247 - Uma frase do ministro e 
professor Delfim Netto, sobre a doméstica que se transformou em manicure
 e passou a usar sabonete Dove, é o retrato perfeito da grande 
transformação social em curso no Brasil. Leia na coluna de Elio Gaspari:
Veio do professor Antonio Delfim Netto a boa resposta aos 
sábios que defendem uma freada na economia. Numa breve declaração à 
repórter Gabriela Valente, ele disse o seguinte:
—A empregada doméstica 
virou manicure ou foi trabalhar num call center. Agora, ela toma banho 
com sabonete Dove. A proposta desses “gênios” é fazer com que ela volte a
 usar sabão de coco aumentando os juros.
Aos 84 anos, com treze de 
ministério, durante os quais mandou na economia como ninguém, mais vinte
 de Câmara dos Deputados, Delfim diz que o Brasil vive um “processo 
civilizatório”. Graças ao restabelecimento do valor da moeda por 
Fernando Henrique Cardoso e ao foco social expandido por Lula, Pindorama
 passa por uma experiência semelhante à dos Estados Unidos durante o 
governo de Franklin Roosevelt. Em poucas palavras: ou tem capitalismo 
para todo mundo ou não tem para ninguém.
Ao tempo dos gênios, um 
ministro do Trabalho disse que o Brasil não tinha desemprego, mas gente 
sem condições de empregabilidade. Em 2002, havia no país seis milhões de
 desocupados. Entre eles, estivera o engenheiro Odil Garcez Filho. Em 
1982, quando Delfim era ministro do Planejamento, ele fora demitido, 
decidiu abrir uma lanchonete na Avenida Paulista e a batizou de “O 
Engenheiro que virou Suco”. No vidro da caixa colou seu diploma. Garcez 
morreu em 2001 e não viveu uma época em que faltam engenheiros no 
mercado.
A doméstica que virou 
manicure da metáfora de Delfim Netto não tem identidade, mas é um 
contraponto ao Brasil de Garcez, de uma época em que os gênios viriam a 
atribuir a falta de absorventes femininos a um “aquecimento da demanda”,
 como se o Plano Cruzado tivesse interferido do ciclo biológico das 
mulheres. Com seu sabonete Dove, a manicure de Delfim entrou num mercado
 de higiene pessoal que em 2012 faturou mais R$ 30 bilhões.
O “processo civilizatório” 
incomoda. Empregada doméstica com hora extra e acesso à multa do FGTS, o
 sujeito de bermuda e chinelo no check-in do aeroporto, cotistas e 
bolsistas do ProUni na mesma faculdade do Junior são um estorvo para a 
ordem natural das coisas. Como o foram a jornada de oito horas, os 
nordestinos migrando para São Paulo e o voto do analfabeto.
Quando Roosevelt redesenhou
 a sociedade americana, a oposição republicana levou décadas para 
entender que estava diante de um fenômeno histórico. Descontando-se os 
oito anos em que o país foi presidido pelo general Eisenhower, ela só 
voltou verdadeiramente ao poder em 1968, com Richard Nixon, 36 anos 
depois.
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