De Opera Mundi
Fontes brasileiras e chilenas indicam que o papel do Brasil em 11 de setembro de 1973 foi crucial
A participação de civis e militares brasileiros no golpe militar
contra o presidente chileno Salvador Allende, em setembro de 1973, pode
ser uma das revelações inesperadas da recém instaurada Comissão da
Verdade no Brasil.
O envio de 100 milhões de dólares por empresários brasileiros para
financiar o golpe no Chile, as reuniões de militares golpistas na
Embaixada do Brasil em Santiago e a "exportação" do know how em
técnicas de sequestro e torturas cometidas durante a chamada "Operação
Condor" fazem parte de uma lista mencionada por ex-membros do governo
Allende, historiadores e escritores do Chile e do Brasil ouvidos pelo Opera Mundi num conjunto de entrevistas inéditas realizadas entre outubro de 2011 e maio de 2012.
Wikicommons
Allende entrega documento sobre nacionalização do cobre, em 1971. Golpe contra presidente teve participação brasileira
"A Comissão da Verdade do Brasil pode ter um impacto não somente no
Chile, mas em todos os países do Cone Sul que participaram do Plano
Condor", disse a jornalista e escritora chilena Mónica Gonzalez, autora
do livro La Conjura - Os Mil e Um Dias do Golpe,
obra que fala não somente do golpe liderado pelo general Augusto
Pinochet, mas também dos efeitos nefastos da ditadura que durou 17 anos e
deixou 2.279 mortos e 1.102 desaparecidos no Chile, de acordo com a
Comissão de Verdade e Reconciliação local.
"O Brasil, de acordo com todas as investigações sérias que foram
feitas até agora, desempenhou um papel central na gestação dos golpes
militares na região, como uma via de financiamento externo para a
desestabilização e, em seguida, para o treinamento dos serviços secretos
dos países do Plano Condor, em solo brasileiro", acrescentou Mónica, em
referência à articulação que envolveu militares brasileiro, argentinos e
chilenos na perseguição a militantes de esquerda no Cone Sul durante os
anos 1970.
"Empresários brasileiros arrecadaram fundos para financiar os
golpistas no Chile. Aliás, o único brasileiro presente na noite em que a
Junta Militar chilena prestou juramento, no dia 11 de setembro (dia do
golpe), foi o então embaixador do Brasil no Chile (Antônio Castro da
Câmara Neto), em cuja residência foram feitas as reuniões-chave para que
Pinochet se juntasse ao golpe", disse a jornalista e escritora.
A tese é corroborada por atores relevantes da história, como um dos
assessores diretos de Allende, o atual diretor do PNUD (Programa da ONU
para o Desenvolvimento), Heraldo Muñoz: "O golpe no Chile foi planejado
em reuniões secretas em diversos lugares, incluindo a Embaixada do
Brasil em Santiago. O representante da ditadura brasileira da época, o
embaixador Antônio Castro da Câmara Neto, foi um ativo promotor do golpe
e um protagonista do apoio à ditadura chilena."
Ele também é direto e claro ao falar da participação de civis
brasileiros nas articulações para derrubar Allende, então o primeiro
presidente socialista eleito democraticamente no mundo. "Empresários de
São Paulo financiaram o grupo de ultra-direita Patria y Libertad que
perpetrou atividades terroristas para desestabilizar o governo Allende.
Torturadores brasileiros vieram ao Chile após o golpe para ensinar
técnicas de tortura, interrogar e levar de volta ao Brasil ativistas
brasileiros exilados no Chile", disse de Washington, por email, Munõz ao Opera Mundi, numa entrevista ainda inédita feita em setembro do ano passado.
