30/6/2012, MK Bhadrakumar*, Indian Punchline
blog
Traduzido e comentado pelo pessoal
da Vila Vudu
Comentário do
Coletivo de Tradutores da Vila Vudu: Cá
na Vila Vudu, entendemos que nenhum fato interessa. Afinal, de zilhões de
trilhões de fatos que acontecem no mundo, só uma ínfima porção chega aos jornais
e televisões. Para cada dez milhões de paulistas gente finíssima, só uma meia
dúzia assalta passantes ou assalta o erário público ou assalta bancos; são
assaltantes de varejo, coisa miúda.
Os bancos
assaltam no atacado, diariamente, universalmente, planetariamente, e assaltam
quaquilhões de zilhões de pessoas. E só os assaltantes que assaltam no varejo
ganham manchete. Para ensinar que os bancos não roubam, mas assaltantes pé de
chinelo, sim, roubam. E que, dado que a propriedade é direito santificado, o
roubo seria pecado mortal. Conversa fiada. Nada disso nos interessa.
Entendemos
que é mais justo que o ladrão nos assalte ou nos mate, do que nos pormos nós,
brancos, bem nutridos, poliglotas letradíssimos, nós, a recomendar cadeia para
crianças e adolescentes analfabetos e com fome, como se isso fosse alguma
‘civilização’, alguma ‘ética’ ou alguma ‘moral & bons costumes’. Que se
danem o papa, o governador, a moral & os bons costumes.
Entendemos,
radicalmente, que não interessam fatos acontecidos e que menos ainda interessam
fatos completamente inventados e sempre construídos-interpretados pela cabeça
das elianescantanhedes ou dos jabores & waacks, cujas interpretações e
opinionismo tosco tampouco nos interessam. Aliás... por que deveriam nos
interessar?!
O mundo
viveu séculos e séculos absolutamente sem jornalismo comercial. E se o mundo não
alcançou a felicidade e a justiça e a paz sem jornalismo, não resta dúvida de
que o mundo também não alcançou a felicidade e a justiça e a paz, apesar dos
trilhões de bilhões de quaquilhões que rolam hoje na indústria da notícia, vale
dizer, na indústria & comércio do fato jornalístico.
Nenhuma
indústria & comércio do fato jornalístico é mais potente, economicamente,
nem tem tentáculos mais longos, nem fala mais, mais incansavelmente, sem
silêncios, sem pausas, que a indústria norte-americana do fato jornalístico.
Pois, com
jornalismo e tudo, os EUA estão quebrados; são odiados em mais da metade do
mundo; e estão, hoje, calculando por cima, inventando, promovendo e mantendo
CINCO GUERRAS, em todas elas matando gente aos montes, ultimamente, à distância,
sem nem sujar a farda & coturnos, ou dronando o mundo por aí, às cegas, sem
dó; ou armando militarmente a parte pirada da oposição síria.
A indústria
norte-americana do fato – o chamado jornalismo norte-americano – ajuda a matar,
ajuda a vender drones e ensina a
repetir ideias feitas sobre ditaduras e ditadores. E, nessa labuta jornalística,
a bandidagem jornalística enriquece a bandidagem da indústria da guerra, e se
autoenriquece, no processo.
O jornalismo
indústria & comércio é embuste sempre e sempre foi. Mas, feito como é feito
no Brasil-2012, pior que embuste, é golpe, no sentido de que os jornais, os
jornalistas e o jornalismo atuam como partido político (sem votos) e visam a
comandar o poder político, sem passar pelas urnas.
Se a
democracia representativa como a conhecemos hoje já é fraca e pouca, pra
promover alguma justiça social, na luta sem fim contra a grana-nua-e-crua, o
jornalismo golpista, em democracias precárias, é receita para democracias cada
dia mais precárias.
