Os direitos fundamentais do homem e o próprio senso de humanidade se sobrepõem às letras de leis de proteção à propriedade privada. Esse conceito iluminista é pacificado entre a Comunidade das Nações.
À luz do caráter humanitário que deve permear qualquer sociedade civilizada, não se pode sobrepor o direito de propriedade a necessidades básicas de sobrevivência como alimentação ou moradia, conquanto a ocupação de tal propriedade não ameace a sobrevivência de seu detentor.
É nesse contexto que se insere a prisão do ativista humanitário Guilherme Boulos, do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto.
A Polícia de São Paulo prendeu nesta terça-feira (17) o coordenador nacional do MTST. Ele dava apoio às cerca de 700 famílias que foram alvo de reintegração de posse de um terreno em São Mateus, na zona leste da capital paulista, quando foi detido por “incitação à violência” e por “desobediência”.
No caso, a violência a que se refere a justificativa da polícia reside em cerca de três mil pessoas (entre homens, mulheres, crianças e idosos) não quererem sair de onde se abrigam à noite (querem que durmam até nas ruas, se não tiverem pra onde ir) sem ter um lugar definido para se abrigarem.
Note-se que o Ministério Público entrou na semana passada com pedido de suspensão da ação de reintegração de posse porque as famílias não foram cadastradas para outras áreas de destino. Ou seja, se fossem despejadas agora, não teriam para onde ir. Crianças, até mesmo bebês, idosos que mal podem andar, mulheres grávidas, enfermos, todos seriam jogados no meio da rua sem ter para onde ir.
Em qualquer país civilizado, isso seria uma tragédia, uma crise humanitária que mobilizaria aquela sociedade, que se embrenharia em socorrer tantas famílias. Notem: não são presidiários, não cometeram outro crime além de terem necessidades que suas condições financeiras não suportam.
O que fazer? Olhar para o lado e mandar que se danem, porque não é problema seu?
Essas pessoas ocuparam um terreno vazio, mantido como reserva de valor por seu proprietário. Não colocaram em risco a sobrevivência do proprietário do local em que se alojaram. É desumano jogar toda essa gente na rua. O Estado fazer isso é um crime de lesa-humanidade.
O pedido do MP para o governo do Estado de São Paulo achar um lugar para essas famílias antes de despejá-las foi negado na segunda-feira (16) pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Em julho do ano passado, o MP já tinha pedido o cadastramento das famílias, mas a justiça não aceitou. E, agora, a mesma Justiça manda jogar as 700 famílias no meio da rua.
Mas se você pensa que a situação é catastrófica, própria de uma ditadura cruel, saiba que agora ela vai piorar. Um comandante do Choque que participava da reintegração citou o ato perto da casa do presidente Michel Temer, ano passado, para justificar a prisão de Boulos. Segundo esse comandante da PM, Boulos incorreu em “reincidência”.
Ano passado, o MTST fez atos públicos perto da casa do presidente Michel Temer, no Alto de Pinheiros (zona oeste de SP), contra a suspensão da construção de casas do Minha Casa, Minha Vida. Em um desses atos, a PM usou bombas de gás e balas de borracha para dispersar os sem teto.
Ainda de acordo com o coordenador nacional do MTST, ele teria sido o único detido de um grupo que tentava negociar, com o comando do Choque, os termos da reintegração –por exemplo, de que maneira as famílias retirariam os pertences da área reintegrada.
A PM se defende acusando as famílias de violência. Diz nota da PM:
“Após tentativa de negociação dos oficiais com as famílias, sem acordo, os moradores resistiram hostilizando os PMs, arremessando pedras, tijolos, rojões e montando três barricadas com fogo. Um policial militar ficou ferido de leve por uma bomba caseira e duas viaturas do Choque foram danificadas”.
Sem querer ser chato, vale lembrar que do outro lado havia soldados equipados com escudos, armaduras, capacetes, bombas de todos os tipos, metralhadoras, pistolas, helicópteros, blindados, enfim, um verdadeiro aparato de guerra.
A própria nota da PM fala em barricadas. Sim, essas pessoas não estavam atacando, estavam se defendendo. Há crianças, mulheres, idosos que vão ser jogados na rua, não vão ter como se alimentar, como dar banho numa criança, como amparar um idoso.
SÃO FAMÍLIAS, Ó DEUS DOS MISERÁVEIS!!
São famílias como as nossas, apesar da cor da pele muitas vezes ser mais escura, o cabelo menos sedoso, a escolaridade e a conta bancárias inexistentes. Ninguém deixa de ser humano por falta de diploma ou de dinheiro.
Uma sociedade que joga FAMÍLIAS na miséria, sem amparo algum, só para garantir a reserva de patrimônio de alguém, não é sociedade, é uma horda de bárbaros. E depois, quando um adolescente de uma dessas famílias, faz uma besteira por puro desespero, vira “bandido” e, se não tiver muita sorte, acaba decapitado em alguma rebelião.
A Constituição Federal garante direitos mínimos aos brasileiros. Resistir a ser jogado na fome, no frio junto com seus filhos pequenos e/ou seus idosos (pai, mãe…) é, sim, um direito constitucional. Apoiar moralmente quem se defende também é um direito.
Criminalizar gente como Boulos e tantos outros líderes de movimentos como o MST ou MTST é prática antiga, mas eles representam a resistência da maioria do povo brasileiro, dessa gente humilde, mansa, desarticulada, a qual, muitas vezes, nem conhece seus direitos e é frequentemente usada como massa de manobra, elegendo políticos que a esmagam depois que vota neles, como está se vendo.
Prenderam Boulos por exercer o direito constitucional e humano de desobedecer ao arbítrio, à desumanidade.
E ainda prenderam por razões políticas, já que não há nenhuma lei que proíba alguém de se manifestar contra políticos e um dos argumentos usados para prender esse ativista é de que ele se manifestou contra Michel Temer.
Desobediência Civil já!
http://www.blogdacidadania.com.br/2017/01/boulos-foi-preso-por-exercer-direito-constitucional-de-desobedecer/
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