18/5/2012, Pepe Escobar,
Asia Times Online – THE ROVING EYE
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar |
Hoje, o hino diz mais ou menos o
seguinte: “Baby, você não quer / voltar àquele antigo
lugar / doce lar [cinturão de aço], Chicago?”.
[1]
Robert
Johnson deve estar cuspindo fogo em seu túmulo bluezado, porque a Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN), em sua 25ª conferência, ocupa hoje Chicago
como se fosse Kabul – com os norte-americanos tratados como se fossem círculos
concêntricos de Talibãs. O Departamento de Segurança Nacional classificou o
evento como “Evento de Segurança Nacional Especial”; significa que o Serviço
Secreto, na prática, invadiu e ocupou Chicago.
É
cerco, sítio. Sítio total, completo – com barreiras de concreto estilo Iraque;
batalhões inteiros, em uniforme de contenção de tumultos urbanos; equipes “de
extração”, para localizar, deter e arrastar manifestantes, em ambiente de
“conflito de baixa intensidade”; e um convidado-estrela, orwelliano, o LRAD (Long-Range
Acoustic Device / equipamento acústico de longo alcance) – um canhão de som
projetado para “garantir que mensagem clara chegue a grandes massas”, segundo o
Departamento de Polícia de Chicago.
Soa como remake pirado do
imortal Os
Irmãos Cara de Pau
(The Blues Brothers, 1980) de John Landis. E que papel, diabos,
desempenhará o presidente dos EUA, Barack Obama? O Poderoso Chefão dos drones?
Aretha Franklin cantando Think [2]? Ou o pai&mãe do soul, James
Brown comandando o coro gospel de “ver a luz” [3]? Obama, afinal de contas, está em
Missão Divina – é o mestre de cerimônias da militarização de Chicago, imagem
especular da militarização do planeta, pela OTAN.
Quanto às multidões de
norte-americanos que se recusam a deixar-se ocupar pela OTAN, ou que decidiram
transformar o
Occupy
Chicago em Occupy a OTAN, o suplício das
multidões soa mais como Albert King: “Nasci sob um signo ruim / estou por
baixo desde que comecei a engatinhar / não fosse a má sorte / não teria sorte
alguma”. [4]
De caso com a Máfia [5]
A conferência de cúpula da OTAN em
Chicago é essencialmente uma celebração do “Conceito Estratégico”[6]adotado na
conferência de Lisboa, em novembro de 2010 – que é uma espécie de versão mais
palatável da doutrina de “dominação de pleno espectro” do Pentágono.
Prova crucial disso, mês passado,
em convescote
do Pentágono/OTAN em Norfolk, Virginia, a
secretária de Estado dos EUS, Hillary Clinton [7] salientou que a conferência de Chicago será
“o reconhecimento das contribuições operacionais, financeiras e políticas de
nossos parceiros, num gama de esforços para defender nossos valores comuns nos
Bálcãs, Afeganistão, Oriente Médio e Norte da África.”
E
fica-se a cogitar, que diabo de “valores comuns” estariam incorporados num
combate às cegas contra o fantasma de uma “al-Qaeda” no Afeganistão – que nada
tem sido além de repetidos ponta-pés no traseiro da OTAN, durante 11
intermináveis anos, aplicado sempre por hordas de nacionalistas pashtuns
enfurecidos e armados com Kalashnikovs e lança-rojões.
E
que diabo de “valores comuns” estão incorporados no bombardeio “humanitário”
contra a Líbia pelo
combo OTAN/AFRICOM – se o produto final, uma Líbia controlada por
“rebeldes” da OTAN, é hoje um inferno de milícias islamistas racistas hardcore, já
exportado atualmente para países vizinhos, como o Mali?
Isso,
para nem dizer que a OTAN recusa-se obcecadamente a reconhecer que assassinou
legiões de civis na Líbia, como parte de sua missão de R2P (responsabilidade de
proteger)... civis.
Ah,
sim! Em matéria de “parceiros” da OTAN, as coisas são doces feito
baba-de-moça.
Ser
convertido em “parceiro” da OTAN, sobretudo para os países menores, não é muito
diferente de ser obrigada a casar com toda a gangue.
Aplicam-se
as mais sofisticadas técnicas de extorsão. Por que não se alia à nossa coalizão
[a da hora] pela liberdade? Por que não contribui com alguns soldados? Por que
não compra algumas doces armas para nós? Ou seja lá o diabo que for...
Você sabe o
que é amar um avião-robô, um drone?
A própria OTAN diz que Chicago
[8] discutirá três principais
tópicos:
-
O “envolvimento no Afeganistão”. Tradução: ocupar para sempre, pelo menos com três grandes bases (Bagram, Shindand e Kandahar), mas temos de encontrar um jeito de dourar a pílula. Depois, temos de fazer aqueles “-stões” da Ásia Central nos darem mais bases.
-
As “capacidades” para “defender população e território afegãos” – como defendem a América do Norte e a Europa mediante bombardeio e/ou ocupação de partes da Ásia Central ou da África. Tudo isso reunido num ramalhete que leva o nome de “desafios para o século 21”.
-
A “rede de parceiros da OTAN pelo planeta”.
O
emaranhado das parcerias da OTAN é das mais bem-sucedidas distribuições de
caixas vazias de bombons da história.
