Publicado em 27/9/2012 por Mauro Santayana 
Enviado pelo pessoal da 
Vila Vudu
Extraído do Blog 
Conversa Afiada
Ilustrações: redecastorphoto
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| Mauro Santayana | 
Cabe aos tribunais julgar os atos 
humanos admitidos previamente como criminosos. Cabe aos cidadãos, nos regimes 
republicanos e democráticos, julgar os homens públicos, mediante o voto. Não é 
fácil separar os dois juízos, quando sabemos que os julgadores são seres humanos 
e também cidadãos, e, assim, podem ser contaminados pelas paixões ideológicas ou 
partidárias – isso, sem falar na inevitável posição de classe. Dessa forma, por 
mais empenhados sejam em buscar a verdade, os juízes estão sujeitos ao erro. O 
magistrado perfeito, se existisse, teria que encabrestar a própria consciência, 
impondo-lhe sujeitar-se à ditadura das provas. 
Mesmo assim, como a literatura 
jurídica registra, as provas circunstanciais costumam ser tão frágeis quanto as 
testemunhais, e erros judiciários terríveis se cometem, muitos deles levando 
inocentes à fogueira, à forca, à cadeira elétrica. 
Estamos assistindo a uma confusão 
perigosa no caso da Ação 470, que deveria ser vista como qualquer outra. Há o 
deliberado interesse de transformar o julgamento de alguns réus, cada um deles 
responsável pelo seu próprio delito – se delito houve – no julgamento de um 
partido, de um governo e de um homem público. Não é a primeira vez que isso 
ocorre em nosso país. O caso mais 
clamoroso foi o de Vargas em 1954 – e a analogia procede,  apesar da reação de 
muitos, que não viveram aqueles dias dramáticos, como este colunista viveu. 
Ainda que as versões sobre o  atentado contra Lacerda capenguem no charco da 
dúvida, a orquestração dos meios de comunicação conservadores, alimentada por 
recursos forâneos – como documentos posteriores demonstraram – se concentrou em 
culpar o presidente Vargas. 
Quando recordamos os fatos – que 
se repetiram em 1964, contra Jango – e vamos um pouco além das aparências, 
comprova-se que não era a cabeça de Vargas que os conspiradores estrangeiros e 
seus sequazes nacionais queriam. Eles queriam, como antes e depois, cortar as 
pernas do Brasil. Em 1954, era-lhes crucial impedir a concretização do projeto 
nacional do político missioneiro – que um de seus contemporâneos, conforme 
registra o mais recente biógrafo de Vargas, Lira Neto, considerava o mais 
mineiro dos gaúchos. Vargas, que sempre pensou com argúcia, e teve a razão 
nacional como o próprio sentido de viver, só encontrou uma forma de vencer os 
adversários, a de denunciar, com o suicídio, o complô contra o Brasil. 
Os golpistas, que se instalaram no 
Catete com a figura minúscula de Café Filho, continuaram insistindo, mas foram 
outra vez derrotados em 11 de novembro de 1955.  Hábil articulação entre Jango, 
Oswaldo Aranha e Tancredo, ainda nas ruas de São Borja, depois do sepultamento 
de Vargas, levara ao lançamento imediato da candidatura de Juscelino, 
preenchendo assim o vácuo de expectativa de poder que os conspiradores 
pró-ianques pretendiam ocupar. Juscelino não era Vargas, e mesmo que tivesse a 
mesma alma, não era assistido pelas mesmas circunstâncias e teve, como todos 
sabemos, que negociar. E deu outro passo efetivo na construção nacional do 
Brasil.  
Os anos sessenta foram desastrosos 
para toda a América Latina. Em nosso caso, além do cerco norte-americano ao 
continente, agravado pelo espantalho da Revolução Cubana (que não seria ameaça 
alguma, se os ianques não houvessem sido tão açodados), tivemos um presidente 
paranóico, com ímpetos bonapartistas, mas sem a espada nem a inteligência de 
Napoleão,  Jânio Quadros. Hoje está claro que seu gesto de 25 de agosto de 1961, 
por mais pensado tenha sido, não passou de delírio psicótico. A paranóia (razão 
lateral, segundo a etimologia), de acordo com os grandes psiquiatras, é a 
lucidez apodrecida. 
Admitamos que Jango não teve o 
pulso que a ocasião reclamava. Ele poderia ter governado com  o estado de sítio, 
como fizera Bernardes. Jango, no entanto, não contava – como contava o 
presidente de então – com a aquiescência de maioria parlamentar, nem com a feroz 
vigilância de seu conterrâneo, o Procurador Criminal da República, que se 
tornaria, depois, o exemplo do grande advogado e defensor dos direitos do fraco, 
o jurista Heráclito Sobral Pinto. Jango era um homem bom, acossado à direita 
pelos golpistas de sempre, e à esquerda pelo radicalismo infantil de alguns, 
estimulado pelos agentes provocadores. Tal como Vargas, ele temia que uma guerra 
civil levasse à intervenção militar estrangeira e ao esquartejamento do país. 
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| Joaquim Barbosa dorme e sonha... | 
Vozes sensatas do Brasil começam a 
levantar-se contra a nova orquestração da direita, e na advertência necessária 
aos ministros do STF. Com todo o respeito à independência e ao saber dos membros 
do mais alto tribunal da República, é preciso que o braço da justiça não vá alem 
do perímetro de suas atribuições. 
É um risco terrível admitir a 
velha doutrina (que pode ser encontrada já em Dante em seu ensaio sobre a 
monarquia) do domínio do fato. É claro que, ao admitir-se que José Dirceu tinha 
o domínio do fato, como chefe da Casa Civil, o próximo passo é encontrar quem, 
sobre ele, exercia domínio maior. Mas, nesse caso, e com o apelo surrado ao data 
venia, teremos que chamar o povo  ao banco dos réus: ao eleger Lula por duas 
vezes, os brasileiros assumiram o domínio do fato. 
Os meios de comunicação sofrem 
dois desvios  à sua missão histórica de informar e formar opinião. Uma delas é a 
de seus acionistas, sobretudo depois que os jornais se tornaram empresas 
modernas e competitivas, e outra a dos próprios jornalistas. A profissão tem o 
seu charme, e muitos de nossos colegas se deixam seduzir pelo convívio com os 
poderosos e, naturalmente, pelos seus interesses. 
O poder executivo, o parlamento e 
o poder judiciário estão sujeitos aos erros, à vaidade de seus titulares, aos 
preconceitos de classe e, em alguns casos, raros, mas inevitáveis, ao 
insistente, embora dissimulado, racismo residual da sociedade brasileira. 
Lula, ao impor-se à vida política 
nacional, despertou a reação de classe dos abastados e o preconceito intelectual 
de alguns acadêmicos sôfregos em busca do poder. Ele cometeu erros, mas muito 
menos graves e danosos ao país do que os de seu antecessor. Os saldos de seu 
governo estão  à vista de todos, com a diminuição da desigualdade secular, a 
presença brasileira no mundo e o retorno do sentimento de auto-estima do 
brasileiro, registrado nos governos de Vargas e de Juscelino. 
É isso que ficará na História. O 
resto não passará de uma nota de pé de página, se merecer tanto. 



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