O que é a recessão num paìs pobre, todos sabemos na carne. Nos
paìses ricos, estamos lendo nos jornais e vendo, de alguma forma, no
desarranjo econômico do mundo. Mas nenhum de nós tem ideia de que também
os chamados “paraísos fiscais” estão sofrendo com ela. Claro que não os
ricos, os que lá levam ou lavam seus dinheiros tirados da exploração ou
da sonegação. Mas os pobres, que lhes prestam serviços e fazem aquelas
pequenas comunidades funcionar.
Rafael Ramos Marín, do jornal espanhol La Vanguardia, foi ver como é. E, como sempre, quem paga são os pobres.
A recessão não chegou à ilha de Man (goza de um quarto de século de crescimento económico consecutivo, o ano passado cresceu 2,5%), mas os cortes chegaram. Tal como em Jersey e em Guernsey (ilhas do Canal da Mancha), também aqui se nota o impacto da campanha internacional para apertar o cerco aos paraísos fiscais, obrigando-os a uma maior transparência e a cortarem privilégios. Isso traduz-se numa perda de receitas e em déficit orçamentário, que não é pago pelos multimilionários mas sim pelos trabalhadores. É o efeito Robin Wood ao contrário, tirar aos pobres para dar aos ricos.
“Se destruírem o nosso sistema financeiro convertem-nos numa espécie de Liverpool, mas com um clima ainda pior”, diz o primeiro-ministro da ilha de Man, Alan Bell, que na última reunião do G-8 prometeu colaborar na luta contra a fraude fiscal e “ter em conta as preocupações de Londres e da União Europeia”, mas sem se comprometer com nada de concreto. É lógico. O setor financeiro representa um quarto da economia da ilha, graças ao fato de não existirem impostos sobre as empresas e de o imposto máximo sobre o rendimento ser de 10%, com um teto de 125 mil euros anuais, seja qual for o valor total do rendimento. Não há impostos sucessórios nem mais-valias. Para os milionários, é uma verdadeira pechincha.
Paraíso fiscal situado no meio do mar da Irlanda, a ilha de Man é um sítio muito especial, conhecido pelas suas corridas de motas, com dois programas de exploração lunar ativos, um ministro dos Assuntos do Espaço e uma empresa (Excalibur Almaz) que desde a aventura da Apolo 17, há mais de 40 anos, tenta ser a primeira a organizar a próxima viagem à lua. Os aposentados fazem figuração nas numerosas produções de cinema e de televisão que ali são rodadas (meia centena, até hoje), aproveitando o simpático regime fiscal.
Mas trata-se de uma riqueza eletrónica, que tecnicamente está na ilha mas que é gozada em Londres, Nova York ou Saint-Tropez. O passeio marítimo de Douglas, a capital, não é exatamente La Croisette de Cannes. Não há mansões fabulosas, porque os ricaços só “tecnicamente” ali moram. As casas e as lojas não são nem melhores nem piores do que em qualquer outro lugar do norte de Inglaterra. Os salários dos 80 mil habitantes (quase todos brancos) são semelhantes aos do Reino Unido, mas o custo de vida é muito mais alto. Arrendar uma casa é mais caro e os alimentos chegam de barco ou de avião.
E agora, vão ser aplicados a todos os ministérios cortes da ordem dos 35 milhões de euros, exceto na Saúde e Educação, e que afetarão sobretudo os trabalhadores temporários (são necessários cinco anos de residência para ter direito ao Seguro Social). Tudo isto porque Londres decidiu cortar o pedaço do bolo que cabia à ilha em receitas de comércio e de apostas, e que significam quase 500 milhões de euros ao ano (cerca de 60% do orçamento). E subir os impostos dos ricos, nem pensar, evidentemente! “É a pior crise de que me lembro, e olhe que já não sou nova”, diz aaposentada Norma Cassell, num salão de chá do centro de Douglas.
As ilhas anglo-normandas de Jersey e Guernsey, no canal da Mancha, apenas a quinze quilómetros da costa francesa, têm o mesmo estatuto da ilha de Man: não fazem parte nem do Reino Unido nem da União Europeia, não são colónias nem territórios ultramarinos, dependem da coroa britânica e têm hino e bandeira, juram lealdade à Rainha, pagam uma quota a Londres para que se encarregue da sua defesa e da sua diplomacia, mas têm leis próprias, sobretudo em matéria de impostos.
