Num país onde o SUS é utilizado por 80% da população, 61% consideram o serviço público de saúde ruim ou péssimo (CNI/IBOPE de 12-01). A contrapartida sinaliza um quase consenso: 95% afirmam que o ponto catalítico da insatisfação, a demora nas filas, requer mais investimentos em médicos e equipamentos.
O paradoxal e, profundamente preocupante, começa a partir daí. À sensatez do diagnóstico segue-se uma colagem de assertivas e proposições que mimetizam a postura da mídia e da elite brasileira em relação ao serviço público (leia matéria de André Barrocal nesta pág.). A saber: 96% dos ouvidos pela pesquisa CNI/IBOPE são contra aumentar impostos para suprir as deficiências do setor; 82% consideram que recursos adicionais poderiam ser obtidos 'se o governo acabasse com a corrupção'.
Em resumo, a sociedade comprou a lenga-lenga que pavimentou a extinção da CPMF em 2007. Cerca de R$ 40 bi anuais foram subtraídos então do orçamento federal, em operação lubrificada pelo jogral midiático da redução do ‘custo Brasil'.
O financiamento da saúde pública voltaria ao debate no final de 2011 com a discussão da emenda 29. Inútil. Cristalizou-se a vitória da agenda ortodoxa no imaginário brasileiro. Não por seu mérito. A esquerda - e como ela, o governo da Presidenta Dilma, todo ele, sem exceção - contribuiu para esse desfecho. À artilharia conservadora, fez-se uma defesa envergonhada, ambígua, nada assertiva e quase clandestina da solução apresentada formalmente pelo PT: a criação de uma taxa 0,01% sobre o lucro bancário e sobre as remessas de lucros ao exterior.
O equilibrismo de bambolê entregou a opinião pública à semeadura ortodoxa. Os frutos amargos começam a ser colhidos, mostra a pesquisa da CNI/IBOPE.
A safra deixa o governo em apreciável saia justa: de um lado, espremido pela justa insatisfação popular; de outro, obrigado a dar respostas sem ter a legitimidade para alçar os meios necessário, cabíveis e justos.
Se quisessem esclarecer a opinião pública sobre a verdadeira disputa em torno do orçamento da saúde pública, o PT e o governo teriam à disposição dados contundentes e irrespondíveis. Por exemplo:
a) não há registro de abatimento de preço de qualquer produto a partir da extinção da CPMF que, na verdade, penalizava (taxa de 0,37%) apenas grandes transações e a sonegação embutida na prática do caixa 2;
b) cruzamentos de dados da Receita Federal demonstraram que dos 100 maiores contribuintes da CPMF, 62 nunca tinham recolhido imposto de renda no Brasil --nunca;
c) a carga fiscal do país, da ordem de 35% do PIB, cai substancialmente quando descontados subsídios, renúncias e incentivos ao setor privado;
d) debitada, por exemplo, a média de 6% do PIB entregue aos rentistas como serviço dívida pública, a carga líquida já cai a 29%;
e) cerca de 44% da carga fiscal brasileira advém de imposto indireto embutido em bens de consumo de massa, pesando proporcionalmente mais no orçamento dos pobres do que no dos ricos;
f) levantamento feito pela instituição inglesa UHY demonstra que a alíquota fiscal máxima brasileira é uma das mais amigáveis do mundo com os ricos, situando-se em 54º lugar no ranking de intensidade;
g) pesquisa do Inesc, de 2007, mostra que o lucro dos bancos brasileiros aumentou 446% entre 2000 e 2006, enquanto o IR do setor só cresceu 211%: em termos absolutos os assalariados pagam quatro vezes mais imposto que os bancos;
h) por fim, cabe lembrar que as remessas de lucros e dividendos do capital estrangeiro crescem explosivamente nas contas nacionais: somaram US$ 30,4 bi em 2010, salto de 20,4% sobre 2009.
Não faltariam argumentos. Bem utilizados, os resultados da pesquisa CNI/Ibope hoje seriam substancialmente distintos e, quem sabe, a contabilidade da saúde pública também. O esclarecimento corajoso não foi a escolha petista, nem a postura do governo. Chegou a fatura. O que ela ensina é que a ambiguidade tem custo: é barato na entrada; caro na saída.
