quinta-feira, 18 de abril de 2013

Coreia do Norte 18/04/2013

Sul 21

Se o marxismo criou pela primeira vez a concepção revolucionaria de mundo da classe trabalhadora, a idéia Juche a aperfeiçuou, desenvolvendo-a à uma etapa superior.”
Kim Il Sung
Claro que não se pode culpar Marx por Stalin ou coisas do tipo. Contudo, o fato é que a experiência comunista marxista global, a experiência de projetos políticos que foram inspirados pelo marxismo no século 20, é, basicamente, uma experiência catastrófica.”
Zizek – Filósofo marxista esloveno
“Nós precisamos quebrar essa visão marxista de que a história se move do capitalismo para uma ordem superior, o socialismo ou algo do tipo. A história é aberta, na minha opinião. De forma espontânea, ela provavelmente se move em direção a alguma catástrofe.”
Zizek – Idem

Tenho um amigo, residente em Brasilia, hoje o maior orientalista brasileiro e lingüista emérito, que é radical: -“ Para falar sobre qualquer país ou povo do Orienta, há que conhecer, além da história, a língua”. Pois eu vou falar sobre a Coreia do Norte. Portanto, invoco-lhe , desde já, minhas escusas, pois não domino nenhuma língua oriental. Depois de dois anos de estudo de mandarim na Universidade de Brasília, desisti. Já estava muito velho para assimilá-lo. Foi um alívio para o Professor, um chinês de magreza profunda, que viera para o Brasil, no anos 90, como resultado de um Programa de Cooperação Técnica entre nossos países. Certo dia, aliás, o convidei à casa e foi um desastre. Disse-lhe como nós, estudantes, em meados dos 60, vibráramos com a Revolução Cultural. Ele cortou o assunto, não sem dizer, secamente: “Fui uma vítima “daqulilo”… Mas eu , velho comunista, já aposentado (…) , não me dou por vencido. E como conhecedor das variantes do marxismo e do próprio socialismo, atrevo-me a falar algo sobre a Coreia do Norte. Afinal, ela se proclama socialista, ou é tida como tal.
Para início de conversa, lembro que o Oriente sempre foi um grande desafio para o marxismo. Ele nunca se encaixou muito bem na teoria dos MODOS DE PRODUÇÃO e em outras categorias de sua Filosofia da História. Tanto que se inventou o conceito de MODO DE PRODUÇÃO ASIÁTICO, algo muito vago e impróprio para dar conta da vasta complexidade do mundo oriental. Ele suporia que também desenvolvêssemos nossas reflexões sobre os MODOS DE PRODUÇÃO NA ÁFRICA, NO ORIENTE MÉDIO E NA AMÉRICA LATINA… Conta-se , também uma das ironias da História (Isaac Deutscher ia gostar disto…) . Marx , um ocidental puro sangue, que olhava com desconfiança até para Bolívar na América Latina, sobre quem escreveu algum verbete, dando margem, hoje, a grandes controvérsias sobre o assunto, sempre viu a Rússia como parte do Oriente. Diz-se que detestava a Rússia. E foi lá que ele, Marx, acabou saindo do Manifesto para entrar na História…
Pois bem, nós, ocidentais, temos grande dificuldade para compreender o Oriente. Os conceitos são diferentes. O que aqui é Filosofia, em alguns de seus países, seria Religião. O que aqui é virtude, lá é vício. Lembro-me, até , neste sentido de uma experiência vivida por uma chinesa em Paris. Seu pai, professor de Literatura Ocidental na Universidade de Pequim, saíra do país na crise de 1989 .Foi para a França, com a família, filhos muito jovens. Pois bem, uma de suas filhas tornou-se , culturalmente , uma ocidental, tal como retrata o personagem central de um filme recente – “Armênia” – , filha de um Armênio residente em Paris. Bem, a dita chinesa. fornou-se doutora em Filosofia pela Universidade de Paris e tem vários livros publicados. E eu vi uma entrevista dela no TV 5 , francês, que me impressionou. Contou ela que, certa vez, instada a fazer um trabalho sobre Grécia e arte helênica visitou o Museu do Louvre durante alguns dias. – “Ao final do trabalho, afirmou, eu já não era uma chinesa. Só aí, ao ‘passar pela Grécia antiga’ me dei conta do hiato entre nossas culturas – oriental e ocidental. Nós nunca tivemos nada parecido”. Cito a passagem para dar a dimensão de se avaliar corretamente qualquer povo oriental. Não é nada fácil. Como, de resto, não é fácil falar sobre o Homem…
Mas vamos lá: O que é – ou melhor, o que eu acho – ser a Coreia e mais especificamente a Coreia do Norte?
