23/7/2012, Santiago Zabala, Al-Jazeera 
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Santiago Zabala 
é pesquisador e professor de filosofia da Institució Catalana de Recerca i 
Estudis Avançats, ICREA [1], da Universidade de Barcelona. 
É autor, dentre outros trabalhos, de The Hermeneutic Nature of Analytic 
Philosophy (2008), The Remains of Being (2009), e, mais recentemente, 
com G. Vattimo, Hermeneutic Communism (2011), todos publicados pela 
Columbia University Press.
Barcelona 
– Ler Marx e escrever sobre Marx não faz de ninguém comunista, mas a evidência 
de que tantos importantes filósofos estão reavaliando as ideias de Marx com 
certeza significa alguma coisa. 
| A crise financeira de 2008 despertou um renovado interesse nos escritos de Karl Marx, afirma Zabala [EPA] | 
Depois 
da crise econômica global que começou no outono de 2008, voltaram a aparecer nas 
livrarias novas edições de textos de Marx, além de introduções, biografias e 
novas interpretações do mestre alemão. 
Por mais que essa 
ressurreição[2]tenha sido provocada pelo 
derretimento financeiro global, para o qual não faltou a empenhada colaboração 
de governos democráticos na Europa e nos EUA, esse ressurgimento[3]de Marx entre os filósofos não é 
consequência nem simples nem óbvia, como creem alguns. 
Afinal, já no início dos anos 
1990s, Jacques Derrida[4], importante filósofo francês, 
previu que o mundo procuraria novamente por Marx. A previsão certeira apareceu 
na resposta que Derrida escreveu a uma autoproclamada “vitória neoliberal” e ao 
“fim da história” inventados por Francis Fukuyama. 
Contra 
as previsões de Fukuyama, o movimento Occupy e a Primavera Árabe demonstraram 
que a história já caminha por novos tempos e vias, indiferente aos paradigmas 
econômico, neoliberal e internacional sob os quais vivem alguns. Vários 
importantes pensadores comunistas (Judith Balso, Bruno Bosteels, Susan 
Buck-Mors, Jodi Dean, Terry Eagleton, Jean-Luc Nancy, Jacques Rancière, dentre 
outros), dos quais Slavoj Zizek é o que mais aparece, já operam para ver e 
mostrar como esses novos tempos são descritos em termos comunistas, quer dizer, 
como via de ação radical. 
O movimento acontece não só em 
conferências de repercussão planetária em Londres[5], Paris[6], Berlin[7]e New York[8](com participação de milhares de 
professores, alunos e ativistas) mas também na edição de livros que se convertem 
em best-sellers globais como Império 
[9] de Toni Negri e 
Michael Hardt, A Hipótese Comunista 
[10] de Alain Badiou e Ecce 
Comu [11] de Gianni Vattimo, dentre 
outros. Embora nem todos esses filósofos apresentem-se como comunistas – não, 
com certeza, como o mesmo tipo de comunista – a evidência de que o pensamento 
comunista está no centro de seu trabalho intelectual autoriza a perguntar por 
que há hoje tantos filósofos comunistas tão ativos. 
A 
ressurgência do marxismo 
Evidentemente, 
nessas conferências e nesses livros, o comunismo não é proposto como programa 
para partidos políticos, para que reproduzam regimes historicamente superados; é 
proposto como resposta existencial à atual catástrofe neoliberal global. 
A 
correlação entre existência e filosofia é constitutiva, não só da maioria das 
tradições filosóficas, mas também das tradições políticas, no que tenham a ver 
com a responsabilidade sobre o bem-estar existencial dos seres humanos. Afinal, 
a política não é apenas instrumento posto a serviço da vida burocrática diária 
dos governos. Mais importante do que isso, a política existe para oferecer guia 
confiável rumo a uma existência mais plena. Mas quando essa e outras obrigações 
da política deixam de ser cumpridas pelos políticos profissionais, os filósofos 
tendem a tornar-se mais existenciais, vale dizer, tendem a questionar a 
realidade e a propor alternativas. 
Foi 
o que aconteceu no início do século 20, quando Oswald Spengler, Karl Popper e 
outros filósofos começaram a chamar a atenção para os perigos da racionalização 
cega de todos os campos da atividade humana e de uma industrialização sem 
limites em todo o planeta. Mas a política, em vez de resistir à industrialização 
do homem e da vida humana, limitou-se a seguir uma mesma lógica industrial. As 
consequências foram devastadoras, como todos já sabemos. 
Hoje, 
as coisas não são essencialmente diferentes, se se consideram os efeitos 
igualmente calamitosos do neoliberalismo. Apesar do discurso triunfalista do 
neoliberalismo, a crise das finanças globais neoliberais do início do século 21 
serviu para mostrar que nunca as diferenças de bem-estar material foram maiores 
ou mais claras que hoje: a população que vive em favelas urbanas alcança hoje a 
cifra espantosa de 25 milhões de pessoas; e a devastação dos recursos naturais 
do planeta já provoca efeitos assustadores em todo o mundo, tão devastadores 
que, em alguns casos, já não há remédio possível. 