O paradoxal e, profundamente preocupante, começa a partir daí. À sensatez do diagnóstico segue-se uma colagem de assertivas e proposições que mimetizam a postura da mídia e da elite brasileira em relação ao serviço público (leia matéria de André Barrocal nesta pág.). A saber: 96% dos ouvidos pela pesquisa CNI/IBOPE são contra aumentar impostos para suprir as deficiências do setor; 82% consideram que recursos adicionais poderiam ser obtidos 'se o governo acabasse com a corrupção'.
Em resumo, a sociedade comprou a lenga-lenga que pavimentou a extinção da CPMF em 2007. Cerca de R$ 40 bi anuais foram subtraídos então do orçamento federal, em operação lubrificada pelo jogral midiático da redução do ‘custo Brasil'.
O financiamento da saúde pública voltaria ao debate no final de 2011 com a discussão da emenda 29. Inútil. Cristalizou-se a vitória da agenda ortodoxa no imaginário brasileiro. Não por seu mérito. A esquerda - e como ela, o governo da Presidenta Dilma, todo ele, sem exceção - contribuiu para esse desfecho. À artilharia conservadora, fez-se uma defesa envergonhada, ambígua, nada assertiva e quase clandestina da solução apresentada formalmente pelo PT: a criação de uma taxa 0,01% sobre o lucro bancário e sobre as remessas de lucros ao exterior.
O equilibrismo de bambolê entregou a opinião pública à semeadura ortodoxa. Os frutos amargos começam a ser colhidos, mostra a pesquisa da CNI/IBOPE.
A safra deixa o governo em apreciável saia justa: de um lado, espremido pela justa insatisfação popular; de outro, obrigado a dar respostas sem ter a legitimidade para alçar os meios necessário, cabíveis e justos.
Se quisessem esclarecer a opinião pública sobre a verdadeira disputa em torno do orçamento da saúde pública, o PT e o governo teriam à disposição dados contundentes e irrespondíveis. Por exemplo:
a) não há registro de abatimento de preço de qualquer produto a partir da extinção da CPMF que, na verdade, penalizava (taxa de 0,37%) apenas grandes transações e a sonegação embutida na prática do caixa 2;
b) cruzamentos de dados da Receita Federal demonstraram que dos 100 maiores contribuintes da CPMF, 62 nunca tinham recolhido imposto de renda no Brasil --nunca;
c) a carga fiscal do país, da ordem de 35% do PIB, cai substancialmente quando descontados subsídios, renúncias e incentivos ao setor privado;
d) debitada, por exemplo, a média de 6% do PIB entregue aos rentistas como serviço dívida pública, a carga líquida já cai a 29%;
e) cerca de 44% da carga fiscal brasileira advém de imposto indireto embutido em bens de consumo de massa, pesando proporcionalmente mais no orçamento dos pobres do que no dos ricos;
f) levantamento feito pela instituição inglesa UHY demonstra que a alíquota fiscal máxima brasileira é uma das mais amigáveis do mundo com os ricos, situando-se em 54º lugar no ranking de intensidade;
g) pesquisa do Inesc, de 2007, mostra que o lucro dos bancos brasileiros aumentou 446% entre 2000 e 2006, enquanto o IR do setor só cresceu 211%: em termos absolutos os assalariados pagam quatro vezes mais imposto que os bancos;
h) por fim, cabe lembrar que as remessas de lucros e dividendos do capital estrangeiro crescem explosivamente nas contas nacionais: somaram US$ 30,4 bi em 2010, salto de 20,4% sobre 2009.
Não faltariam argumentos. Bem utilizados, os resultados da pesquisa CNI/Ibope hoje seriam substancialmente distintos e, quem sabe, a contabilidade da saúde pública também. O esclarecimento corajoso não foi a escolha petista, nem a postura do governo. Chegou a fatura. O que ela ensina é que a ambiguidade tem custo: é barato na entrada; caro na saída.
Postado por Saul Leblon às 21:19
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