sexta-feira, 21 de março de 2014

CIA financiou Igreja em marchas pró-golpe militar, diz Frei Betto 21/03/2014


Guilherme Balza*
Do UOL, em São Paulo

MAIS DEPOIMENTOS: Opositor do regime, Suplicy cresceu em família que apoiou golpe de 1964

Frei Betto é sempre lembrado quando o assunto é a controversa relação entre a ditadura militar e a Igreja Católica, que passava por profundas transformações enquanto o país esteve sob o jugo das Forças Armadas.

Em entrevista ao UOL, o dominicano descreve os conflitos no interior da igreja durante a ditadura e explica como se operou a mudança de lado da CNBB, que inicialmente celebrou o golpe com agradecimentos a Nossa Senhora Aparecida, mas depois se constituiu como força de resistência ao regime. O religioso revela ainda que a CIA (agência de inteligência dos Estados Unidos) financiou as Marchas da Família com Deus pela Liberdade, manifestações populares que antecederam o golpe militar.

UOL - O que o senhor estava fazendo em 31 de março de 1964?
Frei Betto - Na verdade o golpe foi no dia 1º. Essa história de 31 é invenção dos milicos porque tinham vergonha do 1º de abril. O golpe foi oficialmente no dia 1º de abril, quando Jango sai do Brasil e se refugia no Uruguai. Eu estava participando do Congresso Latino-americano de Estudantes em Belém, no Pará.

QUEM É FREI BETTO


Frade dominicano e escritor, Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 69, mineiro de Belo Horizonte, era um jovem estudante adepto da Teologia da Libertação quando as tropas derrubaram o presidente João Goulart, em 1964. Foi preso pela primeira vez dois meses após o golpe, permanecendo 15 dias detido. O segundo cárcere foi mais longo, entre 1969 e 73, e mais cruel: o frade foi submetido a sessões torturas nos porões do DOI-Codi, em São Paulo, comandado pelo Coronel Brilhante Ustra.

Nos dias posteriores ao golpe, o militante religioso foi testemunha da derrota dos progressistas no embate com conservadores dentro da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), fato que resultou no apoio da Igreja Católica aos militares ao menos até 1968, quando o regime aprofundou a repressão e a violação de direitos humanos.

Autor de três livros sobre os anos de chumbo ("Cartas da Prisão", "Diário de Fernando" e "Batismo de Sangue"), Frei Betto relata que o Ato Institucional nº. 5 (AI-5) e o aumento da perseguição a religiosos, assim como a ascensão de bispos progressistas, provocaram uma virada na igreja, que passou a se opor aos militares até o final do regime, com a chancela do Vaticano.

UOL - Como o senhor recebeu a notícia?
Frei Betto - A notícia veio de maneira difusa, confusa, de que havia movimento de tropas, que o Jango tinha passado por Brasília, depois ido a Porto Alegre e de lá saído ao Uruguai, porque estava deposto. O Congresso foi desfeito porque ali participavam estudantes de quase todos os países da América Latina, muitos deles acostumados a golpes militares. Eles sentiram que a coisa ia endurecer. Estava hospedado na casa do arcebispo de Belém dom Alberto Gaudêncio Ramos porque eu era dirigente da Juventude Estudantil Católica (JEC) e da Ação Católica também. Fui pra casa de um militante da JEC chamado Lauro Cordeiro. E ali fiquei, de ouvido colado no rádio, tentando entender o que estava acontecendo, e fomos tomando consciência, a partir do dia 2 ou 3 [de abril], de que realmente havia um golpe militar, que começava uma repressão. Nós esperávamos uma reação das forças esquerda, do PCB (Partido Comunista Brasileiro), da Ação Popular, das Ligas Camponesas, reação que nunca veio. Praticamente os militares assaltaram o poder sem precisar dar nenhum tiro.

UOL - Essa reação não ocorreu por quê?
Frei Betto - Não ocorreu porque era um blefe. Realmente a esquerda não estava suficientemente organizada. Primeiro, não acreditava que houvesse um golpe, porque havia um mito de que o Jango detinha pleno controle das Forças Armadas. E que os generais que eram ministros dele jamais haveriam de traí-lo. O esquema militar do Jango era um mito que se alimentava. Em segundo, porque a esquerda era muito proselitista, mas não fazia um trabalho de organização popular. Não havia um trabalho de base como houve depois da ditadura. Era uma esquerda muito mais discursiva, ideológica, mas que não tinha uma capacidade de mobilização popular como se imaginava que tinha ou se esperava que tivesse para reagir ao golpe.

UOL - Naquele momento o que lhe passava pela cabeça?
Frei Betto - Meu pai já tinha vivido sob uma ditadura, de [Getúlio] Vargas, já tinha sido preso, nos anos 30, teve que deixar o Rio de Janeiro, onde exercia a advocacia, e voltar a Minas porque forças de Vargas cercearam qualquer possibilidade dele de arrumar emprego. Ele me descrevia a ditadura como uma coisa cruel, assassina, com censura, sem nenhuma liberdade de expressão. Comecei a esperar que a mesma coisa viesse a acontecer. E fui atingido na pele só no dia 6 de junho de 1964, quando eu voltei ao Rio de Janeiro, onde morava, e ali eu fui preso com a direção da JEC, da JUC (Juventude Universitária Católica) e da Ação Católica, pelo serviço secreto da Marinha na madrugada de 5 para 6 de julho.

http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2014/03/20/cia-financiou-igreja-em-marchas-pro-golpe-diz-frei-betto.htm

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