Acredita-se que a ocupação humana da Peninsula Coreana tenha se dado há cerca de 200 mil anos, nos primórdios da espécie. Como outros povos da Asia, por volta de 2.000 AC já havia uma civilização ali plantada , com um povo definido. Mas , região de passagem entre reinos poderosos, China e Japão, como a Polônia na Europa, a Península foi sucessivamente ocupada por forças estrangeiras. Uma longa história que não carece de ser pontualizada. Vejamos os tempos mais recentes e que desembocam no conflito atual entre Coreia do Norte e Coreia do Sul:
No século XVII, a Coreia foi finalmente derrotada pelos manchus e se uniu ao Império Chinês da Dinastia Qing. Durante o século XIX, graças à sua política isolacionista, a Coreia ganhou o nome de “Reino Eremita”.[22] A dinastia Joseon tratou de proteger-se contra o imperialismo ocidental, mas foram obrigados a abrir suas portas para o comércio ocidental. Depois da Segunda Guerra Sino-Japonesa e da Guerra Russo-Japonesa, a Coreia passou a ser parte do domínio japonês (1910-1945).[28] No final da Segunda Guerra Mundial, as forças japonesas se renderam às forças da União Soviética, que ocuparam o norte da Coreia (atual Coreia do Norte), e dos Estados Unidos, que ocuparam a parte sul (atual Coreia do Sul).
(wiki)
Honestamente, desconheço o que ocorreu na parte norte da Península coreana desde a ocupação soviética, sob o comando de Stalin, ao final da Guerra e o dia 15 de abril do ano de 1948, hoje festejado pelo Governo da Coréia do Norte como o “Dia do Sol”, data em que Kim Il Sung o teria fundado. A “Revolução Coreana” nunca foi um tema presente nos antigos cursos de formação ideológica patrocinados pelos comunistas.Um dos poucos textos disponíveis é “A Revolução Coreana”, de Gabriel Martinez , que assim o descreve:
Após duras batalhas, em 1945, finalmente, o povo coreano vence o imperialismo japonês; o povo coreano, através de suas organizações clandestinas, o Exército Popular Revolucionário e o Exército Vermelho (URSS) foram os principais atores da revolução coreana. Comitês Populares se espalharam por todo território coreano, constituindo assim um órgão de poder popular constituído pelo próprio povo coreano. A União Soviética permaneceu estacionada na parte norte da península. Os Estados Unidos só entrariam na parte sul da península coreana, três semanas depois da libertação do país, e logo trataram de reprimir violentamente os Comitês Populares, devolvendo o poder aos antigos oligarcas representantes do regime colonial. A União Soviética retirou suas tropas da Coréia em 1948, ao passo que os Estados Unidos mantêm as suas até os dias de hoje.
A partir daí , Kim Il Sung, que supunha sua doutrina “juche” superior ao marxismo, , versão ortodoxa do socialismo baseada nos princípios do Partido único, da união com o povo como centro de tudo, militarização da sociedade e na autosuficiência e isolamento da economia, até sua morte em 1994, governou o novo país manu militar .
O que é Idéia Juche?
