Rubens Valente e Marlene Bergamo dão, hoje, na Folha, uma preciosa lição de humanidade para quem acha que prender, prender, prender, cada vez mais e cada vez por menos é solução para o Brasil.
A dor conformada de D. Maria Paulino de Souza com a foto do filho Alex, preso numa investigação policial no mínimo confusa e mandado para um presídio porque uma juíza “achou melhor” encarcerar um acusado sem sequer passagem pela polícia, por tempo indeterminado, é um libelo contra gente que considera a vida humana desprezível, se estes humanos são pobres, miseráveis e, quem sabe, nem humanos são.
Alex sabia que ia morrer. Todos sabiam que Alex ia morrer. Não é possível, sequer, que uma juíza criminal não saiba para onde está mandando os seres humanos que manda encarcerar.
Quantos, entre os 650 mil presos brasileiros não estão na situação de Alex?
Quantas mães têm de estar à beira da dor conformada de Dona Maria?
A profissão de repórter, quando olha para as pessoas e não para as versões das autoridades, é esta: a de nos transportar para a casa humilde da mãe de Alex e para a a sua dor.
Preso sem condenação alertou a
mulher sobre massacre em Roraima
Rubens Valente/Marlene Bérgamo, na Folha
“Acho que vão matar gente aqui hoje.
Tá tudo estranho. Se eu for, amo vocês todos. Amor, tá estranho aqui”.
Essa foi a mensagem que o detento Abel Paulino de Sousa enviou à sua
mulher, por celular, no último dia 5.
Naquela mesma noite, a facção
criminosa PCC, segundo o governo estadual, matou 33 homens na
Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR).
Sousa está entre os 16 que foram
decapitados. Ele foi enterrado no domingo (8), no mesmo dia em que
completaria 25 anos de idade.
Como Sousa, outros cinco detentos
morreram sem terem sido condenados pelo Judiciário. Estavam presos por
decisões preventivas que ainda poderiam ser revistas.
A Folha localizou o inquérito de
Sousa. Sem condenação anterior e sem passagem no sistema prisional de
Roraima, ele havia chegado à penitenciária apenas um mês antes de sua
morte.
O pesadelo para a família começou
quando ele foi preso por policiais civis de Boa Vista na tarde do dia 5
de dezembro, com Francisco Wilami Souza de Oliveira, 39, e Marizete
Almeida, 26. Um adolescente também foi apreendido. Oliveira e Marizete
admitiram à polícia que já haviam sido presos sob suspeita de tráfico de
drogas.
A polícia apresentou à Justiça 5,2 kg
de pasta-base de cocaína, 391 gramas de crack, 412 gramas de cocaína em
pó e 147 gramas de maconha.
Nesse ponto, o inquérito guarda uma
contradição. Nas guias que acompanham a droga para o exame no Instituto
de Criminalística, consta que ela foi apreendida “em poder” dos três
presos.
Nos depoimentos prestados pelos policiais civis responsáveis pela prisão, porém, a história é diferente.
O agente da Polícia Civil Elias
Magalhães disse que “a maior parte da droga estava na casa de Wilami;
outra parte estava na casa do adolescente”. Acrescentou, porém, que
“presenciaram quando Sousa deixou a droga na residência do adolescente”.
Não há prova nos autos que comprovem essa afirmação.
Os policiais afirmaram que
“informações indicavam” que Sousa “estava recebendo ordens para cuidar
da droga” que vinha da Venezuela -também não há, no inquérito, a fonte
das informações. Um policial ainda diz que apenas “uma pequena porção”
da droga fora encontrada com Sousa, além de R$ 800 em seu bolso.
No único e curto depoimento que
prestou à polícia, de uma página, Sousa disse que não entregou droga a
outras pessoas e que não sabia da droga que estava com Oliveira, a quem
conhecia apenas “da rua”.
Na audiência de custódia, no dia
seguinte à prisão, Sousa afirmou que já fora apenas detido em janeiro
passado “por envolvimento com drogas”, mas liberado em seguida e nunca
condenado.
Ex-montador de móveis, Sousa disse à
polícia que estava desempregado, estudara até o ensino médio e era pai
solteiro de dois filhos. Afirmou ainda que não possuía bens nem dinheiro
em conta bancária.
O cenário se complicou para Sousa,
porém, quando Oliveira o acusou de ter sido um intermediário de entrega
da droga trazida por “um venezuelano”. O adolescente também disse que
recebeu de Sousa 500 gramas de cocaína para revenda.
Na audiência de custódia, Sousa não
conseguiu convencer a juíza Suelen Silva Alves de que poderia responder
ao processo em liberdade. Ela viu risco à ordem pública e converteu a
prisão em flagrante para preventiva, sem prazo fixo para acabar, mas que
poderia ser revista ao final do inquérito policial.
Como Boa Vista não tem um presídio
específico para presos provisórios, Sousa foi enviado pelo governo para
uma ala da penitenciária agrícola.
Parceiro de inquérito, Wilami
Oliveira teve um fim igualmente trágico. Em 19 de dezembro, foi
encontrado morto por enforcamento em uma cela da mesma unidade.
A família de Sousa disse à Folha que
ele não pertencia a nenhuma facção criminosa e sempre negou a acusação
de tráfico. No processo, ele ainda não havia conseguido recorrer da
decisão da juíza e, oficialmente, continuava sem advogado, sendo
representado pela Defensoria Pública, que atende pessoas com renda
mensal inferior a três salários mínimos.
No dia 5 de janeiro, após ter
recebido as mensagens preocupantes de Sousa sobre uma morte iminente,
sua mulher tentou confortá-lo. “Por que você tá falando isso, você acha
que é você?”
Sousa respondeu: “Sério, amor. Tô
achando que sou eu. Se eu não te mandar mais mensagens, você não manda
mais não, tá bom? Tô com medo, amor”.
http://www.tijolaco.com.br/blog/pena-de-morte-sem-julgamento/
Nenhum comentário:
Postar um comentário