Dentre as tais “parcerias” há: a
Parceria pela Paz; pelo Diálogo Mediterrâneo; a Iniciativa Istambul de
Cooperação; a Força Kosovo; a Operação Escudo Oceânico (no Chifre da África); a
Operação Protetor Unificado (na Líbia); a Operação Missão Ativa (no
Mediterrâneo); a Países Fornecedores de Tropas no Afeganistão, “parceria” na
qual se reúnem nações do Pacífico Asiático, Malásia, Mongólia, Cingapura, Coreia
do Sul e Tonga; e a monstruosa Parceria de Cooperação Menu (com mais de 1.600
pratos e guarnições). [9]
Há
também o Conselho Rússia-OTAN [ing. Russian-NATO Council (RNC)]; e jamais
houve parceria mais rachada em toda a humanidade, sobretudo por causa da
obsessão dos EUA com o escudo de mísseis de defesa.
O
untuoso, pegajoso, arrogante, dissimulado, bajulador secretário-geral da OTAN,
Dane Anders Fogh Rasmussen, já disse que, em Chicago, a OTAN anunciará
“capacidade operacional inicial” para o sistema interceptador conjunto de
mísseis EUA-OTAN na Europa. Tradução: fenomenal negócio para as empresas Boeing,
Lockheed Martin e Raytheon.
A
OTAN fala dele como um “sistema de defesa” da OTAN para a Europa, contra mísseis
balísticos intercontinentais da Coreia do Norte ou do Irã. É absoluto non sense. Esse “sistema de defesa” será
integrado à capacidade do Pentágono para “atacar primeiro”. A inteligência russa
sabe muito bem quem está previsto como alvo real.
Não
surpreende que a Rússia esteja ausente do convescote em Chicago. Também está
ausente a China. E o Irã.
O
Paquistão – atraído por quantidade não revelada de cenouras de metal polido – lá
está, chegado no último instante. Nada detém a OTAN. Há movimento interno para
que se invente algum tipo de parceria com os BRICS, grupo das potências
emergentes (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) –, tudo em nome da
“segurança em nível global”. Os BRICS não estão interessados.
O
Iraque “libertado” será inevitavelmente anexado à Iniciativa Istambul de
Cooperação. A Líbia “libertada” será inserida no Diálogo Mediterrâneo. O mesmo
acontecerá à Síria (desde que a Iniciativa Divina consiga mudança de regime). O
Irã “do Mal”, por sua vez, será sempre excluído. A menos que uma Missão Super
Divina consiga, lá, mudança de regime.
Em termos da
OTANlíngua, essa
parceira só-entra-com-convite explica-se pela necessidade de “melhorar a
interoperabilidade”, parte do plano geral para construir “uma teia de
relacionamentos em torno do mundo.” É o Conceito Estratégico de Lisboa 2010 em
prática: a OTAN-Globocop
expandindo-se – literalmente – até as estrelas.
Chicago,
portanto, é só um teste – estágio avançado de produção, comparado a Gaza ou Sadr City em Bagdá, ou ao que a RAND Corporation chamava de Operação
Militar em Terreno Urbano [ing. MOUT (Military Operations in Urban
Terrain)]. A OTAN, afinal, viu o futuro – e está imergindo, corpo e alma, na
“guerra dos aviões-robôs, os drones”. Se você não pode derrotá-los
no Pashtunistão, você, pelo menos,
pode encurralá-los na terra do blues.
Acordei de
manhã / e encontrei minha menina, dronada [10].
Nota
do título
*Lit.
“Doce lar, Chicago”. É verso de Chicago, um clássico do blues do delta do
Mississipi. Ouça com Robert Johnson:
E
com Barack Obama, na Casa Branca...
________________________________
Notas dos tradutores
[1] Orig.
C'mon, baby don't you wanna go / back to that same old place / sweet
home
[ring of steel] Chicago. A expressão entre
colchetes é
uma intervenção.
[2] Think, de Aretha Franklin e Ted White, 1968. Pode
ser ouvida a seguir. E a letra,
em tradução ruim, mas que ajuda a ler.
[3]
É cena de “Os irmãos cara de pau”, com James Brown no púlpito (esculhamba a
Internet) e os “irmãos”, ao fundo, vendo a luz (tendo um insight de que devem reunir
a banda, novamente). Assista, imperdível, a seguir:
[4] Orig. 1978: Born under a bad sign / I've been down
since I began to crawl / if it wasn't for bad luck / I wouldn't have no luck at
all. Ouve-se
em gravação de 1982
a seguir:
[6]
25/11/2012, Pepe
Escobar “EUA: Como criança em loja de doces da OTAN”
[7] 3/4/12, “Remarks to the World Affairs Council 2012 NATO Conference
US State Department”.
[8]
25ª Conferência da OTAN, website da
OTAN.
[9] Orig.
the Partnership for Peace; the Mediterranean Dialogue; the Istanbul
Cooperation Initiative; the Kosovo Force; Operation Ocean Shield (off the Horn
of Africa); Operation Unified Protector (in Libya); Operation Active Endeavor
(across the Mediterranean); the Troop Contributing Countries in Afghanistan,
which feature Asia-Pacific nations such as Malaysia, Mongolia, Singapore, South
Korea and Tonga; and the monstrous Partnership Cooperation Menu (with over 1,600
main dishes and side dishes).
[10] Orig.
Woke up this morning/and I found my baby gone [droned].
Sem
a palavra entre parênteses (mais uma intervenção), é verso de outro clássico,
do
blues
dito “rural”, de Leadbelly, de 1936. Em outra variação, é título de uma
peça (1968) e de um álbum póstumo (1980) de Jimmy Hendrix: "Woke Up This Morning
and Found Myself Dead" - ouve-se a seguir com Jim Morrison:
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