A ideologia oficial do partido governante da RPDC, o Partido do Trabalho da Coréia (PTC), é a Idéia Juche. A Idéia Juche foi desenvolvida por Kim Il Sung, líder da revolução coreana e fundador do Partido do Trabalho da Coréia. De acordo com os comunistas coreanos a superioridade da Idéia Juche consiste no fato de que, indicando a posição e o papel do homem no mundo, esclarece-se de maneira mais científica a forma como o homem forja o seu destino. O problema fundamental da filosofia deixa de ser a relação entre o pensar e a existência e passa a ser entre o mundo e o homem. Segundo os atuais dirigentes comunistas coreanos, a Idéia Juche não é apenas o marxismo-leninismo adaptado à realidade coreana, mas sim uma nova ideologia, superior ao próprio marxismo. É o socialismo científico alçado a outro patamar. Nas palavras de Kim Jong Il, principal líder da RPDC:
“Se o marxismo criou pela primeira vez a concepção revolucionaria de mundo da classe trabalhadora, a idéia Juche a aperfeiçuou, desenvolvendo-a à uma etapa superior.”
Em suas memórias Kim Il Sung nos revela que durante a luta revolucionária “sua doutrina”, “seu credo” foi o chamado “iminwichon”, que significa considerar o povo como o centro de tudo. O principio básico da Idéia Juche é de que as massas populares são donas do mundo e de seu próprio destino.
Em seu Governo eclodiu a famosa Guerra da Coreia, travada entre 26 de Junho de 1950 a 27 de Julho de 1953, opondo a Coreia do Sul e seus aliados, que incluíam os Estados Unidos. Esta guerra nunca chegou a termo. Congelou-se com um Armistício que só contribuiria a divisão da Península Coreano em dois países e para o isolamento da Coreia do Norte.
Com a morte de Kim Il Sung seu filho, Kim Jong-il, tomou o comando até morrer em dezembro de 2011, abrindo caminho para a consolidação de uma peculiar dinastia comunista quando o poder , então, passa para , seu filho mais novo Kim Jong-um.
Mas mesmo sem grande informação sobre a “libertação”do território da Coreia do Norte, então ocupado pelo Japão, antes da rendição deste país que fazia parte do Ëixo (Alemanha+Itália+Japão) que daria origem ao regime que lá ainda persiste, é bem possível supor que tem todas as características da ocupação do Leste Europeu pelo Exército Soviético na Segunda Guerra. Por onde passava, a URSS , sempre teve a colaboração de partisans comunistas, como também os aliados. Mas atento ao futuro, que se instauraria como Guerra Fria, o regime estalinista impunha não só o socialismo, como seu estilo autoritário e centralizador satélite União Soviética . Se este foi o caso da Coreia do Norte , é muito difícil se falar, hoje, em “libertação”, muito menos “Revolução” naquele país.. Nenhum dos povos sob controle soviético na Europa do Leste, no bloco comunista criados ao final da guerra, manteve, quer o socialismo como forma de organização da sociedade e da economia, quer, muito menos o estilo autoritário fiel à Russia. Aliás, a própria URSS romperia na década de 50 com o estalinismo, como romperia com o modelo socialista em 1991. Pode-se, pois, dizer que a Coreia é um último bastião do socialismo estalinista no mundo, vez que a China e outros regimes socialista asiáticos, muito embora tenham se alinhado com o estalinismo e rejeitado a desestalinização soviética, não foram regimes decorrentes da ocupação territorial e militar pela URSS. Todos, aos quais se associaria Cuba nos anos 60, foram resultados de grandes lutas populares que resultaram, sim, em autênticos processos revolucionários.
Visto deste prisma, a Coreia do Norte perde muito da sua credibilidade revolucionária. Trata-se muito mais de um remanescente da II Guerra do que uma Revolução em processo, digna de alvíssaras pela esquerda contemporânea. Até se explicariam no passado sob o princípio do Internacionalismo Proletário que consistia na defesa intransigente da URSS como baluarte da Revolução. Hoje não! Assim o digo porque praticamente toda a esquerda mundial do Ocidente, já havia rompido com o estalinismo antes mesmo do fim do regime soviético. Depois do fim da URSS, então, a reciclagem dos Partidos Comunistas europeus e da América Latina foi total, ainda que os ortodoxos remanescentes insistam em manter não só as velhas siglas, como os velhos dogmas. Mas é uma espécie em extinção. Com todo o direito a sê-lo… Mas não há razões, portanto, pelo menos por parte da esquerda “reciclada” – e aí incluo o PT – para aplaudir e justificar o regime coreano do Norte.
