terça-feira, 21 de agosto de 2012

Fome afeta 18 milhões de pessoas em países da África Ocidental e Central 21/08/2012

Maryam Sy e cinco de seus nove filhos dividem uma tigela de mingau de tamarindo, provavelmente a única refeição que eles tiveram no dia, na vila de de Goudoude Diobe, no nordeste do Senegal, onde a seca castiga as comunidades locais. Desde o final de 2011, a seca vem enfraquecendo comunidades onde as crianças já vivem próximas à subnutrição. As fotos, divulgadas neste sábado (26), mostram cenas registradas no início de maio 

A atual abundância de vegetação na faixa saheliana (região da África situada entre o deserto do Saara e terras mais férteis ao sul) engana. Isso porque o encorajador início da estação chuvosa não impediu os efeitos das precipitações erráticas de 2011, responsável pelas colheitas medíocres, que se sentem hoje. Os países do Sahel estão atravessando uma nova crise alimentar, depois das que ocorreram em 2005 e em 2010.

Segundo as Nações Unidas, esse novo episódio atinge cerca de 18 milhões de pessoas, que em sua maior parte vivem no Níger, em Mali, no e na Mauritânia. Em 2012, mais de um milhão de crianças sahelianas com menos de 5 anos deverão ser tratadas por desnutrição severa, o que constitui, segundo a Médicos Sem Fronteiras (MSF), um número jamais atingido na história das intervenções humanitárias.

A frequência desses centros de recuperação nutricional está atualmente em seu nível mais alto, avalia o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). “O número de novos casos de desnutrição severa tratados no Níger é de mil por dia desde abril”, garante Martin Dawes, seu diretor regional de comunicação. A situação é particularmente crítica no Chade, onde o índice de desnutrição aguda entre as crianças com menos de 5 anos ultrapassa o limiar de emergência de 15% em nove das onze regiões, segundo a Unicef.

O período de entressafra, que corresponde ao esgotamento das reservas alimentares dos cidadãos, começou especialmente cedo em 2012, já em fevereiro, em alguns casos.

Ele deve continuar até as próximas colheitas, esperadas em outubro. Nesse meio tempo, as famílias dependerão da disponibilidade de cereais nos mercados.

Só que o aumento dos preços dos alimentos impede o acesso das populações mais vulneráveis a esses mercados. Segundo a Agência dos EUA para o Desenvolvimento Internacional (Usaid), o preço do painço era, em junho, de 10% a 80% superior à média sazonal.

Mas a preparação precoce – já no final de 2011 – de uma resposta da maior parte dos Estados envolvidos, das instituições internacionais e das organizações não governamentais (ONG) permitiu, diferentemente de episódios anteriores, limitar a extensão da crise. Distribuições de dinheiro e de alimentos às populações mais vulneráveis, bem como vendas de cereais a preços subsidiados, foram efetuadas preventivamente.

Alimentos terapêuticos também foram encaminhados para os centros de recuperação nutricional, para que estes estejam preparados para atender ao afluxo de pacientes esperado na estação chuvosa, quando a malária e as diarreias fragilizam as crianças. “A rapidez da reação dos doadores permitiu evitar que a crise se transformasse em um desastre”, afirma Martin Dawes.

A ONU calculou em US$ 1,6 bilhão (cerca de R$ 3,2 bilhões) as necessidades de financiamentos, mas os compromissos assumidos pelos doadores correspondem a somente pouco mais da metade dessa soma. O auxílio de emergência continua sendo amplamente privilegiado em detrimento de ações que permitam atacar as causas estruturais dessas repetidas crises. “Fala-se muito em resiliência e em uma necessária mudança de paradigma, mas a atitude dos doadores não muda de fato”, observa Gaëlle Bausson, porta-voz da ONG Oxfam no Níger.

A nova estação chuvosa teve início bem cedo (a partir de maio, em certas regiões) e as precipitações se mostraram contínuas e regulares, o que teve por efeito aliviar essas populações pastorais e preencher os lagos, estimulando o crescimento dos pastos. Ainda que elas também tenham provocado inundações em certas regiões.

“Os dados dos quais dispomos são, com algumas exceções, animadores”, acredita Martin Morand, diretor regional da Action Contre la Faim (ACF).

Apesar da perspectiva de boas colheitas, ainda é cedo demais para comemorar. Os habitantes do Sahel na verdade se encontram diante de quatro ameaças: o aumento do preço dos alimentos no mundo – que pesa especialmente sobre países de baixa renda - , a instabilidade política no Mali, o recrudescimento da cólera e a presença de gafanhotos-do-deserto no norte do Mali e do Níger.

Esses destruidores de plantações, vindos dos confins da Argélia e da Líbia, encontraram no “Sahel dos pastos” um quadro favorável à sua reprodução. Depois, tudo dependerá das chuvas. “Se as regiões onde eles se encontram atualmente secarem, eles podem descer para o Sahel das plantações em setembro,” afirma Annie Monard, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). “Estamos na expectativa”.

Uma infestação de grande amplitude poderia ameaçar a segurança alimentar de 50 milhões de pessoas, de acordo com a ONU. Equipes de monitoramento foram enviadas ao Níger e à parte do Mali que permanece sob controle do governo central. Uma reunião de especialistas regionais está prevista para 3 a 5 de setembro em Nuakchott, na Mauritânia. Mas a impossibilidade de intervir no norte do Mali, em razão da rebelião em andamento, aumenta os riscos.

Da mesma forma, a presença de mais de 260 mil refugiados malineses nos países limítrofes agravou a crise alimentar, aumentando a pressão sobre os víveres disponíveis. Por fim, os campos de refugiados são um local particularmente propício para a propagação da cólera, que apareceu no início de 2012 na região.

Segundo a Unicef, 29 mil casos e 700 mortes foram registrados na África Ocidental e na África Central desde o início do ano. Os países costeiros – entre eles Serra Leoa, onde 176 mortes foram registradas – e a curva do Níger foram particularmente afetados. “É preocupante demais,” alerta o coordenador regional da Action Contre la Faim, “em um contexto de crise alimentar, sendo que as populações já estão enfraquecidas”.

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