriam chamar a atenção dos “Dez” sobre quem, dentro daquela sociedade monstruosamente burocrática, tentavam o roubo ou qualquer outro tipo de violação das leis. As sentenças de morte não tinham direito a apelação, tampouco obtinham publicidade. Os condenados simplesmente desapareciam de vista.
O regime veneziano é um exemplo perverso da teoria do “toma lá dá cá” da arte de governar, e havia de fato uma infinidade de tais mecanismos de retroalimentação. O Savi Grandi balanceava os poderes do doge, que também eram supervisionados por seis conselheiros, enquanto mais e mais poderes eram passados aos inquisidores estatais e aos chefes do Dez. Os advogados do Estado atuavam como cães de guarda na maioria das questões, assim como o Senado, e nos tempos de crise o Gran Consiglio poderia também afirmar seus poderes. Os Dez estavam sempre espreitando ao fundo.
Quase todos os cargos eram elegíveis para mandatos de seis meses a um ano, com graves restrições contra a reeleição de um candidato antes que passasse um número de meses igual ao que o oligarca ocupara no posto. Isso significa que oligarcas de destaque eram realocados e desviados de um posto a outro no Cursus Honorum: do Savio Grandi a conselheiro ducal, a inquisidor estatal, e assim por diante. Não havia continuidade da população de Veneza; a continuidade estava localizada somente na oligarquia. De fato, a população da cidade parecia incapaz de se reproduzir. Veneza sofria de astronômicas taxas de mortalidade advindas da malária e das pragas – seus canais, é preciso lembrar, eram em primeiro lugar e acima de tudo, o seu sistema de esgoto. Os nativos eram dizimados continuamente e repostos pelas ondas de imigração, tanto assim que o francês Philippe de Comynes, um adversário de Maquiavel, pôde relatar que a população era de estrangeiros em sua maioria.
A ordem interna foi confiada a um complexo sistema de controle local, em que cada uma das sessenta paróquias da cidade eram articuladas com um aparelho elaborado de guildas corporativas chamadas Scuole. Esta foi complementada por um desfile interminável de festivais, espetáculos, e carnavais. Muitas poucas tropas geralmente estacionavam na cidade. (TARPLEY 1981)
Acredito que nada mais possa ser dito a respeito da estrutura do poder veneziano, o mesmo que se transplantou entre os séculos XVI e XVII para o norte, primeiro Holanda, depois Inglaterra, sendo este último caso relatado amplamente no primeiro Fausto, de Christopher Marlowe (vítima dos venezianos semanas após a publicação de sua peça), assim como no Otelo, de Shakespeare – fora as fontes documentais utilizadas pelos pesquisadores que até agora consultamos. O caso das agências de espionagem modernas pode muito bem ser esclarecida com seu protótipo veneziano. Só que, lógico, isso é só uma das pontas da história. Todo o parlamentarismo inglês, principalmente durante o reinado do príncipe de OrangeGuilherme II, é baseado no sistema originário de Veneza. Com os séculos, com a hegemonia britânica no mundo, com os movimentos populares de trabalhadores, com o Estado de bem-estar social – tudo mudou de alguma forma. Não é mais um Império literalmente igual ao de Veneza. Torna-se um Império Invisível, porém alicerçado nas famílias nobres europeias, na mesma Nobreza Negra, e suas conexões com o sistema financeiro internacional e com os chefes de Estados mundo afora.
Essa oligarquia, emigrada de Roma com as invasões bárbaras, move-se para o norte após causar as devastações provocadas pela especulação financeira e posteriormente, como consequência desta, pela Peste Negra. Jacques Necker, ministro das finanças da França junto ao “rei jacobino” Philippe Egalité, pretendiam trazer o parlamentarismo britânico para o continente, com o reinado do segundo. Necker assim escreveu em carta de 23 de junho de 1789 para o rei Luís XVI:
“Senhor, o que você deve fazer agora é aceitar os desejos razoáveis de França, e resignar-se a adotar a constituição britânica. Você não vai pessoalmente sofrer quaisquer restrições ao adotar essa regra de leis, já que eles nunca devem impor a você tantas barreiras quanto os seus próprios escrúpulos podem fazer, e, se antecipando aos desejos de sua nação, você vai admitir hoje o que ela pode exigir amanhã.” (BEAUDRY 2001).
