O diagnóstico, correto e demolidor, é do professor da
Unicamp Luiz Gonzaga Belluzzo: “assustador aqui é nosso atraso
cultural, intelectual, sobretudo nas camadas dos que se consideram acima
dos mais fracos e mais pobres. Seria bom que o Brasil tivesse uma
elite, mas não tem. O Brasil tem ricos, mas não tem elite.”
Leia a entrevista que retiro do blog do também professor Rogério Cézar de Cerqueira Leite:
A política
econômica do governo Temer não parece um arremedo de neoliberalismo,
algo mais antigo, ou uma colcha de retalhos, com medidas de supressão de
direitos, PEC do Fim do Mundo etc? Como define essa política?
É difícil lidar com
nomes, com siglas. Acho que é uma política, mais do que conservadora,
retrógrada. Ela tenta fazer um ajuste que não tem nenhum fundamento no
funcionamento real da economia, movido por ideias muito conservadoras e
precárias. É um desrespeito com os neoliberais mais atilados chamar essa
política de neoliberal (risos).
Há uma crise muito
profunda da teoria econômica, que está sendo avaliada e contestada por
muita gente fora do Brasil. Aqui esse debate ainda não ganhou corpo,
porque os economistas brasileiros ainda estão muito resistentes a abrir
mão do aparato teórico que adquiriram fora do Brasil, e que não tem mais
validade ou vale muito pouco e até os economistas mais atilados deles
já estão começando a reconsiderar algumas questões. Quando a economia
estava desacelerando, adotar aquele programa de ajustamento (com Dilma) é
simplesmente inacreditável. Inacreditável que pudesse passar pela
cabeça de alguém uma ideia que só se pode justificar por concepções
equivocadas e mesmo ridículas.
O Moro está
encharcado de convicções, foi ensinado assim, estudou nos EUA.
Percebe-se que não tem cultura mais ampla. Isso faz falta entre
operadores de direito e de economia. A gente sempre precisa achar que a
gente sabe menos do que acha que sabe
No atual processo,
estamos vendo acontecer com a Petrobras o que nem a ditadura – que
tinha setores nacionalistas – e nem Fernando Henrique conseguiram…
Isso nasce de uma
situação peculiar, que foi a investigação da Lava Jato. Porém, se você
examinar os episódios de crimes financeiros nos Estados Unidos, por
exemplo, eles procuraram preservar as empresas. Aqui, conseguimos fazer
uma coisa muito grave: prejudicar uma cadeia produtiva muito importante,
talvez a mais importante num momento de recuperação. Tem algumas coisas
que só podem ser explicadas pela indigência mental dessa gente.
Ou estão certas as teorias da conspiração segundo as quais isso tudo foi orquestrado a partir de interesses externos?
Acho que o Sérgio
Moro, por exemplo, nem sabe o que está fazendo. Isso é o pior nessa
sociedade em que nós vivemos. Tanto ele (Moro) quanto os que deflagraram
o ajuste não têm consciência exata do que estão fazendo. Há estudos
agora sobre o caráter da informação, da língua, da linguística, dos
falsos conceitos, o que tem a ver com a mídia brasileira,
escancaradamente de quinta categoria.
O Moro é o que nos
anos 1920 ainda se chamava idiot savant, uma expressão psiquiátrica,
para falar do sábio idiota, aquele que só conhece a área dele e não
consegue fazer uma relação entre a área dele e as demais. Então não acho
que o Moro seja um conspirador. Ele está encharcado dessas convicções,
foi ensinado assim, estudou lá, percebe-se claramente que não tem uma
cultura mais ampla. Aliás, isso faz falta entre operadores de direito e
de economia. A gente sempre precisa achar que a gente sabe menos do que
acha que sabe.
O Brasil passa por
uma conjuntura em que não se sabe se o governo vai cair, se vai haver
parlamentarismo ou o que vai acontecer. É possível prever um cenário?
O cenário é muito
obscuro, muito difícil de fazer previsão. Acho que a recuperação da
economia vai demorar muito, mas esse sistema político que está aí é um
obstáculo, não oferece nenhuma possibilidade de solução. Eles se
comprometeram muito. Essa “PEC do Fim do Mundo” é uma insensatez.
Qualquer pessoa com inteligência acima de dois neurônios se dá conta de
que isso é um desastre. É uma coisa de hospício.
No entanto, passou…
Passou. Pois é. A
gente tem que buscar a explicação numa região mais profunda da sociedade
brasileira. Você está vendo o que está acontecendo com os presídios.
Uma vez li no Norberto Bobbio que você pode avaliar o grau de civilidade
de uma sociedade pela forma com que trata as crianças, os velhos e os
prisioneiros. Quanto mais selvagem e mais bárbara a sociedade, pior o
tratamento que dá a essas categorias de pessoas, que são as que estão à
mercê do Estado, e deveriam estar sob a proteção do Estado. Você viu
manifestações de deputados, secretários de Estado, dizendo que não tinha
nenhum santo (nos presídios). Não se trata de santo ou não santo,
trata-se de um sujeito que está investido da condição humana.
Há o atraso secular
do Brasil, atraso social, moral e ideológico que vem lá do escravismo, e
depois vem da desigualdade, e de todas as mazelas das quais esse país
não se livrou. Isso tudo está cristalizado hoje em duas coisas: no
mercado financeiro e na mídia de massas. Isso é que conforma o
imaginário, a compreensão de muitos brasileiros entregues a isso sem
nenhum poder de reação e nenhuma possibilidade de se informar
alternativamente.
Depois de tanta
luta pela redemocratização, o impeachment, como ocorreu, provocou em
muitas pessoas um sentimento de total descrença no Brasil, os que acham
que o país não tem mais jeito. Qual sua posição, está entre esses?
Não, porque se eu
tivesse essa visão eu teria me retirado de alguma forma. Acho que a
gente pode juntar forças democráticas e acho que uma parte da esquerda
tem que entender que a democracia é importante. A gente está aprendendo
que é importante, que as instituições são importantes. A gente está
voltando às origens do pensamento de esquerda que era liberal
democrático. O liberalismo político faz parte da construção dessa forma
de ver o mundo, de organizar as instituições, junto com o controle da
economia pelo Estado, sem que você se deixe iludir pela ideia de que o
mercado se autorregule.
Não estou falando
nada de novo, mas simplesmente voltando ao que disseram e praticaram os
grandes estadistas do pós-guerra, como (Konrad) Adenauer (Charles) De
Gaulle, (Alcide) De Gasperi, gente que se deu conta de que a democracia
só pode florescer enquanto houver segurança econômica do cidadão, senão
você desencadeia um processo perverso, como o que a gente está vendo
aqui. O que é assustador aqui é nosso atraso cultural, intelectual,
sobretudo nas camadas dos que se consideram acima dos mais fracos e mais
pobres. Seria bom que o Brasil tivesse uma elite, mas não tem. O Brasil
tem ricos, mas não tem elite.
As camadas superiores
não querem saber do Brasil. É como se estivéssemos voltando à época do
pau-brasil, isso aqui virou um campo de caça. Como se viessem fazer uma
coisa extrativista: tirar e ir morar em Miami. Não têm solidariedade com
o outro. E isso é fundamental, foi o que cimentou a construção do
Estado do bem estar, que hoje está começando a se dissolver também na
Europa. Isso é que é terrível. O capitalismo não consegue mais se
proteger dele mesmo.
http://www.tijolaco.com.br/blog/belluzzo/
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