Marcelo Auler
 “Fizemos uma passeata das 
mulheres em 1980, quando os dirigentes sindicais estavam presos. Encheu 
de polícia. Os homens queriam dar apoio, mas dissemos não. Fizemos só 
com as mulheres“. (Marisa Letícia, em O Globo 09/08/2002)
Quem
 acompanha a vida de Marisa Letícia, ex-primeira dama, não tem como 
negar. Ela é uma guerreira. Por isso são grandes as chances dela vencer a
 “batalha” do aneurisma que rompeu na última quarta-feira (25/01), 
provocando-lhe um Acidente Vascular Cerebral (AVC) e uma forte 
hemorragia, devidamente contornada a tempo.
Era um aneurisma congênito. Diagnosticado 
há dez anos, na época não preocupou os médicos.  Mas, o que a medicina 
jamais será capaz de prever, é como reagem os seres humanos – qualquer 
um deles – a diferentes condições de pressão e temperatura ou, 
sobretudo, perseguições. Não resta dúvida, diante de tudo o que vem 
sendo feito com a família do ex-presidente Lula, e por mais que Marisa 
Letícia seja uma “guerreira” difícil de cair, ela agora não suportou.
A “galega”, maneira gentil como Lula trata a esposa, sempre foi 
forte. Assim o demonstra Frei Betto, que de El Salvador, prestigiando 
este Blog, nos traz um depoimento a partir de sua convivência com a 
família Lula da Silva Conviveram desde o final dos anos 1970, quando 
Betto trabalhava junto à Pastoral Operária do ABC paulista, junto ao 
bispo de São Bernardo, o hoje cardeal emérito dom Cláudio Hummes. Betto 
quem esteve na casa de Lula, com Marisa e seus filhos ainda pequenos, 
nos 31 dias de prisão do líder sindical, em 1980.
Em
 uma reprodução de baixa qualidade, o flagrante da guerreira na luta, em
 1 de maio de 1980, com o marido preso, cercada por Frei Betto e dom 
Claudio Hummes. Foto Ariovaldo Santos/AJB
As prisões, foram consequência da greve de 41 dias, em 1980. Ocorreram em 19 de abril, dois dias depois de iniciada a paralisação que gerou a imediata intervenção no Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo, pelo então ministro do Trabalho, Murilo Macedo. Mas, mesmo com onze sindicalistas recolhidos ao Departamento Estadual de Ordem Política e Social (DEOPS), o movimento persistiu.
Ao longo dos 31 das de prisão do marido em 1980 (sua libertação deu-se em 20 de maio), a “galega” começou a mostrar a força que muitos desconheciam. Visitava-o diariamente, colaborava com o chamado Fundo de Greve que recolhia donativos e verba para as famílias dos operários que cruzaram os braços, marcou presença ao lado de Betto e de dom Hummes, em uma caminhada no dia do Trabalho e esteve à frente da passeata das mulheres de metalúrgicos, a que se referiu a O Globo, como postamos acima. Foi naquele 8 de maio de 1980 que, na matriz de São Bernardo, sofreu um desmaio, mas logo se recuperou e continuou sua luta. Além de cuidar dos filhos e da casa.
Com isso, mesmo sendo “do lar” – segundo Betto, é ela quem cuida das finanças da casa e dela depende também a logística pessoal de Lula – jamais seria apontada como “recatada”. Na verdade, é guerreira.
 Por isso exerce influência importante na vida política do ex-presidente da República.
Pelas informações que o Blog apurou com boas fonte, embora com o 
quadro estável e ainda em coma induzida, o risco de vida foi reduzido. 
Resta ainda o de sequelas que poderão surgir em consequência do AVC, uma
 incógnita, que só será desvendada com o tempo.
Porém, este AVC, independentemente de 
qualquer outra consequência, influenciará Lula. Afinal, os dois, queiram
 seus desafetos ou não, e mesmo com todos os “arranca rabos” que 
vivenciaram como qualquer casal – principalmente com uma esposa com 
sangue italiano, bastante ciumenta – convivem há 47 anos “na alegria e na tristeza, na saúde e na doença”.