Calcula-se que só em Jersey estejam 600 milhões de euros em dinheiro que fugiu de impostos, oculto nas contas e nos fundos de meia centena de bancos internacionais. Mais de metade dos 98 mil habitantes são bancários, contadores, advogados e assessores financeiros. É como um grande clube de campo, cuja inscrição custa, no mínimo, onze anos de residência, ter bens no valor de oito milhões de euros e comprar uma casa que custe, no mínimo, dois milhões de euros.
Os anúncios no aeroporto de St. Helier oferecem assessoria fiscal e gestão de propriedades, e não restaurantes de comida rápida. Mas, tal como em Douglas, falta-lhe glamour. Casas normalíssimas (algumas bastantes degradadas), as mesmas lojas das mesmas cadeias, como em qualquer outro lado. O rendimento per capita é de 22 mil euros, mais alto que o inglês, mas os camponeses (assim são conhecidas na gíria local as pessoas não são milionárias nem trabalham na área financeira) estão furiosos com a subida de 3% do imposto para compensar a queda das receitas causada pela crescente pressão sobre os paraísos fiscais.
“Se aqui fosse a França já tinha havido uma revolução, é incrível que sejamos nós, os pobres, a subsidiar os milionários”, lamenta-se Edith Newman, empregada de farmácia, ao balcão do pub The Admiral, na James Street. A história é igual à da ilha de Man.
“Há muito blá-blá-blá por causa da crise, mas os paraísos existem porque assim o desejam as classes dirigentes e os governos. É tudo fita. Só Jersey fornece 200 milhões de euros de liquidez ao sistema bancário britânico, uma válvula de segurança que caiu que nem cereja na crise financeira – diz um gestor de fundos com escritório em Royal Square –. Se os Estados precisam de dinheiro, vão buscá-lo nas pensões e nos salários, não às grandes fortunas.”
Um segredo que já todo mundo sabe e que chegou numa garrafa às ilhas do tesouro.
Por: Fernando Brito
Rafael Ramos Marín, do jornal espanhol La Vanguardia, foi ver como é. E, como sempre, quem paga são os pobres.
Segredos milionários nas ilhas do tesouro
Não param de chegar refugiados à ilha de Man. Mas não vêm em botes, como os que chegam a Tarifa (cidade andaluz) e à costa andaluza, mas sim em jatos privados. E quem os espera, para lhes dar as boas vindas, não é a Guarda Civil, mas motoristas particulares que lhes abrem a porta de um Bentley, de um Porsche ou de um Ferrari (a ilha tem uma das maiores concentrações de carros de luxo do mundo). Não fogem da fome e da miséria, mas do imposto de 50% sobre os rendimentos mais altos no Reino Unido e da obsessão dos governos em fiscalizar o seu dinheiro.A recessão não chegou à ilha de Man (goza de um quarto de século de crescimento económico consecutivo, o ano passado cresceu 2,5%), mas os cortes chegaram. Tal como em Jersey e em Guernsey (ilhas do Canal da Mancha), também aqui se nota o impacto da campanha internacional para apertar o cerco aos paraísos fiscais, obrigando-os a uma maior transparência e a cortarem privilégios. Isso traduz-se numa perda de receitas e em déficit orçamentário, que não é pago pelos multimilionários mas sim pelos trabalhadores. É o efeito Robin Wood ao contrário, tirar aos pobres para dar aos ricos.
“Se destruírem o nosso sistema financeiro convertem-nos numa espécie de Liverpool, mas com um clima ainda pior”, diz o primeiro-ministro da ilha de Man, Alan Bell, que na última reunião do G-8 prometeu colaborar na luta contra a fraude fiscal e “ter em conta as preocupações de Londres e da União Europeia”, mas sem se comprometer com nada de concreto. É lógico. O setor financeiro representa um quarto da economia da ilha, graças ao fato de não existirem impostos sobre as empresas e de o imposto máximo sobre o rendimento ser de 10%, com um teto de 125 mil euros anuais, seja qual for o valor total do rendimento. Não há impostos sucessórios nem mais-valias. Para os milionários, é uma verdadeira pechincha.
