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quinta-feira, 24 de outubro de 2013
A lei fundamental da economia… para não economistas (2ª parte) 24/10/2013
por Daniel Vaz de Carvalho
Reconhece-se que o sistema de crédito é causa da crise, como se o próprio sistema de crédito não emergisse da dificuldade em empregar capital "produtivamente", isto é, lucrativamente.
Marx, Teorias da Mais-Valia (T M-V, p. 1176) [1]
A estupidez bovina da economia vulgar mistura certas espécies de lucro, (como as baseadas na especulação) . Esses asnos misturam itens das contas e as razões de compensação dos capitalistas nas diferentes esferas, com razões para explorarem os trabalhadores.
Marx, (T M-V, p. 1536)
4- O ESTADO GERIDO COMO UMA BOA "DONA DE CASA" O FARIA
Marx teria dito que quando se falava em liberdade, se devia perguntar: "para quem". Na 1ª parte mencionámos uma "lei": ou melhor, uma questão que não pode deixar de ser colocada nos temas económicos e sociais: "quem paga" – o quê, como, para quê e para quem.
A direita, porém, adota, para justificar a sua ação, uma "lei" fundamental, decalcada do fascismo salazarista: "o Estado deve ser gerido como uma boa dona de casa o faria".
Trata-se no entanto de um enorme embuste. Ilude a questão da soberania, sem a qual nem sequer existe Estado, digno desse nome. Ilude o papel da economia politica, confunde micro e macroeconomia, omite a capacidade de planeamento do Estado que o neoliberalismo alienou para a finança e os monopólios, transmutados em "os mercados".. A partir daqui a direita entra no discurso feito de banalidades, tão simples e evidentes como…o Sol mover-se à volta da Terra.
Afirma-se que "viver em democracia implica pagar as dívidas e não viver acima das suas possibilidades". A austeridade é então a forma de se "viver de acordo com as nossas possibilidades" ou que "só podemos ter os serviços sociais que os nossos impostos podem pagar". Omite-se a questão de quem paga e de quem foge aos impostos, da livre transferência de rendimentos para paraísos fiscais, no essencial sem pagar impostos, e que estes vão prioritariamente compensar má gestão, fraudes bancárias, contratos leoninos das PPP ou dos SWAP e o escândalo dos juros usurários promovido pelo BCE.
Para manter a especulação, difunde-se na população a ideia que os direitos laborais, salários e prestações sociais devem ser reduzidos, pois assim determinam "os mercados". Para além da ladainha de "preocupações sociais", desmentidas pela prática, a tese da direita é que o aumento da produção será o resultado de trabalho sem direitos, despedimentos arbitrários e empobrecimento para pagar a dívida.
Neste processo, a chantagem sobre os trabalhadores vai ao ponto de se considerar que é melhor ter emprego sem direitos e com salários abaixo do nível de pobreza, que não ter emprego nenhum: ou se submetem ás exigências do "mercado" ou não há "incentivos", a empresa fecha, deslocaliza-se, o capital procura outros ativos, O governo lava as mãos…não interfere no "mercado".
A diferença para a tal "boa dona de casa" é que o Estado pode determinar como a riqueza é criada, tributada e distribuída. O Estado decide quem paga, e está a fazê-lo, simplesmente, não a favor do povo, mas da oligarquia.
A ilusão social-democrata / socialista de "criar riqueza para a repartir" não ultrapassa a ideia que o salário é "o capital a presentear o trabalhador com parte do seu ganho." ( T M-V, p. 1176 )
Os impostos deixaram de ser vistos como forma de redistribuição de riqueza passaram a constituir formas de concentração de riqueza. "Mas a forma de distribuição é apenas a forma de produção sobre outro aspeto" ( T M-V, p. 1138 ) – o que por maioria de razão se aplica também à distribuição do rendimento.
5- VALOR
A crise não tem nada a ver com défice do Estado e muito menos com o designado Estado Social, é uma crise do sistema, uma crise com origem da repartição do rendimento, na forma como este é tributado (crise fiscal) e com conceitos anómalos de valor.
