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quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Crise: algumas perguntas e respostas 29/09/2016
por Jorge Figueiredo
Pode haver um capitalismo sem crises?
Não, as crises periódicas, ou crises de conjuntura, são inerentes ao modo de produção capitalista. Trata-se de um assunto já bem estudado pelos mais diversos autores, inclusive Marx.
A presente crise económica é conjuntural?
Não, a presente crise é estrutural. Ela tem um carácter sistémico.
Já houve outras crises estruturais na história do capitalismo?
Sim, no passado verificaram-se crises de natureza estrutural, como as de 1880-1890, 1913 e 1929-1939.
O que desencadeia uma crise capitalista de natureza estrutural?
Em síntese, a crise é desencadeada por uma acumulação excessiva de Capital Fictício, a qual tem origem na queda da taxa de lucro obtida nas actividades produtivas da economia real. A queda da taxa de lucro é provocada basicamente pelo aumento da composição orgânica do capital (rácio capital constante/capital variável).
O que é Capital Fictício?
Trata-se do capital investido em títulos de crédito, tanto os clássicos (acções, obrigações, debentures, etc) como os modernos inventados recentemente (derivativos de toda espécie, como as CDOs, CDSs, MBSs, etc). O montante do capital fictício ultrapassa em muito o do capital real. Ver Capital Fictício
Uma crise estrutural pode ser resolvida rapidamente?
Não, a saída de uma crise estrutural exige que o capital fictício acumulado seja destruído. A referida destruição não pode ocorrer rapidamente. Enquanto não for realizada haverá um período de estagnação, ou depressão, que pode perdurar por muitos anos.
A estagnação é uma anomalia no modo de produção capitalista?
Como demonstrou Paul Sweezy, na sua fase monopolista a estagnação é uma característica inerente ao capitalismo. Assim, o que precisa ser explicado é a razão porque há crescimento e não porque há estagnação. Ver Capitalismo monopolista, de Paul Baran e Paul Sweezy.
Como se manifesta o Capital Fictício?
Manifesta-se na acumulação de dívidas por toda a sociedade (bancos, empresas, famílias e governos). A maior parte destas dívidas é impagável.
A destruição de capital fictício já verificada desde 2008 não foi suficiente?
Ainda não. Após a falência do Lehman Brothers os demais bancos sistémicos foram salvos pelos Estados respectivos através de medidas como as facilidades quantitativas, bail-outs e bail-in (no caso de Chipre). Actualmente há outros bancos "sistémicos" na fila de espera (Deutsche Bank, Commerzbank, Monte Paschi, etc).
Como foi a saída de crises estruturais anteriores do capitalismo?
A crise iniciada em 1929 só acabou com o início da II Guerra Mundial. Nesse caso verificou-se não só destruição de capital fictício como também de uma quantidade enorme de activos fixos, o que proporcionou um novo ciclo de acumulação. A crise do fim do século XIX acabou sem guerra, após a destruição (que levou dez anos) do capital fictício que fora acumulado.
Quais os desenlaces possíveis de uma crise estrutural?
Assumindo que não haja guerra nuclear, as principais saídas de uma crise estrutural ao longo do tempo podem ser em V, em L, em W, em raiz quadrada, em raiz ondulante, conforme os gráficos respectivos. Para mais pormenores ver Crises, os desenlaces possíveis.
Pode um país sair individualmente de uma crise estrutural?
Sim, se tiver forças, lucidez, um governo digno e unidade popular. Para isso será preciso romper com o capital monopolista e financeiro. Isso implica o repúdio da sua dívida externa (pelo menos da parte odiosa), a recuperação da sua soberania monetária, o abandono de organizações imperialistas (UE, FMI, OMC, ...), a emissão de moeda pelo próprio governo (de modo a que este não tenha de ser endividar permanentemente junto a banqueiros privados) e a construção de uma economia que sirva o povo e não o capital financeiro.
Algum país já repudiou a sua dívida externa?
Sim, há muitos exemplos históricos. Eis alguns:
Em 1776 os Estados Unidos repudiaram a sua dívida para com a Inglaterra.
O México repudiou alguns pagamentos de dívida em 1867, 1914 e 1946.
Em 1870, após a guerra civil, o governo federal dos EUA repudiou dívidas a bancos sulistas.
Em 1898 Cuba repudiou dívidas a bancos espanhóis, consideradas odiosas.
Em 1912 a Turquia ganhou num Tribunal Arbitral o processo referente ao seu repúdio à dívida para com a Rússia czarista.
Em 1918 a Rússia repudiou a dívida czarista, particularmente aquela acumulada com a I Guerra Mundial.
Em 1919 um novo governo da Costa Rica considerou ilegítima a dívida de governos anteriores e consequentemente pediu a sua anulação, o que foi devidamente assegurado num tribunal dos EUA.
Em 1919 o Tratado de Versalhes isentou a Polónia da dívida acumulada para com a Alemanha durante a I Guerra Mundial.
Em 1931 o Brasil anulou grande parte da sua dívida externa após uma auditoria conduzida pelo ministro Osvaldo Aranha.
Na década de 1930 treze outros países latino-americanos repudiaram dívidas que consideraram ilegítimas.
Em 1953 o Acordo de Londres cancelou 51% da dívida da Alemanha acumulada durante a II Guerra Mundial. Foi acordado ali que o serviço da dívida que ultrapassasse 3,5% das receitas de exportação não teria de ser pago. Este cancelamento foi a chave para o crescimento da economia alemã.
Em 1959, a seguir à Revolução, Cuba repudiou a dívida da ditadura de Batista.
O governo pós-apartheid da África do Sul cancelou dívidas da Namíbia e de Moçambique para com o antigo regime racista.
Em 2002, em meio à recessão provocada pelos empréstimos e políticas do FMI, o governo da Argentina anunciou a maior suspensão de pagamentos de dívida da história, no montante de US$80 mil milhões. Durante os anos seguintes a economia argentina cresceu a taxas de 8 a 9% ao ano.
Sob a ocupação dos EUA, a dívida nacional do Iraque (US$125 mil milhões) foi renegociada tendo sida reduzida em mais de 80%.
Este artigo encontra-se em http://resistir.info/
http://resistir.info/jf/crise_faq.html
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