O Senado do Paraguai destituiu nesta sexta-feira 22 o presidente Fernando Lugo por maioria absoluta (39 votos a favor, 4 contra e duas ausências), abrindo espaço para o vice-presidente Frederico Franco, do PLRA (Partido Liberal Radical Autêntico), assumir o posto cerca de um ano após romper a coligação com Lugo. Mas o novo mandatário chega ao poder em meio a uma névoa de golpe de Estado – com possíveis reflexos para o país no Mercosul -, além de protestos pró-Lugo que já tomam conta das ruas da capital Assunção.
O processo de impeachment foi visto por muitos países latinos como um golpe de Estado e pela União das Nações Sul-Americanas (Unasul) como uma “violação da ordem democrática”, inclusive por restarem apenas nove meses para o fim do mandado de Lugo, sem a possibilidade de reeleição. Uma opinião compartilhada por José Aparecido Rolon, doutor em Ciência Política e professor de Relações Internacionais da Universidade Anhembi Morumbi. Para ele, o fato de parlamentares paraguaios terem tentado criar uma atmosfera de legalidade não esconde a natureza de deposição. “A forma como o processo foi conduzido, em um dia se abre a ação e no outro já volta, é o que podemos considerar um golpe disfarçado. Foi um rito quase sumário”, diz a CartaCapital.
Os conflitos nas ruas podem não ser os únicos problemas a serem enfrentados pelo Paraguai após a destituição de Lugo. Segundo o professor, o país pode ser excluído do Mercosul, bloco comercial da América do Sul que traz vantagens na relações financeiras entre os Estados membros, pela violação de uma cláusula sobre da ordem democrática e estabilidade política do bloco. “Agora tudo passa a ser uma especulação, porque como foi algo tão inusitado e inesperado, mas pode haver consequências na participação do Paraguai no Mercosul, que poderiam resultar em sua saída do bloco.” Mas o analista evitou falar em possíveis sanções.
Em meio à crise, os chanceleres da Unasul deixaram em caráter de emergência a cúpula do desenvolvimento sustentável Rio+20 e embarcaram para o Paraguai. Em Assunção, os membros do bloco puderam acompanhar o processe no Senado nesta sexta-feira. Mas, se reuniram com Lugo, com o vice-presidente Frederico Franco e outros dirigentes políticos e autoridades legislativas para avaliar a situação no país. O grupo, no entanto relatou não ter obtido “respostas favoráveis às garantias processuais e democráticas” do processo contra Lugo. Por isso, informou em comunicado que “as ações em curso poderiam ser compreendidas como uma ameaça de ruptura da ordem democrática, ao não respeitar o devido processo”. Os governos da Unasul avaliarão em que medida será possível continuar a cooperação na integração do continente, além de manter apoio a Lugo. “A postural da Unasul deve ser a de não reconhecer o governo de Franco, porque se configurou um golpe”. Caminho já adotado por Venezuela, Bolívia e Nicarágua.
Na despedida, Lugo faz discurso resignado e pacífico
Em discurso logo após a decisão, Lugo pareceu derrotado e sem capacidade de reagir. “Me submeto à decisão do Congresso e estou disposto a responder sempre por meus atos como presidente”, disse. “Me despeço como presidente, mas não como cidadão”, afirmou. Lugo também pediu que a parte da população favorável a ele não faça protestos violentos. “Faço um profundo chamado para que as manifestações sejam pelas vias pacíficas”, disse. “Que não se derrube mais sangue por motivos mesquinhos em nosso país”.
Mesmo com o pedido, confrontos violentos já são registrados em Assunção. Durante o julgamento, a Praça de Armas, em frente ao Congresso, reunia milhares de pessoas em apoio a Lugo. Segundo o Ultima Hora, nos momentos antes de a divulgação dos resultados, mais de 5 mil pessoas estavam no local em vigília, em um número que ia aumentando conforme terminava o horário de trabalho. Naquele momento, havia incidentes entre a polícia e manifestantes em frente ao prédio da Vice-presidência. Um pouco após a destituição, a indignação tomava conta das ruas próximas ao Congresso, com pessoas atirando pedras contra a polícia e caminhões-pipa jogando água nos manifestantes. Neste clima, Rolon teme que o impeachment possa levar a mais conflitos entre os apoiadores do governo e as autoridades. “Lugo tem um apoio popular e foi eleito democraticamente por uma coligação com inúmeros grupos ligados aos movimentos sociais e progressistas. Por isso, pode ser que haja uma reação violenta”, diz.
Lugo ainda tentou pela manhã uma ação de inconstitucionalidade para a Suprema Corte do Paraguai contra o processo de impeachment. A defesa se baseou, entre outras coisas, no pouco tempo que o presidente teve para preparar sua defesa – cerca de 16 horas, quando a legislação prevê 18 dias. Segundo Rolon, o quadro traz poucas chances de uma reversão, até mesmo pelo fator surpresa da decisão do Parlamento.
Lugo não quis renunciar e enfrentou o julgamento sob protesto, acompanhando o caso pela televisão na sede do governo. Pouco antes de ser destituído, disse à Rádio 10 argentina que acataria o julgamento político votado no Congresso, mas resistiria “a partir de outras instâncias organizacionais”. “É preciso acatá-lo (o julgamento político), é um mecanismo constitucional, mas a partir de outras instâncias organizacionais certamente decidiremos impor uma resistência para que o âmbito democrático e participativo do Paraguai vá se consolidando”.
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