Muñoz, que em agosto de 2010 lançou no Brasil um livro sobre o assunto, A Sombra do Ditador - Memórias Políticas do Chile sob Pinochet (Zahar,
394 páginas, R$ 59), é ainda mais preciso ao falar da participação do
Itamaraty no caso: "O embaixador Câmara Neto, do Brasil, apareceu junto
aos militares chilenos durante seu primeiro ato público, entregou o
primero reconhecimento diplomático à Junta militar chilena e participou
ativamente na procura de empréstimos financeiros do Brasil ao Chile,
incluindo um crédito de emergência de 100 milhões de dólares. A conexão
brasileira no nosso 11 de setembro é muito clara", assegura Muñoz.
Historiadores brasileiros como Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, autor do livro Fórmula para o Caos -
uma das mais importantes obras sobre a ação de atores estrangeiros no
golpe no Chile, especialmente sobre o papel da Casa Branca e do
Departamento de Estado norte-mericano na queda de Allende - também é
enfático ao falar sobre o papel do Brasil. O Opera Mundi trocou
11 mensagens de email com Moniz Bandeira entre outubro e novembro de
2010, mas o historiador desautorizou a publicação do conteúdo das
mensagens.
Wikicommons
Pinochet
desfila pelo oitavo aniversário do golpe, em 1982. Conexão brasileira
no 11 de setembro é clara, diz historiador Moniz Bandeira
Nelas, o
professor, que hoje vive na Alemanha e é conhecido como um autor cada
vez mais recluso, insiste que todas as informações relevantes sobre o
papel do Brasil nas ditaduras da região já estão publicadas em livro,
mas não reluta em comentar aspectos particulares. Ele considera que os
brasileiros estavam prontos para assumir um papel militar ativo caso o
golpe tivesse provocado uma divisão e uma guerra civil no Chile, em
setembro de 1973.
Longe de ser um radical apaixonado, Moniz foi
ao longo de muitos anos um dos intelectuais estudados pelos militares na
Escola Superior de Guerra. Seus livros fazem parte de bibliografia do
curso e suas palestras, concorridas entre oficiais. Tudo isso, apesar de
Moniz Bandeira ter sido preso pela Marinha do Brasil durante a
ditadura.
Conexão no Itamaraty
O apoio de
Câmara Neto às articulações do golpe chileno estão longe de ser um fato
isolado, de simpatia pessoal por Pinochet. A estratégia de apoiar a
Junta Militar chilena estava ligada diretamente ao chamado Ciex (Centro
de Informações do Exterior), uma espécie de ninho de arapongas criado
dentro do Itamaraty para perseguir militantes comunistas no Cone Sul
entre 1966 e 1985. A concepção e o funcionamento do grupo estava a cargo
do embaixador brasileiro Manoel Pio Corrêa, formado na Escola Superior
de Guerra.
Wikicommons
Ao tentar conversar com Pio Corrêa (FOTO À ESQUERDA) no ano passado, Opera Mundi foi
advertido sobre a condição sensível de saúde do embaixador, que já
estaria, de acordo com a esposa, surdo, com 93 anos. O fato revela o
quanto deve ser mais difícil a cada dia para a Comissão da Verdade
brasileira recolher relatos pessoais de testemunhas-chave sobre os
bastidores da ditadura, muitos deles com mais de 80 anos.
Entre
os crimes cometidos por Pio Corrêa - alguns deles admitidos pelo
embaixador numa auto biografia e numa entrevista publicada pelo
jornalista Cláudio Dantas Sequeira, no jornal Correio Braziliense -
está a perseguição aos que ele chamava de "pederastas, bêbados e
vagabundos" que trabalhavam como diplomatas no Itamaraty. Pio Corrêa era
conhecido como "troglodita reacionário" pelos exilados brasileiros.
As
conexões entre ditaduras sul-americanas não estiveram restritas apenas à
região. A chilena Mónica cita por exemplo o trabalho da premiada
jornalista francesa Marie-Monique Robin, que investigou a ação de grupos
de extermínios franceses no Chile e na Argentina no documentário Esquadrão da Morte: A Escola Francesa.