Toda a teoria económica tem de partir de uma definição de valor, ou seja, em que consiste a criação de riqueza, o valor económico. A política de direita baseia-se em que o capital é o criador de valor. O trabalhador - a força de trabalho, muscular e psíquica – transforma-se assim num acessório, algo secundário que terá de conformar-se com os interesses do capital.
Porém, como Marx também salientou, o capital só tem valor se representar trabalho acumulado e apenas esse valor é acrescentado ao produto em que entra.
Diz ainda Marx: "Malthus transmuta a perceção de Ricardo – o trabalho é o criador de valor, na proposição oposta: o capital é o criador de valor. O trabalho fica na dependência absoluta da quantidade de capital disponível, sua condição de existência". ( T M-V, p. 1315)
Nesta lógica, o que o Estado deve fazer é colocar o máximo de dinheiro nas mãos dos capitalistas e não interferir, pois o crescimento dependeria exclusivamente de mais dinheiro nas mãos das entidades privadas e de menores "custos laborais", (teses aliás opostas às do keynesianismo). Porém, o neoliberalismo não faz distinção entre o investimento produtivo e a especulação financeira.
Estas conceções explicam quase tudo da política de direita, da saúde e do ensino à justiça, do sistema fiscal ao código laboral e às despesas do Estado. Trata-se de "transformar o criador de valor em mercadoria." "Os sindicatos foram justamente criados para obstar a que o trabalhador fosse uma mercadoria, sujeita à concorrência, oferecendo-se para trabalhar por menor retribuição" ( T M-V, p. 1151) )
Ao considerar o capital o criador de valor, abriu-se a porta a toda a "mixórdia" de produtos financeiros tóxicos, considerados riqueza disponível, causadores da crise financeira. Não passam no entanto de capital fictício visto não terem origem no trabalho. A austeridade, sendo a tentativa de transformar capital fictício em valor, é exemplo das contradições insanáveis do capitalismo: reduzindo salários, reduzindo prestações sociais (salário indireto) o mercado contrai-se para a produção capitalista, a estagnação ou a recessão económica são o resultado.
Em 2010, o "inefável" Trichet prescrevia que era incorreto considerar que a austeridade provocava recessão. Não admira que com gente desta a UE esteja na situação em que está, por mais hipotéticas "recuperações" que a propaganda da direita queira vislumbrar.
A doutrina capitalista, para se libertar do conceito do valor-trabalho, "concebe o valor como relação entre coisas", (a utilidade, a oferta e a procura, etc.) quando o valor, configurado nas coisas, "é (apenas) a expressão coisificada das relações humanas, de uma relação social, o relacionamento dos homens na sua atividade produtiva" ( T M-V p.1201)
6- DO ESTADO DE DIREITO AO ESTADO DOS DA DIREITA [1]
A política da direita não hesita em destruir uma das bases da democracia burguesa: o contrato social, assumido como "Estado social", a forma encontrada para a conciliação de classes, retirando a iniciativa política e o poder efetivo ao povo trabalhador, às massas populares.
Contratos válidos são apenas aqueles em que intervêm os interesses do grande capital. Direitos adquiridos, são válidos apenas os das PPP e concessões, os da agiotagem da dívida e dos SWAP, os da proteção à fraude e má gestão. Perante estes, nada valem os direitos adquiridos pelos trabalhadores, nem mesmo a Constituição, como insidiosa e persistentemente os comentadores de serviço procuram justificar.
O capitalismo atual tornou-se assim um sistema meramente parasitário e sem soluções de progresso económico e social, dominado pela especulação e pela obtenção de rendas monopolistas e financeiras. Em resultado desta expropriação os povos são sacrificados na busca de uma impossível saída de uma crise que o sistema originou.
As inúteis reuniões dos principais países capitalistas ou as cimeiras da UE sucedem-se, limitando-se a repetir intenções e apresentar falsas soluções que agravam os problemas ou no mínimo adiam, servindo apenas para alimentar a propaganda.