Quando se fala em contraposições do tipo mercantilismo/capitalismoabsolutismo/liberalismo, não se compreende o caráter específico do que se chama capitalismo (o sistema oligárquico, em sua expressão apropriada), tampouco quais as bases morais do liberalismo capitaneado pela Grã-Bretanha. Liberalismo, por seu turno, liderado pela ficção criada por Adam Smith, sua mitologia do deus mercado ou, como na Teoria dos Sentimentos Morais, a predominância, sempre, da vontade individual, ou seja, do egoísmo – em nítida contraposição tanto ao ideal clássico de res publica, quanto ao cristão de ágape, do amor em benefício do outro. O capitalismo de Marx, ainda que valha todo seu trabalho de contabilidade monetária nas páginas do Capital, ainda é por demais impreciso e até falsificador. Talvez o que conte nesse fracasso em compreender as causas principais do sistema oligárquico, tal como traçado por Rosa Luxemburgo em Da Acumulação de Capital, foram seus vínculos com pessoas como John Stuart Mill, economista da Companhia inglesa, e afilhado do pai criador do protótipo dos campos de concentração nazistas, o Panóptico, de Jeremy Bentham; sua admiração, em suma, por figuras como Lorde Palmerston, para o qual escreveu uma biografia .
Claro, podemos estender a história da “Casa de Windsor” para bem além dos séculos XVII e XVIII. As conexões da família real britânica com o nazismo na figura do príncipe Felipe, duque de Edimburgo, membro da elite da SS nazista e criador do instituto ambientalista WWF; conexões mais amplas das famílias reais europeias com o Vaticano, principalmente em relação ao depósito de somas consideráveis dessas famílias nos cofres papais durante a II Guerra; ainda, as conexões do Vaticano e a criação do grupo financeiro Inter-Alpha, e muitos outros exemplos. Mas aí, estaríamos lidando já com uma outra ordem de valores, ou seja, com a história principalmente depois de 1840, com a hegemonia do Império Britânico do mundo depois das Guerras do Ópio. Teríamos que lidar com o caso das duas guerras mundiais, do nazismo, da criação do movimento ambientalista, do papel dos EUA principalmente depois de sua hegemonia no pós-guerra, da Guerra Fria, do Consenso de Washington, enfim. Toda uma outra história que não cabe nessas páginas, uma história baseada num império fundamentalmente financeiro, com o HSBC na China, mas com toda uma série de bancos e especuladores, dirigentes do CommonWealth, o Império Invisível, realidade após a perda das possessões britânicas no Oriente.
BIBLIOGRAFIA
ALIGHIERI, Dante. A Divina Comédia: Inferno. São Paulo, Editora 34, 1998.
BEAUDRY, Pierre, Jean Sylvain Bailly: The French Revolution’s Benjamin Franklin. Executive Intelligence Review, 26 de Janeiro de 2001.
GALLAGHER, Paul B. How Venice Rigged The First, and Worst, Global Financial Collapse. Fidelio Magazine, Winter (2005).
LANE, Frederick C. Money and Banking in Medieval and Renaissance Venice. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1985.
INGRAHAM, Robert D. The Modern Anglo-Dutch Empire: It’s origin, evolution, and anti-human outlook. Publicado em 2008 e disponível em: http://www.oaklandasp.comcastbiz.net/
KIRSCH, Michael. The Sarpi Model: The True History of Today’s Scientific and Economic Empiricism. Publicado em 11 de março de 2011 e disponível em: http://www.larouchepac.com
SKINNER, Quentin. As fundações do pensamento político moderno. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
TARPLEY, Webster. The Venetian Conspiracy. The Campaigner, setembro de 1981.
VALENTE, Philip. A case study of British sabotage: Leibniz, Papin, and the Steal Engine. Fusion Maganize, dezembro de 1979.