Tradução: do “segurancês”, para português, 
espanhol, guarani, bolivariano, grego, árabe, pashtun, farsi, aimará et aliae*
29/8/2012, Kevin Carson, Counterpunch - “In 
the Land of False Cognates - On Translating Securityspeak into 
English”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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| Kevin Carson | 
Quem 
leia os pronunciamentos da comunidade de “segurança nacional” dos EUA é sempre 
assaltado, no mínimo, por uma dúvida: será que falam do mundo que todos nós 
habitamos? Ou falam de outro mundo, só deles? Tudo começa a fazer melhor sentido 
se se assume que o Estado de Vigilância e Controle, chamado estranhamente também 
de “Estado de Segurança”, tem idioma próprio: o “segurancês”. 
Como 
a Novilíngua, um inglês ideologicamente reformatado que substituiu o idioma 
corrente no mundo que Orwell descreve em1984, o “segurancês” foi 
reformatado para ocultar e apagar o mais possível qualquer informação 
verdadeira. Por exemplo, consideremos as declarações do embaixador Jaime 
Daremblum, Diretor do Centro de Estudos Latino-Americanos do Instituto Hudson, 
em 2010, em depoimento à Comissão 
de Relações Externas do Senado dos EUA. 
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| Jaime Daremblum | 
Daremblum, 
depois de elogiar os senadores Lugar e Dodd pelos esforços de muitos anos para 
promover “a segurança nacional e a democracia” na América Latina, alertou para 
os perigos do “populismo radical que se enraizou na Venezuela, Bolívia, Equador 
e Nicarágua.” Mais alarmante ainda, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, fez 
aliança com o Irã “principal patrocinador do terrorismo em todo o mundo.” O 
governo da Nicarágua, que “voltou às velhas táticas”, ocupa uma ilha fluvial da 
Costa Rica, em claro desrespeito ao que ordena a Organização dos Estados 
Americanos (OEA). 
A 
aliança firmada entre Chávez e o Irã é “a maior ameaça à estabilidade 
hemisférica desde a Guerra Fria”. O governo de Chávez é “séria ameaça aos 
interesses da segurança dos EUA”. 
UAAU! 
Parece conversa no mundo-às-avessas... Mas, se a dividimos em pedaços 
deglutíveis e traduzimos com calma e atenção, talvez até se possa extrair algum 
significado aproveitável dessas “declarações”. 
Para 
começar: em “segurancês”, “democracia” não significa o mesmo que significa em 
português, grego, bolivariano, espanhol, árabe, pashtun, farsi, aimará, tupi 
et aliae. Você, muito provavelmente, entende que “democracia” significa 
“regime no qual pessoas comuns têm meios para controlar os processos pelos quais 
se tomam decisões que afetam a vida delas”. 
E 
já começam os problemas. Porque em “segurancês” há um falso cognato, que soa 
como “democracia”, mas não significa “democracia”. Esse falso cognato, que só 
existe em “segurancês”, designa uma sociedade na qual o sistema de poder aparece 
sempre travestido, mascarado, ocultado, em rituais chamados “eleições 
periódicas”. Nessas eleições periódicas as pessoas escolhem entre candidatos que 
parecem diferentes, mas são, todos, saídos do mesmo grupo governante, que nunca 
muda. Os candidatos falam muito, parecem discutir muito, mas só falam e discutem 
questões secundárias, 20%, os temas sobre os quais discutem entre eles os vários 
partidos eleitorais que são, todos, facções do mesmo grupo governante. 80% das 
questões, as questões-chave, básicas, primárias – e sobre as quais não há 
qualquer discordância entre os partidos da classe governante – jamais aparecem 
nos debates eleitorais. 
Quando 
a própria estrutura do poder aparece nas discussões – quando o povo começa a 
falar contra, por exemplo, a propriedade da terra, concentrada em poucas mãos de 
latifundiários proprietários; ou contra uma política de desenvolvimento 
orientada só para a exportação – surgem sinais de que a “democracia” está sob o 
risco de ser trocada pelo tal “populismo radical”. Aí já é caso de “democracia” 
cujos únicos especialistas, os únicos que entendem da coisa-lá, são ou a 
CIA ou os Marines. Importante é o seguinte: em “segurancês”, 
“democracia” significa proteger a estrutura de poder favorável aos EUA que 
exista em qualquer ponto do mundo... Mas dando às pessoas a ilusão de que, 
porque votam em eleições periódicas, estariam escolhendo entre projetos 
diferentes. 
