Smiley e West entrevistaram pessoas que um dia já fizeram parte da típica classe média norte-americana, com casa, carro, plano de saúde, emprego estável, filhos em boas escolas, TV a cabo, etc. Mas são cidadãos que, de repente, com a crise, perderam tudo, começando pelo emprego – e não apenas um dos membros da família, mas todos ficaram desempregados.
Com esse duro golpe, surgiram as dificuldades que parecem nunca parar de se multiplicar e renovar: ficaram dependentes do seguro social do governo, colecionam cupons de desconto de comida para conseguir se alimentar, buscam suporte de organizações de apoio a desabrigados e desempregados, dormem nos próprios carros (quando perderam a casa e ainda conseguem conservar o veículo) , engrossam as estatísticas do desemprego e tantas outras carências.
Uma verdadeira miríade de dificuldades que antes – e aqui está o grande ponto do livro de Smiley e West – acontecia apenas com “os outros”, com “aqueles pobres” sobre o qual falavam nos noticiários de maneira distante. Só que agora, o “eles” transformou-se em “nós”, e a classe média norte-americana virou a classe pobre, paralisada com a falta de recursos materiais, com a fome e o desemprego, mas também com o fato social profundo, carregado de preconceitos e estigma, de ser chamado de pobre.
O nome que não se fala
Num país com cerca de 300 milhões de habitantes, 150 milhões estão em pobreza “persistente” ou perto da pobreza, segundo apuraram os autores do livro. Cerca de 14 milhões de pessoas estão oficialmente desempregadas – neste número não são contabilizadas os cidadãos que já desistiram de buscar emprego. Estes são alguns dos piores índices em mais de 50 anos. Enquanto isso, apenas 400 cidadãos extremamente ricos possuem a riqueza de 150 milhões de pessoas no país.
Para além das 12 ideias concretas para combater a pobreza que os autores apresentam no final do livro, Smiley e West estão certos de que o desafio para os Estados Unidos neste século é, antes de tudo, de ordem cultural: para enfrentar a pobreza de fato, é preciso admitir que ela existe, chamá-la pelo nome e acabar de vez com o estigma de que ela é fruto de desvio de caráter, de inabilidade social, profissional ou das escolhas erradas feitas pelas pessoas.
A pobreza instalada hoje nos Estados Unidos, segundo os autores, é resultado da desindustrialização, do envio de empregos para fora do país, dos benefícios fiscais concedidos aos ricos, dos lucros exorbitantes das empresas, além de outros inúmeros fatores. Assim, ela já não é mais “primazia” de negros, latinos e mulheres – embora eles ainda sejam os mais prejudicados. No fim das contas, a pobreza – com suas roupagens contemporâneas – ainda é resultado da ganância, da histórica exploração dos menos favorecidos pelos ricos, sempre em nome da maximização do lucro e do acúmulo de riqueza.
A pobreza na boca dos políticos
Trazendo o tema para o momento das eleições, os autores dizem que os candidatos em campanha dirão frases perfeitas de apoio à classe média. “É o terreno seguro”, dizem. “A maioria da classe média deslizante e dos novos pobres são votantes brancos. Apoiar a classe média não tem risco inerente; não demanda nenhum sacrifício especial”.
Apoiar os pobres, porém, é um terreno arriscado para os políticos – para Obama e Romney, neste caso. E isso porque sair em defesa dos pobres significa, por tabela, condenar e contrariar as ações dos ricos, daquele 1% que controla 42% da riqueza do país feita à custa do empobrecimento alheio, daquele 1% que, por acaso, é o que financia as campanhas dos candidatos – e hoje em dia, tornar-se presidente dos Estados Unidos é uma tarefa bilionária. A pobreza não é obra do acaso, assim como a vista grossa que se faz sobre ela.
Em tempo
Confiram no Instagram (@omundi) a galeria de fotos que fiz ontem caminhando por duas regiões completamente díspares de Nova York: Upper East Side, uma das partes mais ricas de Manhattan, e a Bushwick Avenue, uma das avenidas mais descuidadas do Brooklin, bairro a sudoeste da cidade. Diferenças que quase não aparecem nos noticiários do Brasil e que, segundo apuraram Smiley e West, estão longe de serem conhecidas e assimiladas até pelos norte-americanos.
Quer acompanhar as principais fotos dessa viagem? Siga o Opera Mundi no Instagram: @omundi
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