 Atualmente, também, nas vitórias, derrotas e, principalmente, nas 
muitas recentes perseguições, que certamente provocaram este AVC. 
O aneurisma, que havia superado outras intempéries, 
não resistiu à, cada vez mais evidente, tentativa de atingirem Lula 
politicamente, através dos processos judiciais. O fazem com acusações 
não apenas ao ex-presidente, mas à própria Marisa e a seus filhos. Sem 
que tenham apresentado provas concretas que deem veracidade às mesmas.Nesta sexta-feira, por exemplo, o delegado federal Igor Romário, da Força Tarefa da Lava Jato, em entrevista ao UOL, anuncia para 30 ou 60 dias evidências que poderão levar à prisão dele. Demonstra, mais uma vez, que as investigações não trabalham com fatos apurados, mas provas que ainda esperam obter para comprovarem teses e convicções desenhadas. Vale aqui registrar um trecho da nota assinada pela defesa de Lula:
“Ao renovar uma abordagem sobre hipotética privação da liberdade do ex-Presidente sob o enfoque de “timing” ou sentido de oportunidade, o Delegado Federal Igor Rodrigo de Paula deixa escancarada a natureza eminentemente política da operação no que diz respeito a Lula. Há pré-julgamento, parcialidade, vazamentos e comportamentos que violam a ética e a conduta profissional por parte de diversas autoridades envolvidas nas investigações e processos referentes ao ex-presidente. É o “lawfare”, como uso da lei e dos procedimentos jurídicos para fins de perseguição política, exposto reiteradamente pela defesa de Lula, que fica cada vez mais claro a cada pronunciamento de agentes públicos que participam da Operação Lava Jato“. (a íntegra encontra-se em www.averdadedelula.com.br.)
Independentemente, porém, das questões políticas, judiciais e da influência de Marisa sobre Lula, mas em respeito a ela, é momento de desfraldar a bandeira da torcida pela sua pronta e total recuperação, recorrendo-se às orações ao Deus de cada um, entidades e orixás, de acordo com cada crença. Ou, no mínimo, a uma corrente de pensamento positivo.Frei Betto, no texto abaixo, expõe a Marisa sobre a qual a chamada imprensa tradicional não gosta de revelar. Seja por preconceito, posições ideológicas, falta de imparcialidade ou puro desconhecimento. Com ele, o Blog pretende demonstrar que a pronta recuperação dela não beneficiará apenas Lula, seus filhos, netos e familiares. Sabemos a importância dela para Lula. Consequentemente, para o país, queiram seus adversários ou não.
Por se tratar de uma “guerreira”, como tal vencerá mais esta batalha. Embora, infelizmente, isso possa desagradar àqueles que deixaram o ódio dominar seus corações e já nem mais respeitam a vida de quem consideram inimigos ideológicos.Abaixo, o texto de Frei Betto.
MARISA LETÍCIA
Frei Betto (*)
Se há uma mulher que não pode ser considerada mero adereço do marido é Marisa Letícia Lula da Silva. Conta a fábula que, tendo sido coroado, o rei nomeou para o palácio um lenhador que, na infância, fora seu companheiro de passeios pelo bosque. Surpreso, o pobre homem escusou-se frente à tão inesperada deferência, alegando que mal sabia ler e não possuía nenhuma ciência que justificasse sua presença entre os conselheiros do reino. “Quero-o junto a mim – disse o rei – porque preciso de alguém que me diga a verdade”.Marisa não tem a vocação política de Lula, mas sua aguçada sensibilidade funciona como um radar que lhe permite captar o âmago das pessoas e discernir as variáveis de cada situação. Por isso, é capaz de dizer a Lula verdades que o ajudam a não se afastar de sua origem popular nem ceder ao mito que se cria em torno dele. A simplicidade talvez seja o predicado que ela mais admira nas pessoas.
