Chacinas em zonas rurais da Colômbia resgataram os anos de paramilitarismo. Nos últimos seis meses, foram 31 mortos
Enquanto em Havana já começaram – sob grande segredo – as negociações de paz entre o governo colombiano e as FARC (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), no país, o tema é outro. Em 7 de novembro, os colombianos despertaram da ilusão de que a época dos massacres havia ficado no passado.
Pouco antes de anoitecer, três homens entraram em uma propriedade rural de Santa Rosa de Osos, localizada no Norte do próspero Estado de Antioquia. Após perguntarem a um grupo de 11 camponeses porque o dono do local não havia pagado a propina, abriram fogo. Com os trabalhadores no chão, feridos, lançaram uma granada e se foram. Nove homens e uma mulher faleceram. Apenas um sobreviveu para contar a história.
Como resultado, centenas de camponeses deixaram o campo para se refugiar em Santa Rosa, resgatando os anos mais tristes do paramilitarismo. O caso, porém, não foi isolado. Há poucos dias, na mesma região, foram assassinadas outras cinco pessoas. Nos últimos seis meses, foram 31 assassinatos: cinco feridos até a morte na sala comunal de Remedios, quatro sindicalistas mineiros em Segocia, uma família no Volcán e mais uma dezena de episódios similares.
O governador de Antioquia, Sergio Fajardo, candidato a vice-presidente pelo Partido Verde, se referiu aos eventos como “o inferno”. Ao mesmo tempo, definiu como “monumental” o problema das chamadas “bandas criminosas” (BACRIM) no Estado. Segundo ele, os crimes foram muito “maior do que tínhamos imaginado”.
Para os camponeses não há dúvidas de que paramilitares estão por trás das chacinas. Relatos dos deslocados falam de grupos armados, geralmente com trajes civis, que se movem livremente na região, recrutando e extorquindo. A diferença para os paramilitares das AUC (Autodefensas Unidas da Colombia) é que não vivem em acampamentos nas áreas rurais. Apenas patrulham as zonas para logo voltar à população civil. Também não restam dúvidas às autoridades, que já prenderam três responsáveis e os identificaram como membros da BACRIM dos Paisas.
O governo colombiano enfrenta esses novos grupos – nascidos da negociação com os paramilitares durante o governo de Álvaro Uribe – como um fenômeno de ordem pública. Com isso, é a polícia que os combate, não o exército. A raiz dessa estratégia está na negação de que se tratam de grupos armados. O contrário implicaria no reconhecimento da existência de um novo conflito armado no país.
Quatro anos depois, porém, demonstraram que a ação da polícia não é suficiente. Tanto que as BACRIM, que se caracterizaram por serem dispersas e regionais, se transformaram e incorporaram os grupos menores. De um grupo que cobrava propinas passaram a deter o controle de áreas de narcotráfico e de mineração legal e ilegal.
Preocupações
Para o politólogo e ex-guerrilheiro da ELN (Exército de Libertação Nacional) León Valencia, a chacina de Santa Rosa tem as mesmas características de ações dos grupos paramilitares dos anos 1990, pois aconteceu em uma zona disputada por grupos dedicados ao narcotráfico e teve como finalidade semear o terror entre os trabalhadores rurais. Além disso, são formados por ex-desmobilizados, o que não é uma boa notícia para o futuro dos nove mil integrantes das FARC que estão negociando agora em Cuba.
A opinião de especialistas sobre os efeitos dos diálogos em Havana nos grupos militares não é unânime, mas a preocupação sim. Para alguns, com o início do processo e a eventual assinatura dos acordos de paz, a ação dos grupos criminosos se aceleraria, pois muitos dos desmobilizados das FARC passariam a engrossar seus efetivos e as BACRIM poderiam aproveitar território e corredores estratégicos deixados pelas FARC.
Outra análise, em geral de opositores do processo, afirma que, diante da atual desmobilização das FARC, poderia surgir algo que já chamam de “FARCRIM”, grupo de ex-combatentes reagrupados com finalidades delituosas.
Mas o problema tem raízes tão profundas e antigas quanto o próprio conflito. Para o Secretário de Governo do Departamento de Antioquía, esses crimes são favorecidos pela ausência do Estado em algumas regiões: “Nestes dez meses de administração de Santos, vimos que nossos problemas surgem da ausência do Estado. Não é que tenhamos que recuperar essa presença, mas levá-la a esses lugares pela primeira vez”, argumenta.
Enquanto isso, a nova onda paramilitar está se expandindo, e Antioquía é apenas um exemplo. Córdoba segue em meio ao fogo cruzado dos Paisas e dos Urabeños. No porto de Buenaventura, foram registrados apenas em outubro 40 assassinados e 35 enfrentamentos armados entre grupos. Voltaram também os esquartejamentos. Como se fosse pouco, segundo registros da Procuradoria local, em outubro, foram registrados 75 desaparecimentos forçados e mais de 1.500 pessoas fugiram de suas casas.
Por último, um não tão bem definido Exército Anti Restituição (Ejército Anti Restitución), também integrado por neoparamilitares, assassinou líderes locais que pedem a execução da lei de terras do governo Santos, um marco para a restituição da terra às vítimas do conflito armado. É justamente a terra o primeiro dos cinco pontos debatidos em Havana. Recentemente, esse grupo ameaçou de morte vários líderes e defensores dos direitos humanos – a lista é encabeçada pelo congressista Iván Cepeda Castro, cujo pai foi assassinado durante o último processo de paz, quando era senador.
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