Paraíso fiscal situado no meio do mar da Irlanda, a ilha de Man é um sítio muito especial, conhecido pelas suas corridas de motas, com dois programas de exploração lunar ativos, um ministro dos Assuntos do Espaço e uma empresa (Excalibur Almaz) que desde a aventura da Apolo 17, há mais de 40 anos, tenta ser a primeira a organizar a próxima viagem à lua. Os aposentados fazem figuração nas numerosas produções de cinema e de televisão que ali são rodadas (meia centena, até hoje), aproveitando o simpático regime fiscal.
Mas trata-se de uma riqueza eletrónica, que tecnicamente está na ilha mas que é gozada em Londres, Nova York ou Saint-Tropez. O passeio marítimo de Douglas, a capital, não é exatamente La Croisette de Cannes. Não há mansões fabulosas, porque os ricaços só “tecnicamente” ali moram. As casas e as lojas não são nem melhores nem piores do que em qualquer outro lugar do norte de Inglaterra. Os salários dos 80 mil habitantes (quase todos brancos) são semelhantes aos do Reino Unido, mas o custo de vida é muito mais alto. Arrendar uma casa é mais caro e os alimentos chegam de barco ou de avião.
E agora, vão ser aplicados a todos os ministérios cortes da ordem dos 35 milhões de euros, exceto na Saúde e Educação, e que afetarão sobretudo os trabalhadores temporários (são necessários cinco anos de residência para ter direito ao Seguro Social). Tudo isto porque Londres decidiu cortar o pedaço do bolo que cabia à ilha em receitas de comércio e de apostas, e que significam quase 500 milhões de euros ao ano (cerca de 60% do orçamento). E subir os impostos dos ricos, nem pensar, evidentemente! “É a pior crise de que me lembro, e olhe que já não sou nova”, diz aaposentada Norma Cassell, num salão de chá do centro de Douglas.
As ilhas anglo-normandas de Jersey e Guernsey, no canal da Mancha, apenas a quinze quilómetros da costa francesa, têm o mesmo estatuto da ilha de Man: não fazem parte nem do Reino Unido nem da União Europeia, não são colónias nem territórios ultramarinos, dependem da coroa britânica e têm hino e bandeira, juram lealdade à Rainha, pagam uma quota a Londres para que se encarregue da sua defesa e da sua diplomacia, mas têm leis próprias, sobretudo em matéria de impostos.
Calcula-se que só em Jersey estejam 600 milhões de euros em dinheiro que fugiu de impostos, oculto nas contas e nos fundos de meia centena de bancos internacionais. Mais de metade dos 98 mil habitantes são bancários, contadores, advogados e assessores financeiros. É como um grande clube de campo, cuja inscrição custa, no mínimo, onze anos de residência, ter bens no valor de oito milhões de euros e comprar uma casa que custe, no mínimo, dois milhões de euros.
Os anúncios no aeroporto de St. Helier oferecem assessoria fiscal e gestão de propriedades, e não restaurantes de comida rápida. Mas, tal como em Douglas, falta-lhe glamour. Casas normalíssimas (algumas bastantes degradadas), as mesmas lojas das mesmas cadeias, como em qualquer outro lado. O rendimento per capita é de 22 mil euros, mais alto que o inglês, mas os camponeses (assim são conhecidas na gíria local as pessoas não são milionárias nem trabalham na área financeira) estão furiosos com a subida de 3% do imposto para compensar a queda das receitas causada pela crescente pressão sobre os paraísos fiscais.
“Se aqui fosse a França já tinha havido uma revolução, é incrível que sejamos nós, os pobres, a subsidiar os milionários”, lamenta-se Edith Newman, empregada de farmácia, ao balcão do pub The Admiral, na James Street. A história é igual à da ilha de Man.
“Há muito blá-blá-blá por causa da crise, mas os paraísos existem porque assim o desejam as classes dirigentes e os governos. É tudo fita. Só Jersey fornece 200 milhões de euros de liquidez ao sistema bancário britânico, uma válvula de segurança que caiu que nem cereja na crise financeira – diz um gestor de fundos com escritório em Royal Square –. Se os Estados precisam de dinheiro, vão buscá-lo nas pensões e nos salários, não às grandes fortunas.”
Um segredo que já todo mundo sabe e que chegou numa garrafa às ilhas do tesouro.
Por: Fernando Brito
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