Que
importância teria, para alguém, o que pensa (supondo-se que efetivamente pense ,
e é possível que apenas minta e nem pense o que “declara” histrionicamente,
todos os dias, ao Jornal Nacional) o senador Álvaro Dias?! Lembram quando o
“líder da oposição” era o Virgílio? Não passava um dia sem que o doido lá
estivesse, em rede nacional, na TV Globo, falando “pela oposição”, sempre
elogiado pelo ex-FHC e atual NADA. Cadê o Virgílio? Ninguém sabe, ninguém viu.
Não foi reeleito. Dançô. Destino igual aguarda o facinoroso Álvaro Dias e,
claro, suas “declarações” “jornalísticas” para o Jornal Nacional, todos os
dias.
O jornalismo
como o conhecemos no Brasil faz (MUITO) mais mal ao Brasil e aos brasileiros,
que o crime organizado. É muito pior que praga de gafanhotos. É pior que a
saúva. O jornalismo que é vendido no Brasil a consumidores eleitores PAGANTES
está podre. Não há “democratização” possível para ele. Não há “reforma” que
converta o que não é (coisa alguma que preste), em algo que seja (qualquer coisa
que preste). O jornalismo que se conhece no Brasil deve ser extinto.
As empresas
comerciais jornalísticas brasileiras ativas hoje – o Grupo GAFE,
Globo-Abril-FSP-Estadão – devem ser declaradas “organizações criminosas” e
proibidas de operar; como, um belo dia, o comércio de escravos foi declarado
ilegal e proibido no Brasil, os mercadores de gente declarados criminosos. Caso
de polícia.
O direito de
empreender, o sacrossanto direito liberal de livre empreendimento – que, no
Brasil, no que tange à indústria & comércio do fato, traveste-se de
“liberdade de manifestação” ou “liberdade de imprensa” – afinal de contas,
também tem limites. Ou não?! Alguém pode vender salsicha podre? Alguém pode
vender remédio falso? Claro que não. Por que o William Waack pode(ria) vender o
que lhe passa pela cabeça, sem nunca ouvir e sem nunca deixar falar o
contraditório?!
Xilindró
pros diretores, editores e acionistas da indústria & comércio do fato, no
Brasil. Pena de prestação de serviços comunitários, prôs jornalistas empregados
que sejam apenas idiotas simples, ou idiotas venais, tristes penas-alugadas. E
cana dura, prôs demais jornalistas e colunistas fascistas sinceros. Isso feito,
a democracia talvez tenha alguma chance no Brasil.
Por essas e
outras, nós, cá na Vila Vudu, não fazemos jornalismo. Cá na Vila Vudu, deixamos
nossa atenção flutuar desatenta, distraída, despautada. E, vez ou outra, quando
encontrarmos algo que NOS AJUDA, pessoal e diretamente, a entender melhor alguma
coisa, nós traduzimos e distribuímos, trabalho voluntário, gratuito, militante.
Lê quem queira.
Pesquisa
recente mostrou que, em três anos de trabalho diário, mais de três milhões de
pessoas em todo o planeta já leram o que distribuímos e vários blogs reproduzem.
E nossos números estão aumentando. Centenas de milhares escrevem, agradecendo.
Felicidade é isso.
Nesse pique,
entendemos que, vez ou outra, um quase-fato e, mesmo, um não-fato ou fato muito
distante de nossa “realidade” do dia a dia (ou que se pressuponha distante),
interessa mais que qualquer fato jornalístico próximo, noticiado à moda do
facinoroso “jornalismo” do Grupo GAFE (Globo-Abril-FSP-Estadão) que desgraça o
Brasil.
Por isso, a
coluna abaixo, postada hoje num blog indiano, assinada por comentarista generoso
– porque distribui a mancheias, gratuitamente, a quem queira ler, suas opiniões
de observador excepcionalmente bem informado, com lado declarado e não
jornalista – pareceu-nos mais interessante para o Brasil-2012, que tooooooda a
edição do sábado somada a toooooda a edição dominical de toooodos os jornais e
revistas que o Grupo GAFE impingiu e impingirá, hoje e amanhã, aos eleitores no
Brasil-2012.