Por isso tudo, relatório recente 
do Ministério da Defesa da Grã-Bretanha[12]previa, além de uma ressurgência 
de “ideologias anticapitalistas, possivelmente associadas movimentos religiosos, 
anarquistas ou nihilistas, também movimentos associados ao populismo; além do 
renascimento do marxismo". Essa ressurgência do marxismo é consequência direta 
da aniquilação das condições de existência humana resultantes do capitalismo 
neoliberal como o conhecemos. 
O que é 
“comunismo”? 
Por 
mais que a palavra “comunista” tenha adquirido inumeráveis diferentes 
significados ao longo da história, na opinião pública atual significa, além de 
uma espécie de relíquia, também um sistema político cujos componentes culturais, 
sociais e econômicos são todos controlados pelo estado. 
Por 
mais que talvez seja o caso em alguns países, para a maioria dos filósofos e 
pensadores contemporâneos esse significado é insuficiente, está superado, é 
efeito de propaganda massiva e, sobretudo, é diariamente desmentido pela 
evidência de que o mundo não estaria vivendo uma “ressurgência” do marxismo, se 
o comunismo marxista fosse apenas isso. 
Como 
diz Zizek, “o comunismo de estado não funcionou, não por fracasso do comunismo, 
mas por causa do fracasso das políticas antiestatizantes, porque não se 
conseguiu quebrar as limitações que o estado impôs ao comunismo, porque não se 
substituíram as formas de organização do estado por formas “diretas” não 
representativas de auto-organização social”. 
O 
comunismo, como ideário antiestatizante das oportunidades realmente iguais para 
todos, é hoje a melhor orientação, o melhor guia, a melhor ideia, a melhor 
hipótese para os movimentos políticos libertários antipoder, como os que 
nasceram dos protestos em Seattle (1999), Cochabamba (2000) e Barcelona (2011). 
Por 
mais que esses movimentos lutem em nome de causas e valores específicos e 
diferentes entre eles (contra a globalização econômica desigualitária, contra a 
privatização da água, contra políticas financeiras danosas), todos lutam contra 
o mesmo adversário: o sistema de distribuição não igualitária da propriedade, em 
democracias organizadas pelos princípios impositivos do capitalismo. 
Como 
o demonstram a pobreza sempre crescente e o inchaço das favelas, o modelo de 
capitalismo que conhecemos foi o que sobrou, depois de todas as tentativas que o 
capitalismo empreendeu antes da mais recente, e que fracassaram todas, uma 
depois da outra. Desses diferentes e variados fracassos, brotaram diferentes e 
variados comunistas. 
Comunismo 
e democracia 
Em resumo, enquanto Negri e 
Hardt[13]buscam no “comum” (quer dizer, nos 
modos pelos quais a propriedade pública imaterial pode ser propriedade dos 
muitos), e Badiou busca nas insurreições (em ações como a da Comuna de 
Paris)[14], a possibilidade de se alcançarem 
“formas de auto-organização” não estatais, quer dizer, a possibilidade de formas 
comunistas, Vattimo (e eu)[15]sugerimos que todos examinemos os 
novos líderes democraticamente eleitos na Venezuela, Bolívia e outros países 
latino-americanos.[16]
Se 
esses líderes conseguiram chegar ao governo e começar a construir políticas 
comunistas sem insurreições violentas, não foi por terem chegado ao mundo 
político armados por fortes conteúdos teóricos ou programáticos; de fato, só 
levaram para dentro do poder de governos de seus respectivos países as suas 
próprias respectivas fraquezas. 
Diferente da agenda pregada pelo 
“socialismo científico”, o comunismo “fraco” (também chamado 
“hermenêutico”[17]) abraçou não só a causa 
ecológica[18]do des-crescimento, mas também a 
causa da descentralização do sistema burocrático estatal, de modo a permitir que 
se constituam conselhos independentes locais, que estimulam o envolvimento das 
comunidades. 
Que ninguém se surpreenda pois se 
muitos outros filósofos continuarem a aproximar-se e reaproximar-se do comunismo 
como resposta às políticas neoliberais de destruição da vida e da felicidade 
pessoais e sociais, e se virem, como nós vimos, a alternativa[19]que se constrói na América Latina. 
Especialmente, porque as nações latino-americanas demonstraram que os comunistas 
podem ter acesso ao poder também pelas vias formais da 
democracia.
Notas 
e “links” de referência
[3]http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2009/oct/08/communism-university-workplace-occupations?INTCMP=ILCNETTXT3487
[7]http://www.volksbuehne-berlin.de/praxis/en/idee_des_kommunismus__philosophie_und_kunst/?id_datum=2533
[9] Império, 
2005, Rio de Janeiro: Ed. Record, 501 p.
[10] A 
hipótese comunista, 2012, São Paulo: Boitempo Editorial, 152 
p.
[17] Hermenêutico: 
adj. Relativo à interpretação dos textos, do sentido das palavras. (...) 3) 
Rubrica: 
semiologia. Teoria, 
ciência voltada à interpretação dos signos e de seu valor simbólico. 
Obs.: 
cf. semiologia 
4) Rubrica: 
termo jurídico. 
Conjunto de regras e princípios usados na interpretação do texto legal (...). 
Etimologia: gr. herméneutikê (sc. tékhné) “arte de 
interpretar”, herméneutikós,ê,ón “relativo a interpretação, próprio para 
fazer compreender” [NTs, com verbete HERMENÊUTICA 
do Dicionário Houaiss,


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