Nascida em São Bernardo do Campo, numa família de pequenos sitiantes, ela guarda a firmeza de caráter de seus antepassados italianos. Comedida nas palavras, a ponto de preferir não dar entrevistas, não faz rodeios quando se trata de dizer o que pensa, doa a quem doer. Por isso não pode ser incluída entre as tietes do marido. Nos palanques, prefere ficar atrás e não ao lado de Lula. A admiração recíproca que os une não impede que, ao vê-lo retornar de uma maratona de reuniões, às 3 da madrugada, ela o convoque para criticar o desempenho dele numa entrevista na TV ou compartilhar decisões domésticas.
Marisa é, com certeza, a única pessoa que,
 no cara a cara, não corre o risco de se deixar enredar pela lógica 
política do marido. Defensora intransigente de seu próprio espaço, não 
chega a ser o tipo de esposa que compete com o parceiro. Sabe que seus 
papéis são diferentes e complementares. Mas ninguém é aceito na 
intimidade dos Silva sem passar pelo crivo dela, que sabe distinguir 
muito bem quem são os amigos do casal e quem são os amigos de Lula.
Tanto quanto Lula, Marisa conhece as 
dificuldades da vida. Décima filha de Antônio João Casa e Regina Rocco 
Casa, cresceu vendo o pai carregar a charrete de verduras e legumes que 
ele plantava e vendia no mercado. Se o sítio era pequeno, suficiente 
para assegurar a precária subsistência da família de onze filhos, o 
coração dos Casa era grande o bastante para acolher os necessitados. 
Dona Regineta – como era tratada sua mãe – ficou conhecida como 
benzedora em São Bernardo do Campo pois, na falta de médicos e de 
recursos, muitas pessoas a procuravam, especialmente quem padecia de 
bronquite.
A filha estudou até a 7ª série. Ainda criança, viu-se obrigada a 
conciliar a escola com o trabalho, empregando-se como babá na casa de um
 sobrinho de Portinari. Aos 13 anos de idade, tornou-se operária na 
fábrica de chocolates Dulcora. Do setor de embalagem Marisa foi 
promovida a coordenadora de seção antes de, aos 20 anos, trocar a 
Dulcora por um cargo na área de educação da prefeitura de São Bernardo 
do Campo, onde trabalhou enquanto solteira.
Em 1970, ela se casou com Marcos Cláudio 
dos Santos, motorista de caminhão. Seis meses depois, ele morreu 
assassinado, quando dirigia o táxi do pai, deixando Marisa grávida do 
filho Marcos, que Lula considera seu primogênito. Em 1973, ao recorrer 
ao Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo para obter um 
pecúlio deixado pelo marido, Marisa conheceu Lula. De fato, foi 
paquerada dentro de um verdadeiro cerco estratégico montado pelo 
presidente do sindicato, que ouvira falar de uma “lourinha muito bonita”
 que andava por ali. Lula tentou convencê-la de que também era viúvo, 
sem que a moça acreditasse, até ver o documento que ele, de propósito, 
deixara cair no chão. A primeira mulher de Lula, Maria de Lourdes, 
morrera em 1971, com o filho que trazia no ventre, em consequência de 
uma hepatite mal curada. Em maio de 1974, Lula e Marisa se casaram. Da 
união nasceram os irmãos de Marcos: Fábio, Sandro e Luís Cláudio.
Nos primeiros anos de casada, Marisa não gostava de política. O progressivo comprometimento de Lula com atividades sindicais alterava a rotina da casa. Obrigada a levantar cedo para despachar as crianças para a escola, ela esperava o marido regressar de reuniões que se prolongavam madrugada adentro. No fogão, a comida pronta para ser requentada, já que Lula prefere não comer em restaurantes.Depois de deitar os filhos, ela acompanhava as telenovelas sem entusiasmo. E, com razão, se queixava da difícil tarefa de atender a mais de cem telefonemas por dia, muitas vezes sem conseguir convencer os interlocutores de que ela não controla a agenda do marido, não sabe se ele poderá ou não participar de um evento em Porto Alegre ou no Recife e, muito menos, o que ele pensa do último pronunciamento do ministro da Fazenda.