O evento aí
comentado é um ataque, pela polícia do Estado da Índia, a um grupo de
guerrilheiros marxistas maoístas que existe desde os anos 70s, na selva do
nordeste da Índia. São tratados como “organização terrorista” vocês sabem por
quem – o que não nos interessa e só interessa vocês sabem a quem.
O que nos interessa é que são marxistas maoístas e
resistem há 40 anos, nas selvas indianas. Há informação histórica sobre eles em:
Maoist
Communist Centre of Índia (em inglês), prôs que se interessem por informação histórica
semiconfiável. E, ontem, 6ª-feira, na selva do estado de Chhattisgarh, no centro
da Índia, esses maoístas indianos foram atacados pelas forças de segurança do
Estado indiano. Morreram 19 maoístas indianos.
O artigo que
traduzimos abaixo pergunta uma pergunta tão necessária, quanto impossível no
jornalismo que conhecemos: como é
possível que, no século 21, uma sociedade capitalista avançada como a Índia,
civilização milenar, potência emergente, país dos BRICS, como o Brasil, não seja
capaz de dar conta civilizadamente e democraticamente de um grupo de
guerrilheiros marxistas maoístas que se meteram na selva há 40 anos e lá se
mantêm, vivos, resistentes e maoístas?!
Nossa resposta é: a culpa, do Oiapoque ao Chuí,
passando pelas guerras de Hilária & Obama e pelas selvas do estado indiano
de Chhattisgarh,
cá como lá, é dos jornais, dos
jornalistas e do jornalismo do capital, idêntico em todo o mundo, embora em
nenhum lugar do mundo seja tão ruim quanto o jornalismo que desgraça o
Brasil-2012.
O capital é
absolutamente incapaz de argumentar e ouvir contra-argumentos. Argumentar e
ouvir contra-argumentos exige tempo. E tempo é dinheiro. O capital tem pressa. O
capital não é humano nem racional. O capital fala sozinho (como D. Eliane
Cantanhede, o Jabor e o senador Álvaro Dias e o Augusto Nunes, Dona Danuza
Leão). O capital só entende a língua da ignorância ou da violência impressa ou
televisionada, e das armas em geral. O capital emburrece. O capital mata. Quem
deixe o capital dizer o que bem entenda e manifestar-se livremente, como se o
capital gerasse direitos, como se o capital gerasse o direito de escrever leis,
morre.
E isso,
afinal, explica, simultaneamente tudo: a resistência dos maoístas indianos
resistentes; a violência policial; a ignorância que o jornalismo existe para
construir e distribuir, e constrói e distribui mediante o discurso jornalístico
da indústria & comércio do fato; a salafrarice do senador Álvaro Dias; e o
ganha-pão sem vergonha dos jornais, dos jornalistas e do jornalismo que desgraça
o Brasil-2012 (e que desgraça, aqui, mais do que desgraça na Índia, porque o
jornalismo brasileiro é o pior do mundo).
Aí vai. Lê
quem queira.
A Índia independente tem sido
coerente na abordagem a milhões de motins que ameaçaram a unidade e a
integridade nacionais nos últimos mais de 60 anos [1]. O
padrão é mais ou menos o seguinte: ninguém se preocupa com o povo viver
alienado, apesar de as causas da alienação não serem mistério e poderem ser
atacadas; vez ou outra, o partido governante até explora a alienação popular,
para atender seus objetivos eleitorais (Khalistan); com o tempo, as feridas se
agravam; quando já estão gravemente infeccionadas, o Estado indiano cauteriza
uma ou outra ferida mais infectada, sem anestesia, para que o paciente, se não
morrer da cura, encolha-se de medo, guarde para sempre a horrenda memória da
brutalidade do Estado, escafeda-se, com sorte, para sempre, e aprenda a lição.
Mas
nenhuma ferida, de fato, é tratada, para ser curada e nenhuma se cura. Os
estados de Jammu & Kashmir e os estados do nordeste da Índia continuam sob
ocupação do exército indiano. Não haverá outro modo para enfrentar a alienação
política no século 21?
