Publicado por *Mário Augusto
Jakobskind
E
o ex-ditador Jorge Rafael Videla (foto acima) abriu o jogo ao admitir que a
ditadura que comandava matou entre sete e oito mil pessoas. Elas estavam presas
ou sequestradas e, nas palavras do militar, “para não provocar protestos dentro
e fora do país”.
Responsável
por um maior número de mortes do que o admitido, Videla, cumprindo prisão
perpétua, confessou ainda que “não havia outra solução” e a cúpula militar
“estava de acordo que era o preço a pagar para ganhar a guerra contra a
subversão”.
A
confissão, sem nenhum arrependimento vai sair em um livro do jornalista Ceferino
Reato com o título Disposición
Final, la confesión de Videla sobre los desaparecidos. Na verdade, o
que se fez na Argentina não difere em muito da "solução final" colocada em
prática pelos nazistas contra judeus, ciganos, subversivos e
outros.
Enquanto
isso, aqui no Brasil continua a expectativa de que a Presidenta Dilma Rousseff
divulgue os sete nomes que integrarão a Comissão da Verdade, aprovada pelo
Congresso em novembro do ano passado. E lá se vão seis
meses.
O
caso brasileiro é peculiar. Os defensores da Lei da Anistia, promulgada ainda no
tempo da ditadura e que manteve impune agentes do Estado que violaram os
direitos humanos, lembram a todo momento que ela continua em vigor. Alegam que a
decisão foi confirmada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal e não se pode
fazer mais nada etc e tal. Justificam até que não cabe reviver o passado e tal.
Mas silenciam quando questionados que os violadores de direitos humanos nem
julgados foram para serem anistiados.
Nesse
sentido, vale mencionar o caso do Chile, um país extremamente conservador nos
mais variados campos e que elegeu Sebastián Piñera, colaborador da ditadura de
Pinochet. Pois bem, apesar do conservadorismo, apesar de Piñera e apesar de
estar em vigor uma Lei de Anistia, como
no Brasil, promulgada nos estertores da ditadura, neste momento mais de mil
agentes do Estado, civis e militares, estão sendo julgados pelos crimes lesa
humanidade cometidos. Cento e vinte foram condenados.
Como
se explica que mesmo com a Lei da Anistia em vigor as entidades defensoras dos
direitos humanos conseguiram reverter o quadro da
impunidade?
Nesta
história merece destaque a participação do juiz espanhol Baltazar Garzón, que
colocou o ditador Augusto Pinochet em prisão domiciliar em Londres, em 1998.
Foi, sem dúvida, um gol de placa jurídico, embora depois de algum tempo o
ditador tivesse ganho o direito de voltar ao Chile.
Na
ocasião, ficou a promessa de que prosseguiria no Chile o juízo contra Pinochet e
outros agentes do Estado que cometeram barbaridades. Ocorreram muitas ações
judiciais continuadas até o dia de hoje.
Garzón
pode ser considerado o iniciador do processo de se fazer justiça no Chile, que
na prática tornou a Lei de Anistia letra morta. Mas não foi só isso, as
entidades defensoras dos direitos humanos e familiares das vítimas da repressão
não pararam de se movimentar em busca da memória, verdade e justiça, inclusive
com manifestações de protestos nas portas das casas e prédios onde residem
torturadores que ficaram impunes até bem pouco tempo.
No
Chile também houve momentos em que setores conservadores e até mesmo os que
tinham culpa no cartório faziam ameaças e lembravam que a Lei da Anistia estava
vigente etc. e tal. Os mais extremistas ameaçavam com retrocesso, esquecendo-se
que o mundo de hoje é diferente daquele da época do golpe que derrubou Salvador
Allende com o total apoio do Departamento de Estado norte-americano e da
ditadura brasileira.
É
importante conhecer o que se passa no Chile, pois aqui neste momento estão
acontecendo fatos parecidos. Os com culpa no cartório fazem ameaças via internet
e comemoram o golpe de abril de 64. São figuras mantenedoras de um tempo de
retrocesso que se espera o Brasil jamais reviverá.
É
preciso fazer justiça ao magistrado espanhol Baltazar Garzón, que está sendo
vítima do conservadorismo em seu país. Os ministros da
instância máxima da justiça espanhola determinaram o afastamento de Garzón das
hostes judiciais por um prazo de superior a dez anos. Na prática encerraram a
carreira de Garzón na magistratura espanhola.
Garzón
recebeu a solidariedade concreta do Congresso argentino, que o convocou para
prestar assessoria jurídica à Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos
Deputados. Por aqui poderiam também ter feito o mesmo ou pelo menos um ato de
desagravo a Garzón que, querendo ou não os agentes de Estado que cometeram
atrocidades nos mais diversos rincões do Cone Sul, entrou para a história desta
região do mundo.
Já
na Colômbia, sem a participação do presidente Rafael Correa, do Equador, devido ao
não convite a Cuba, realizou-se em Cartagena a VIa.
Cúpula das Américas. Barack Obama lá esteve para falar o que se
esperava, defendendo seus interesses e, ainda por cima, certificar a Colômbia em
termos de direitos trabalhistas, isso como último item para a implementação do
Acordo de Livre Comércio entre os dois países. O que a Secretária de Estado
Hillary Clinton veio propor no Brasil.
Incrível!
Na prática o presidente dos Estados Unidos ajudou o governo colombiano a
esconder fatos graves que lá ocorrem, exatamente na área trabalhista. Para se
ter uma ideia, mesmo com o programa de proteção do Estado em vigor desde 1998,
no período de 1984
a 2011 foram assassinados mais de 1.190 sindicalistas,
segundo denúncias de entidades como o Centro de Estudos de Direito, Justiça e
Sociedade, a Fundação Ideias para a Paz e tantas outras.
E
isso, apesar de o artigo 39 da Constituição colombiana afirmar que “os
trabalhadores têm direito a constituir sindicatos”.
Barack
Obama simplesmente ignorou tudo isso e se posicionou de forma apenas a defender
os interesses dos Estados Unidos, algo que seu país vem fazendo há muito
tempo.
Mas
falar da Cúpula de Cartagena sem mencionar o papel positivo da Presidenta Dilma
Rousseff seria um lapso. Dilma falou de igual para igual com Obama ao lembrar
que a relação dos EUA na América Latina deve ser entre iguais e não da forma
como tem acontecido, ou seja, que só é levado em conta os interesses
estadunidenses.
Fez
bem Cristina Kirchner em sair antes do fim da cúpula, que nada mencionou na
declaração final sobre as Malvinas, que são argentinas. Cuba, por causa dos EUA
e Canadá, também ficou de fora no texto.
*Mário
Augusto Jakobskind é
correspondente no Brasil do semanário uruguaio Brecha. Foi colaborador do
Pasquim, repórter da Folha de São Paulo e editor internacional da Tribuna da
Imprensa. Integra o Conselho Editorial do seminário Brasil de Fato. É autor,
entre outros livros, de América que não está na mídia, Dossiê Tim Lopes -
Fantástico/IBOPE
Enviado
por Direto da
Redação
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