segunda-feira, 5 de março de 2012

Imprensa nos EUA desinforma sobre a visita da AIEA ao Irã 05/03/2012


Os noticiários divulgaram, semana passada, que o Irã recusou-se a permitir que a comissão da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) vistoriasse instalações militares em Parchin, notícias baseadas exclusivamente em declarações a alguns repórteres, do vice-diretor geral da AIEA, Herman Nackaerts, segundo o qual “não nos deixaram entrar”.

De fato, declarações sobre o mesmo fato, do embaixador do Irã à AIEA e até os termos do novo relatório da AIEA indicam que o Irã não impediu a visita à base militar per se; o Irã apenas não liberou a visita porque aquela visita não estava prevista nas discussões preparatórias e não havia qualquer acordo discutido com a AIEA sobre os termos daquele contato nem sobre qualquer visita a instalações militares.
Novas e melhores informações confirmam o que escrevi dia 23/2. Dada a história das negociações entre Irã e a AIEA, e o acordo, de 2005, para duas visitas da AIEA às instalações em Parchin, o acesso àquelas específicas instalações converteu-se em item com o qual o Irã tem barganhado para forçar a AIEA a moderar suas exigências e para que se chegue a acordo razoável sobre a investigação que a AIEA conduz, há anos, sobre “Possíveis Dimensões Militares” do programa nuclear iraniano.
Em e-mail enviado a mim e em entrevistas ao canal de televisão Russia Today, à agência Reuters e à Agência de Notícias Fars, o representante permanente do Irã na AIEA, Ali Asghar Soltanieh, disse à missão de alto nível da AIEA que a comissão teria acesso liberado para visitar Parchin, imediatamente depois de haver acordo claro sobre as condições de cooperação entre o Irã e a AIEA.
“Declaramos que, tão logo houvesse acordo claro sobre os termos da cooperação, liberaríamos a visita [a Parchin]” – Soltanieh escreveu em e-mail que recebi.
Na entrevista ao canal Russia Today, dia 27/2, noticiada pelo jornal israelense Haaretz e por The Hindu na Índia, mas não na imprensa ocidental, Soltanieh comentou duas visitas da AIEA às instalações em Parchin, em janeiro e novembro de 2005; disse que o Irã precisa obter “garantias” de que “não se repetirá aquela amarga experiência, quando eles chegaram e exigiram que autorizássemos a visita.”
Disse que era indispensável preparar um “quadro de referências e modalidades, com detalhamento preciso do quê, afinal, estão procurando; e a AIEA teria de apresentar documentos que comprovassem o objetivo da visita, detalhando onde, exatamente, queriam [ir]” – disse Soltanieh. (…)
O texto do relatório da AIEA, datado de 24 de fevereiro, oferece informação crucial sobre a posição dos iranianos nas conversações, que correspondem exatamente ao que Soltanieh diz. No relato da primeira rodada de conversas, no final de janeiro, sobre o que a AIEA chama de “abordagem estruturada para o esclarecimento de questões importantes”, a AIEA diz:
“A Agência solicitou acesso às instalações em Parchin, mas o Irã não autorizou a vista naquele momento [itálicos meus].”
É mais que claro, nessa formulação, que o Irã estava disposto a permitir a visita, se algumas condições fossem acertadas previamente.
Sobre os encontros dos dias 20-21 de fevereiro, a AIEA escreveu que o Irã “declarou que ainda não havia condições para permitir a visita àquelas instalações.” Havia, evidentemente, uma situação complexa de negociações sobre a visita às instalações de Parchin, que Nackaerts deixara sugerida e alguns veículos de imprensa noticiaram.
Mas nenhuma das grandes empresas-rede de notícias comentou a diferença significativa entre a cobertura inicial da questão do acesso a Parchin e a informação que hoje se conhece do relatório da AIEZ e de Soltanieh. Nenhuma das grandes empresas-rede de notícias acompanhou o que dizia o relatório, no qual se lê claramente que o impedimento àquela visita era impedimento limitado às condições “naquele momento”.
Só a AFP e a Reuters ouviram Soltanieh. A Reuters, que o entrevistou, citou palavras dele: “Era bem claramente subentendido que, depois de haver acordo sobre a modalidade da visita, o acesso seria liberado.” Mas essa citação literal só aparecia na última frase do artigo, depois de vários parágrafos em que se repetia várias vezes a acusação de que o Irã “impediu a AIEA de visitar Parchin”.
Um dia depois de publicar aquela matéria, a Reuters publicou outro artigo focado no relatório da AIEA, mas sem qualquer referência nem ao que efetivamente se lê no relatório sobre Parchin nem aos esclarecimentos que a agência ouviu de Soltanieh.
O Los Angeles Times ignorou completamente a nova informação e simplesmente repetiu a acusação de que o Irã “não permitiu que os inspetores da AIEA visitassem as instalações militares da base de Parchin.” Em seguida, acrescentava sua própria opinião-interpretação, segundo a qual “o Irã recusou-se a responder perguntas chaves sobre o desenvolvimento de seu programa nuclear”. As várias afirmativas dos agentes iranianos foram simplesmente descartadas como se não fossem respostas qualificadas.
Hoje, o romance do acesso a Parchin entrou em nova fase, com matéria da Reuters que cita o vice-diretor geral Nackaerts, em reunião de atualização e briefing para diplomatas, segundo o qual haveria “atividades em andamento em Parchin, o que acrescenta urgência aos motivos pelos quais temos de visitar aquelas instalações militares”. Nackaerts atribuiu tal ideia a um “membro de Estado” cujo nome não disse, que teria sugerido que o local estaria sendo “esvaziado”.
A identidade desse “membro de Estado”, com o qual a AIEA já se comprometeu mais do que a prudência recomenda ao insistir em esconder, é importante, porque, se for “membro de Estado” de Israel, só reforçará o empenho, já bem evidente, de convencer o mundo de que, sim, o Irã estaria construindo armas atômicas.
O ex-diretor geral da AIEA Mohamed ElBaradei conta à pág. 291 de suas memórias: “No final do verão de 2009, os israelenses entregaram à AIEA documentos produzidos por Israel que supostamente comprovariam que o Irã teria continuado as pesquisas com armas nucleares pelo menos até 2007.”
A imprensa tem obrigação de alertar os leitores sempre que divulgar informação cuja única fonte seja algum “membro de Estado” não identificado, sobretudo em assuntos sensíveis, como um programa clandestino que estaria em andamento no Irã para produção de armas atômicas. Em todos os casos, pode tratar-se de Estado com enormes interesses políticos investidos na divulgação de uma ou outra mentira. Mas, como todos vimos na cobertura jornalística dos contatos entre a AIEA e o Irã, os ‘manuais de redação’ em uso nada ensinam sobre esses detalhes.
Fonte: Redecastorphoto. Traduzido pelo coletivo Vila Vudu

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