Deve-se 
também ter em mente que, em “segurancês”, o rótulo “estado patrocinador do 
terrorismo” nunca, jamais, em caso algum, pode aparecer associado ao nome dos 
EUA. Por essa razão, ações da Única Superpotência Dominante para promover a 
“democracia” nunca, jamais, em caso algum serão “ações terroristas”. Mas ações 
que promovam “populismo radical”, essas sim, sempre são. 
Com 
o acontece também na Novilíngua, ações consideradas elogiáveis se praticadas por 
uns, passam a ser repreensíveis se praticadas pelo outro. Vejam por exemplo (i) a ação da Nicarágua, que ocupou 
território da Costa Rica e desrespeitou resolução da OEA (é repreensível); e (ii) a ação praticada pelos EUA e que 
também desrespeitava resolução da OEA, quando os EUA minaram, com explosivos, o 
porto de Manágua, como meio para combater “populistas radicais” há 30 anos (é 
elogiável). 
É 
o caso de apresentar a aliança entre Irã e Venezuela como “a maior ameaça à 
estabilidade hemisférica depois da Guerra Fria”. Quase parece que só se fala em 
Guerra Fria, para lembrar as ações de detonação da estabilidade hemisférica 
promovidas, patrocinadas ou executadas pelos EUA durante e imediatamente depois 
da Guerra Fria. Afinal, os EUA derrubaram o governo democrático (“mudança de 
regime”, como se diz hoje, em “segurancês”) da Guatemala em 1954 e instalaram 
ali um regime militar que aterrorizou o país durante décadas. Os EUA apoiaram 
esquadrões da morte na América Central, que mataram centenas de milhares de 
pessoas. E instalaram ditaduras militares no poder (“mudança de regime”, a 
começar pelo golpe que depôs o governo democrático do Brasil nos anos 1960s). E 
ainda sem falar da Operação Condor, de Kissinger, nos anos 1970s, nem das demais 
ditaduras militares que os EUA puseram no poder em toda a América Latina. 
| Operação Condor | 
Mas 
essas coisas não entram na conta. Quando os EUA derrubam governos democráticos, 
um depois do outro, que caem como dominós, para instalar ditadores pró EUA no 
poder, por todo o hemisfério... A ação significa “proteger a estabilidade”, não 
pô-la abaixo. E tudo, sempre, para derrotar o tal “populismo radical” que, no 
dicionário de “segurancês”, é a única expressão que se deve traduzir por “ameaça 
à estabilidade”. 
Também 
em “segurancês”, dizer que uma aliança entre Venezuela e Irã é “ameaça” não 
significa que alguém esteja pensando em atacar e invadir território dos EUA. 
Significa apenas aqueles países preparam para defender-se, no caso de os EUA os 
atacarem; e que, nessas condições, talvez os EUA não consigam derrubar aqueles 
governos democráticos. São “ameaça”, em outras palavras, porque começa a surgir 
alguma possibilidade de o governo da Venezuela expropriar latifúndios e 
redistribuir terras a quem de fato trabalha a terra. São “ameaça”, afinal, 
porque algumas economias começam a tentar atender antes as necessidades e 
carências do próprio povo, do que os interesses das grandes empresas 
norte-americanas. Isso então deve-se traduzir sempre como “ameaça” (ao interesse 
das corporações norte-americanas). 
A 
expressão “segurança nacional” também é interessante, porque não significa, em 
“segurancês”, “segurança para o povo da nação norte-americana”. Significa, isso 
sim, “segurança para o Estado norte-americano e para a coligação de forças que o 
controla”. Nesse sentido, qualquer populismo econômico local é grave “ameaça à 
segurança nacional” [dos EUA]. Elites econômicas nos EUA são o coração (e o 
coldre) de um dos lados que lutam hoje em todo o mundo: os proprietários do 
mundo versus aqueles sem cujo sangue e suor não haveria mundo. Quando um 
servidor do Estado dos EUA, como Daremblum, usa o idioma do “segurancês” para 
falar de “ameaça à segurança nacional”, sua fala tem de ser traduzida como 
“ameaça à estabilidade dos proprietários do hemisfério, dos que precisam de 
estabilidade para continuar a extrair sangue e suor dos não proprietários, quer 
dizer, de nós”. 
Ora... Afinal, nem é tradução assim 
tão difícil!
Nota 
dos tradutores
*Latim: “e outras 
[línguas]”



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