De The New York Times
Por ROD NORDLAND
CABUL, Afeganistão - Até a morte é terceirizada aqui.
Esta é uma guerra em que os empregos militares tradicionais, de cozinheiros a guardas de base e motoristas de comboios são cada vez mais transferidos para o setor privado. Muitos generais e diplomatas americanos têm guarda-costas empregados de empresas terceirizadas. E junto com os riscos vieram as consequências: no ano passado, pela primeira vez, mais funcionários civis de empresas americanas do que soldados morreram no Afeganistão.
Os empregadores americanos aqui não têm a obrigação de relatar publicamente a morte de seus funcionários e frequentemente não o fazem. Enquanto os militares anunciam os nomes de todos os seus mortos na guerra, as empresas privadas notificam apenas os membros da família. A maioria dos terceirizados morre sem anúncio e sem contagem -e em alguns casos deixam seus familiares sem indenização. "Ao continuar terceirizando empregos de alto risco que antes eram ocupados por soldados, os militares na verdade estão privatizando o sacrifício máximo", disse Steven L. Schooner, um professor de direito na Universidade George Washington em Washington, que estudou a questão das baixas de civis.
No ano passado, pelo menos 430 empregados de empreiteiras americanas foram relatados mortos no Afeganistão: 386 que trabalhavam para o Departamento da Defesa, 43 para a Agência de Desenvolvimento Internacional dos EUA e 1 para o Departamento de Estado, segundo dados fornecidos pela embaixada americana em Cabul e disponíveis ao público no Departamento de Trabalho.
Em comparação, 418 soldados americanos morreram no Afeganistão no ano passado, segundo o Departamento da Defesa compiladas por icasualties.org, uma organização independente que monitora as mortes na guerra.
Essa tendência tem crescido nos últimos anos no Afeganistão e se equipara a uma semelhante no Iraque, onde as mortes de terceirizados superam as de militares desde 2009. No Iraque, porém, isso ocorreu enquanto o número de soldados americanos era drasticamente reduzido, até sua retirada completa no final do ano passado.
Especialistas que estudaram o fenômeno dizem que como muitas empreiteiras não cumprem as atuais exigências mínimas de informação, o verdadeiro número de mortes de funcionários privados pode ser ainda maior.
"Ninguém acredita que estamos relatando menos mortes de militares", disse Schooner. "Todo mundo acredita que estamos relatando menos mortes de terceirizados."
Sob a Lei Básica de Defesa dos EUA, as empreiteiras de defesa americanas são obrigadas a relatar as mortes e ferimentos em zona de guerra de seus empregados -incluindo terceirizados e trabalhadores estrangeiros- ao Departamento do Trabalho, e a ter seguros que forneçam cuidados médicos e indenização aos empregados.
No caso de empregados estrangeiros, como eram muitos dos mortos, os sobreviventes recebem um benefício equivalente à metade do salário do funcionário por toda a vida; os empregados americanos recebem ainda mais.
Havia 113.491 empregados de empreiteiras de defesa no Afeganistão em janeiro de 2012, comparados com cerca de 90 mil soldados americanos, segundo estatísticas do Departamento da Defesa. Destes, cerca de 22% dos empregados eram cidadãos americanos, 47% de afegãos e 31% de outros países.
Ao todo, segundo o Departamento do Trabalho, 64 companhias americanas perderam mais de sete empregados cada uma nos últimos dez anos.
A maior empreiteira em termos de mortes em zona de guerra é aparentemente a gigante da defesa L-3 Communications. Se a L-3 fosse um país, teria a terceira maior perda de vidas no Afeganistão, assim como no Iraque; somente os EUA e o Reino Unido a superariam em baixas.
Para cada funcionário terceirizado morto, muitos outros são seriamente feridos. Segundo o Departamento do Trabalho, 1.777 americanos terceirizados no Afeganistão foram feridos ou seriamente feridos a ponto de perder mais de quatro dias de trabalho no ano passado.
Marcie Hascall Clark começou o blog Indenização da Lei Básica de Defesa ["Defense Base Act Compensation Blog"] depois que seu marido, Merlin, um ex-perito em explosivos da marinha, foi ferido em 2003 enquanto trabalhava para uma empreiteira americana. Ela e o marido passaram os últimos sete anos lutando por centenas de milhares de dólares em pagamentos por incapacidade e em indenização médica.
"Foi um choque saber como o corpo, a mente e o futuro de meu marido valiam pouco", disse.
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