Mónica
cita o trabalho de Marie-Monique para lembrar que "o general francês
Paul Aussaresses, principal torturador da guerra de independência da
Argélia (1954-1962), instalou no Brasil nos anos 1970 uma escola para
treinamento de torturadores do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e
Paraguai, com recursos financeiros da CIA (Agência de Inteligência dos
EUA). Por esse lugar, desfilaram os principais assassinos de nossos
países. Sobre os dinheiros que financiaram esses golpes e sobre a
repressão na região não se falou quase nada. O Brasil tem as chaves para
abrir as gavetas mais fundas."
"A Comissão da Verdade do Brasil pode ter um impacto não
somente no Chile, mas em todos os países do Cone Sul que participaram do
Plano Condor", disse a jornalista e escritora chilena Mónica Gonzalez,
autora do livro La Conjura - Os Mil e Um Dias do Golpe,
obra que fala não somente do golpe liderado pelo general Augusto
Pinochet, mas também dos efeitos nefastos da ditadura que durou 17 anos e
deixou 2.279 mortos e 1.102 desaparecidos no Chile, de acordo com a
Comissão de Verdade e Reconciliação local.
"O Brasil, de acordo
com todas as investigações sérias que foram feitas até agora,
desempenhou um papel central na gestação dos golpes militares na região,
como uma via de financiamento externo para a desestabilização e, em
seguida, para o treinamento dos serviços secretos dos países do Plano
Condor, em solo brasileiro", acrescentou Mónica, em referência à
articulação que envolveu militares brasileiro, argentinos e chilenos na
perseguição a militantes de esquerda no Cone Sul durante os anos 1970.
"Empresários
brasileiros arrecadaram fundos para financiar os golpistas no Chile.
Aliás, o único brasileiro presente na noite em que a Junta Militar
chilena prestou juramento, no dia 11 de setembro (dia do golpe), foi o
então embaixador do Brasil no Chile (Antônio Castro da Câmara Neto), em
cuja residência foram feitas as reuniões-chave para que Pinochet se
juntasse ao golpe", disse a jornalista e escritora.
A tese é
corroborada por atores relevantes da história, como um dos assessores
diretos de Allende, o atual diretor do PNUD (Programa da ONU para o
Desenvolvimento), Heraldo Muñoz: "O golpe no Chile foi planejado em
reuniões secretas em diversos lugares, incluindo a Embaixada do Brasil
em Santiago. O representante da ditadura brasileira da época, o
embaixador Antônio Castro da Câmara Neto, foi um ativo promotor do golpe
e um protagonista do apoio à ditadura chilena."
Ele também é
direto e claro ao falar da participação de civis brasileiros nas
articulações para derrubar Allende, então o primeiro presidente
socialista eleito democraticamente no mundo. "Empresários de São Paulo
financiaram o grupo de ultra-direita Patria y Libertad que perpetrou
atividades terroristas para desestabilizar o governo Allende.
Torturadores brasileiros vieram ao Chile após o golpe para ensinar
técnicas de tortura, interrogar e levar de volta ao Brasil ativistas
brasileiros exilados no Chile", disse de Washington, por email, Munõz ao Opera Mundi, numa entrevista ainda inédita feita em setembro do ano passado.
Muñoz, que em agosto de 2010 lançou no Brasil um livro sobre o assunto, A Sombra do Ditador - Memórias Políticas do Chile sob Pinochet (Zahar,
394 páginas, R$ 59), é ainda mais preciso ao falar da participação do
Itamaraty no caso: "O embaixador Câmara Neto, do Brasil, apareceu junto
aos militares chilenos durante seu primeiro ato público, entregou o
primero reconhecimento diplomático à Junta militar chilena e participou
ativamente na procura de empréstimos financeiros do Brasil ao Chile,
incluindo um crédito de emergência de 100 milhões de dólares. A conexão
brasileira no nosso 11 de setembro é muito clara", assegura Muñoz.