A teoria económica neoliberal está tão errada que a realidade aparece sempre como "surpresa" ou "anomalia". Esta ideologia que nega a ideologia (como no fascismo) entregou-se ao conformismo tecnocrático que rejeita conteúdos sociais, num mundo de crescentes desigualdades em que o poder pertence a uma pseudo elite predadora dos recursos criados e aos restantes compete obedecer e periodicamente confirmar o seu poder.
A desinformação social e seus "comentadores" escondem que os serviços públicos subsidiados são uma forma de reduzir o custo de vida e que portanto dinamizam a economia e tornam-na mais competitiva, com um mínimo de custos sociais. Gastos públicos (que são investimento e consumo, se bem orientados), são apresentados como pesos mortos na economia. Não importa que a evidência e as experiências passadas mostrem justamente o contrário.
Os trabalhadores, em particular os mais jovens, foram iludidos a partir dos anos 80 com empréstimos fáceis que substituíram os baixos salários obtidos, os direitos dos trabalhadores eram "coisa obsoleta" defendida pelas "cúpulas" dos sindicatos, a precariedade era…mais liberdade (para quem?).
Sob os dogmas de uma "ciência económica" concebida para defender expressamente, o interesse privado, chamam "eficiência" ao desvio do planeamento e dos recursos do Estado para a finança e os monopólios, à privatização de empresas e serviços públicos, (como no ensino, saúde, etc.), para o capital privado, alargando o âmbito do capitalismo rentista para a esfera social.
Acerca da especulação afirmou Marx: "É difícil entender como pode originar-se um lucro, por venderem os participantes da troca uns contra os outros suas mercadorias a preços excessivos resultantes do acréscimo da mesma taxa, logrando-se reciprocamente (…) (isto é, uma classe capitalista) que comprasse sem vender." (T M-V p.1104) O plano da finança é então extrair rendas, juros e outros encargos financeiros, até ao ponto de absorverem o máximo do rendimento disponível.
Em "O Capital" Marx mostrou que na origem das crises capitalistas estava a pobreza e o reduzido consumo das massas trabalhadoras. Portugal, como os demais povos, têm de pôr fim à finança parasitária promovendo um modo de desenvolvimento guiado pela satisfação das necessidades sociais e preservação ambiental. Uma economia em que os custos sociais tenham prioridade sobre os riscos especulativos e perdas financeiras que os trabalhadores são chamadas a compensar. É necessário, pois, "expropriar os expropriadores", como também referiu Marx.
A solução para as crises provocadas pelo sistema capitalista está na visão marxista de um socialismo voltado para crescentes padrões de vida e de organização económica racional, pondo fim ao retrocesso civilizacional de um poder neofeudal rentista. [2]
Notas
1- T M-V – Teorias da Mais-Valia, Livro 4, Vol. III, de "O Capital", Difel, S.Paulo, 1985, tradução a partir da MEW 26.2, Dietz Verlag, Berlim, 1974.
2- A expressão é de Erich Honecker, em 1993 perante o tribunal alemão que o julgava. Já doente, com cancro, em Moscovo, o traidor Ieltsin revelou mais um traço da baixeza do seu caracter ao extradita-lo para a Alemanha. Pretendia-se apresenta-lo, debilitado e vergado ao infortúnio, perante o capitalismo triunfante. Tal não aconteceu. Honecker, fiel aos ideais pelos quais lutou desde a juventude, assumiu todas as responsabilidades pela defesa da RDA como Estado soberano, demonstrou a superioridade do socialismo e denunciou o julgamento como mais um episódio nos "quase 190 anos de perseguições da burguesia alemã aos comunistas", a todos os lutadores pela paz e pelo socialismo; transformou os acusadores em réus. Os objetivos da direita e da social-democracia falhavam, optaram por silencia-lo e o julgamento terminou com a alegação do seu estado de saúde, como se tal não fosse evidente desde o início. Faleceu 1994 no Chile (pátria do seu genro) na companhia deste, da mulher e da filha.
3- The bubble and beyond, Michael Hudson, Ed. ISLET, p. 203
A primeira parte encontra-se em
http://geopoliticablog.blogspot.com.br/2013/10/a-lei-fundamental-da-economia-para-nao.html
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
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