A
Índia se orgulha de ser país diferenciado na comunidade das nações, porque é
país moral. Nos fóruns internacionais, a Índia já começa a perder a timidez e
começa a assumir posições no campo dos direitos e da segurança humanos – por
exemplo, no caso do Sri Lanka e da Síria, no Alto Comissariado da ONU para
Refugiados, em Genebra, recentemente. Tem-se manifestado nos debates no Conselho
de Segurança da ONU – sobre o Sudão e o Afeganistão. São atitudes que se
recomendam, é claro, para país que aspire a ser potência regional.
Chhattisgarth (em vermelho) |
Mas,
no que tenha a ver com questões nacionais, a situação é bem outra. O “grande
confronto” entre o Estado indiano e os maoístas nas selvas de Chhattisgarh na
6ª-feira, mais uma vez, obriga a ver a tragédia da situação. Já começam a chegar
noticias de que as forças de segurança da Índia atacaram vilas isoladas na selva
e massacraram civis, na calada da noite de 5ª para 6ª-feira.
Entre
os 19 maoístas mortos, há uma jovem de 15 anos – e apenas dois dos 19 mortos
foram identificados como guerrilheiros extremistas de esquerda. Nesse caso, quem
são os outros 17 mortos?
O
ministro do Interior está preocupado com o prêmio de 10 milhões de dólares que
os EUA ofereceram pela cabeça de Hafiz Saeed, fundador do grupo paquistanês
Lashkar-e-Toiba, acusado de ser o principal responsável pelos ataques de 2008 em
Mumbai. Façamos votos de que, quando o ministro resolver esse caso, cuide de
informar o que de fato aconteceu. O pessoal dos serviços de segurança declarou
que “uns poucos moradores inocentes podem ter morrido no fogo cruzado”. Santo
Deus! Quanto é “uns poucos”, em termos de mortos?
O
mais chocante é que nenhum político indiano, todos os partidos considerados,
nada têm a dizer. Estão ocupados com a eleição do próximo presidente da Índia –
ou, então, só pensam nas “reformas”. Quando 19 cidadãos são assassinados pelas
forças da ordem em país civilizado, na segunda década do século 21, espera-se
alguma comoção no mundo “político”. Na Índia, não? O silêncio dos políticos
aponta claramente o terrível enfraquecimento da fibra moral.
Ainda
mais repreensível é o ensurdecedor silêncio dos partidos da esquerda indiana
que, pelo menos em tese, operam ou deveriam operar no mesmo campo ideológico que
os maoístas indianos. OK. Os maoístas são rebeldes desiludidos com a esquerda
partidarizada e com a democracia burguesa. Nem por isso se tornaram “de
direita”. A China não os reconhece. OK. É problema da China. Mas... e a
esquerda da Índia?
De
fato, a presença dos grupos maoístas em partes da Índia onde a esquerda indiana
“oficial” sequer existe mostra que eles têm legitimidade e credibilidade
conquistada por eles mesmos, em trabalho com as populações locais de um país
imenso, que ainda são sensíveis aos ideais igualitários e democratizatórios do
comunismo. Liderança mais ilustrada, na esquerda indiana, buscaria o diálogo com
aqueles militantes, talvez isolados, talvez desorientados. Bom ponto de partida
seria indignar-se ante o assassinato de 19 camaradas, na selva de Chhattisgarh.
Que tenham enterro comunista decente
Nota dos
tradutores
[1] A Índia recuperou a independência
(dos ingleses) em 1947.
MK
Bhadrakumar* foi diplomata de
carreira do Serviço Exterior da Índia. Prestou serviços na União Soviética,
Coreia do Sul, Sri Lanka, Alemanha, Afeganistão, Paquistão, Uzbequistão e
Turquia. É especialista em questões do
Afeganistão e Paquistão e escreve
sobre temas de energia e segurança para várias publicações, dentre as
quais The
Hindu, Asia
Online e Indian Punchline.
É o filho mais velho de MK Kumaran (1915–1994), famoso escritor, jornalista,
tradutor e militante de Kerala.
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