Em abril de 1980, ela passou pela prova de
 fogo, quando Lula esteve preso no DEOPS de São Paulo, devido à greve de
 41 dias. Preocupada com a segurança dele, sempre fez questão de abrir a
 porta quando estranhos batiam, evitando expor o marido. No mesmo ano, 
fez o curso de Introdução à Política Brasileira, promovido pela Pastoral
 Operária de São Bernardo do Campo. Filiada ao Partido dos 
Trabalhadores, abriu sua casa para as reuniões do núcleo petista que se 
organizara no bairro Assunção, onde moravam. O engajamento da mulher 
levou Lula a participar mais diretamente das tarefas domésticas. Mas é 
ela quem cuida das finanças da casa.
Dela depende também a logística pessoal de Lula, cujas roupas é ela quem compra geralmente. Como ele costuma andar de bolsos vazios, sequer trazendo consigo a carteira de identidade, da bolsa de Marisa surgem o talão de cheques e a caneta com a qual Lula dá autógrafos. Durante as campanhas presidenciais, Marisa sempre levava, nas viagens, uma coleção de camisas para que, após cada comício, ele pudesse trocá-las.
Embora Marisa prefira, em política, o papel
 de assessora mais íntima do marido e não goste de fazer discursos e nem
 mesmo ser o centro das atenções, ela não dispensa a oportunidade de 
participar de conversas políticas. Seja qual for o interlocutor, Lula 
jamais pede a Marisa que se retire, exceto para buscar um café. No 
fogão, ela prefere o trivial: arroz, feijão, bife e salada de alface com
 tomate, embora o seu prato predileto seja camarões e um bom copo de 
vinho. O cardápio especial fica por conta do marido que, de italiano, só
 tem o apetite: espaguete a carbonara. Para quem chega, há sempre uma 
xícara de café. Sair sem aceitá-la é considerado quase uma ofensa. E ela
 se compraz em ler toda a correspondência que o marido recebe nos 
comícios, bem como em distribuir estrelinhas do Partido às crianças.
Devota do Sagrado Coração de Jesus, cuja folhinha jamais dispensa, essa ex-Filha de Maria tem, como Lula, a impressão de que Deus comanda os seus passos. Mas, por curiosidade, gosta de ler seu horóscopo nos jornais.
Habilidosa na arte do silk-screen, Marisa 
fez a primeira bandeira do PT, num tecido vermelho trazido da Itália. Em
 1981, montou em casa uma pequena oficina para estampar camisetas com 
símbolos do Partido, inclusive criações de Henfil. Para a campanha de 
Lula a deputado federal, em 1986, ela chegou a estampar cerca de vinte 
mil camisetas, vendidas para angariar fundos. Ciosa de sua privacidade 
familiar vira uma fera quando a imprensa tenta entrar pela porta de sua 
casa ou incluir seus filhos no noticiário. Em tais situações, só o 
cuidado das plantas é capaz de acalmá-la.
Desprovida de vaidade, Marisa se veste pelo figurino do bom gosto, 
evitando a sofisticação. Compra a roupa que lhe agrada, sem conferir a 
etiqueta. Ela sempre foi sua própria manicure e pedicure. Avessa a 
protocolos, gosta mesmo é de ficar entre amigos, cercada de muita planta
 e água, em qualquer lugar em que os filhos possam se divertir, livres 
das normas de segurança. Um bom jogo de buraco, o papo solto, o marido 
de bermudas ao seu lado e o telefone desligado – é o que basta para 
deixá-la em paz.Frei Betto é escritor, autor do romance policial “Hotel Brasil” (Rocco), entre outros livros.
http://marceloauler.com.br/marisa-leticia-a-guerreira-descrita-por-frei-betto/
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