Em referência às intervenções militares na Líbia e na Costa do Marfim no ano passado, Paul Collier, “ex-presidente do mundo”, dá uma receita para a mudança de regime na Síria. O texto é revelador.
Paul Collier foi diretor do Departamento de Investigação para o Desenvolvimento no Banco Mundial (1998-2003). É conhecido pelo best-seller “O clube da miséria. O que há de errado com os países mais pobres do mundo”.Mas, atrás deste famoso economista, se esconde um veterano estrategista militar. Ele é autor de vários livros sobre guerras civis e um assessor importante de Tony Blair, que como primeiro-ministro britânico, em 1999 lançou uma nova doutrina de guerra justa, a chamada “doutrina da comunidade internacional” (doctrine of the international community). No final dos anos 90, as potências ocidentais buscavam uma nova legitimidade para a intervenção militar.
Essa doutrina parecia estar funcionando sem problemas, mas ocorreu a invasão do Iraque (2003), que causou uma grande ressaca. “Após o Iraque é muito mais difícil de obter apoio para uma intervenção militar”, suspirou Collier [1]. Mas não se preocupe. As intervenções militares dos últimos anos na Líbia e na Costa do Marfim nos liberaram da “Síndrome do Iraque”. Os “gendarmes” do Ocidente removeram os obstáculos para a intervenção.
Com base nas últimas intervenções, Collier desenvolveu uma receita para uma mudança de regime na Síria [2], que pode perfeitamente servir de base para outras intervenções “humanitárias” (leia-se militares) no futuro.
Segue a receita:
1) Certifique-se de que os protestos no referido país tomem proporções de tal forma que a resposta do governo ou do exército cruze uma linha vermelha que seja inaceitável para a opinião pública internacional. Isto é, assegure-se de que a oposição provoca agressão suficiente e espera que o exército utilize uma violência similar ou maior.
[Para que essa parte da receita funcione é preciso que alcance uma cobertura ‘vantajosa’ dos meios de comunicação internacional. Neste contexto, uma organização humanitária ‘independente’ aliada com o Ocidente, que informa sobre o número das vítimas, é muito conveniente. Nota do autor]
2) Desseque financeiramente o país para que seus militares fiquem inseguros se receberão seus pagamentos.
3) Crie uma forte liderança de oposição. [Forneça dólares suficientes para isto]. Esta liderança pode recrutar figuras-chaves do exército ou do governo, que após a mudança de regime ficarão em cargos de alto escalão.
4) Fortaleça a capacidade militar da oposição com armas e apoio logístico. Os sucessos da Costa do Marfim e Líbia demonstraram que um exército rebelde, que em teoria é débil, pode triunfar com um pouco de apoio.
[O que o homem se esquece de mencionar é que sem o apoio militar direto do Ocidente a receita não tem como obter êxito. Na Líbia eram mercenários e tropas especiais. Nos dois países ocorreram ataques aéreos. Na Síria, tropas de terra especiais e mercenários já são bem ativos e Washington tem planos de utilizar aviões não tripulados (drones)]
No entanto, Collier observa um problema com o último ponto, ou seja, com o enfoque militar. Com a finalidade de ganhar a opinião pública, o Ocidente, invariavelmente, confunde a estratégia de um discurso humanitário e apresenta os sucessos como um conflito, onde civis inocentes e desarmados são vítimas da violência indiscriminada por parte do governo.
Começar a armar a oposição muda o caráter do conflito. Então, já não se trata de civis inocentes ou indefesos. O conflito, portanto, será considerado facilmente como uma guerra civil ordinária, em que o Ocidente dá apoio militar a uma das partes beligerantes. Isto, “sem dúvida, será vergonhosamente confuso e farsante”, disse Collier.
Notas:
[1] Collier P., ‘ El club de la miseria. Qué falla en los países más pobres del mundo ‘ , Madrid 2008, capítulo 8.
[2] Collier P., ‘ Syria’s regime is another doomed dictatorship’, Financial Times, 11 abril 2012, p. 9.
* Tradução de Sandra Luiz Alves
Por Marc Vandepitte, em CubaDebate
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