Historiadores brasileiros como Luiz Alberto de Vianna Moniz Bandeira, autor do livro Fórmula para o Caos -
uma das mais importantes obras sobre a ação de atores estrangeiros no
golpe no Chile, especialmente sobre o papel da Casa Branca e do
Departamento de Estado norte-mericano na queda de Allende - também é
enfático ao falar sobre o papel do Brasil. O Opera Mundi trocou
11 mensagens de email com Moniz Bandeira entre outubro e novembro de
2010, mas o historiador desautorizou a publicação do conteúdo das
mensagens.
Wikicommons
Pinochet desfila pelo oitavo
aniversário do golpe, em 1982. Conexão brasileira no 11 de setembro é
clara, diz historiador Moniz Bandeira
Nelas, o professor, que
hoje vive na Alemanha e é conhecido como um autor cada vez mais recluso,
insiste que todas as informações relevantes sobre o papel do Brasil nas
ditaduras da região já estão publicadas em livro, mas não reluta em
comentar aspectos particulares. Ele considera que os brasileiros estavam
prontos para assumir um papel militar ativo caso o golpe tivesse
provocado uma divisão e uma guerra civil no Chile, em setembro de 1973.
Longe
de ser um radical apaixonado, Moniz foi ao longo de muitos anos um dos
intelectuais estudados pelos militares na Escola Superior de Guerra.
Seus livros fazem parte de bibliografia do curso e suas palestras,
concorridas entre oficiais. Tudo isso, apesar de Moniz Bandeira ter sido
preso pela Marinha do Brasil durante a ditadura.
Conexão no Itamaraty
O
apoio de Câmara Neto às articulações do golpe chileno estão longe de
ser um fato isolado, de simpatia pessoal por Pinochet. A estratégia de
apoiar a Junta Militar chilena estava ligada diretamente ao chamado Ciex
(Centro de Informações do Exterior), uma espécie de ninho de arapongas
criado dentro do Itamaraty para perseguir militantes comunistas no Cone
Sul entre 1966 e 1985. A concepção e o funcionamento do grupo estava a
cargo do embaixador brasileiro Manoel Pio Corrêa, formado na Escola
Superior de Guerra.
Wikicommons
Ao tentar conversar com Pio Corrêa (FOTO À ESQUERDA) no ano passado, Opera Mundi foi
advertido sobre a condição sensível de saúde do embaixador, que já
estaria, de acordo com a esposa, surdo, com 93 anos. O fato revela o
quanto deve ser mais difícil a cada dia para a Comissão da Verdade
brasileira recolher relatos pessoais de testemunhas-chave sobre os
bastidores da ditadura, muitos deles com mais de 80 anos.
Entre
os crimes cometidos por Pio Corrêa - alguns deles admitidos pelo
embaixador numa auto biografia e numa entrevista publicada pelo
jornalista Cláudio Dantas Sequeira, no jornal Correio Braziliense -
está a perseguição aos que ele chamava de "pederastas, bêbados e
vagabundos" que trabalhavam como diplomatas no Itamaraty. Pio Corrêa era
conhecido como "troglodita reacionário" pelos exilados brasileiros.
As
conexões entre ditaduras sul-americanas não estiveram restritas apenas à
região. A chilena Mónica cita por exemplo o trabalho da premiada
jornalista francesa Marie-Monique Robin, que investigou a ação de grupos
de extermínios franceses no Chile e na Argentina no documentário Esquadrão da Morte: A Escola Francesa.
Mónica
cita o trabalho de Marie-Monique para lembrar que "o general francês
Paul Aussaresses, principal torturador da guerra de independência da
Argélia (1954-1962), instalou no Brasil nos anos 1970 uma escola para
treinamento de torturadores do Brasil, Chile, Argentina, Uruguai e
Paraguai, com recursos financeiros da CIA (Agência de Inteligência dos
EUA). Por esse lugar, desfilaram os principais assassinos de nossos
países. Sobre os dinheiros que financiaram esses golpes e sobre a
repressão na região não se falou quase nada. O Brasil tem as chaves para
abrir as gavetas mais fundas."
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