Independentemente de sua origem, características e desenvolvimento por décadas, restaria compreender por que esse regime vem se revelando crescentemente provocador, a ponto de ameaçar Coreia do Sul, Japão e Estados Unidos com um bombardeio nuclear.
Uma das hipóteses aponta para a Tese do Inimigo Externo, normalmente usada por Governos de vários matizes, para se reforçar internamente. Temos um caso no continente: a Declaração de Guerra contra a Inglaterra pelos generais argentinos, em 1981. Este, porém, não parece ser o caso da Coreia do Norte. Seu regime está, internamente consolidado e não apresenta fraturas.
A segunda hipótese seria a da necessidade de seu atual Líder, neto do “Filho do Sol”, se fortalecer internamente, não sobre a população que já idolatra a dinastia toda, mas os militares, sempre mais práticos nestas questões. A guerra é um assunto que não comporta cultos à personalidade de quem quer que seja. Ela exija o culto a ela própria, sem rodeios. Nada de intermediários. Lembre-se da forte rejeição dos militares latinoamericanos aos que eles sempre denominaram “populistas”, em vários de nossos países. Nem mesmo a Venezuela é uma exceção, pois tentou um golpe, abortado em menos de 48 h, contra o Presidente eleito Chavez.
Resta, portanto, a tese mais em voga entre os analistas atuais: auto-defesa do regime em vigor.
A idéia é de que mais cedo ou mais tarde os Estados Unidos – e aliados ocidentais – darão um golpe de morte na Coreia do Norte. Tratam, então , de se precaver. Dão como exemplo o caso da Yugoslávia, do Iraque, da Líbia e da Síria, que não se prepararam para o enfrentamento e estão caindo em dominó. A única salvação seria, pois, o fortalecimento militar do regime, com o recurso à bomba atômica porque, ipso facto, não haverá surpresas. E a ameaça evita o golpe.
Esta mesma tese, a propósito, é a de setores nacionalistas em vários países do mundo , inclusive no Brasil. Crê-se que o país só conseguirá defender seus interesses se tiver a bomba atômica e se modernizar e armar crescentemente suas forças armadas.
Tudo indica, portanto, que , passada a temporada de manobras militares conjuntas do Japão , Coreia do Sul e Estados Unidos na região, tudo volte ao normal. Ou seja, menos retórica. A histeria atual, tem, portanto, nome e endereço: o regime coreano do norte, uma caricatura do ideal comunista pelo qual morreram tantos idealistas nos últimos 150 anos, tem medo. E tem razões para tê-lo. É um regime condenado, não pela direita, nem pelos Estados Unidos, mas pela consciência civilizada do mundo inteiro. A mesma consciência que condena as Matrassas muçulmanos fundamentalistas, que condena o uso de crianças em guerras na África, que condena todas as formas de autoritarismo e terror de Estado, pela consciência que luta pela preservação da Paz, da Tolerância e do Multiculturalismo no mundo e que condena a redução do marxismo ao catecismo primário de meia dúzia de fórmulas. O marxismo é um filho dileto do iluminismo, que só se justifica pela sistemática consciência crítica sobre seus próprios fundamentos. O que não cabe, naturalmente, nem em Partidos, nem em Igrejas, nem em Estados, sempre dominados pelo alto clero e pela disciplina a postulados dogmáticos. Rigorosamente, como afirmou recentemente S.Zizek, recentemente, em Porto Alegre, sequer sabemos, do ponto de vista marxista, para onde vamos depois da crise assola o capitalismo e a humanidade. A ideia de socialismo se refere, cada vez mais, a uma técnica civilizatória, e não a uma etapa superior do que quer que seja.

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