IVES GANDRA: "NÃO HÁ PROVAS CONTRA JOSÉ DIRCEU"
Jurista Ives Gandra Martins, um dos mais respeitados do País, concede entrevista bombástica à jornalista Mônica Bergamo; nela, afirma que estudou todo o acórdão da Ação Penal 470 e não encontrou uma única evidência contra o ex-ministro da Casa Civil; mais: disse ainda que a teoria do domínio do fato, importada pelo STF para julgar o caso específico de Dirceu, não é usada nem na Alemanha; Gandra diz ainda que, depois do precedente, abre-se um território de grande "insegurança jurídica" no País para executivos e empresários, que poderão ser condenados da mesma forma; detalhe: Gandra é um dos mais notórios conservadores do País e antagonista histórico do petismo; na entrevista, ele elogiou o ministro Ricardo Lewandowski, que "ficou exatamente no direito", e fez algumas críticas pontuais a Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Joaquim Barbosa
247 - A entrevista do jurista Ives Gandra Martins à jornalista Mônica Bergamo,
da Folha de S. Paulo, cairá como uma bomba no meio jurídico. Um dos mais
respeitados e consistentes juristas do País, Gandra Martins afirma que, em todo
o acórdão da Ação Penal 470, não se encontra uma única prova contra o ex-ministro
da Casa Civil, José Dirceu. Ele afirma ainda que a condenação imposta a ele
pelo Supremo Tribunal Federal atira o País num terreno de grande "insegurança
jurídica", em que empresários e executivos poderão ser condenados pela teoria
do "domínio do fato" – que não é aplicada nem na Alemanha.
A entrevista será o assunto mais comentado nos meios políticos e jurídicos nos
próximos dias, mas, curiosamente, a Folha não deu sequer chamada de capa a
ela, em sua edição dominical. Confira, abaixo, os pontos mais importantes do que
Ives Gandra Martins, que é também um dos mais notórios conservadores do País,
disse a Mônica Bergamo (a entrevista completa pode ser lida aqui):
O domínio do fato
Você tem pessoas que trabalham com você. Uma delas comete um crime e o
atribui a você. E você não sabe de nada. Não há nenhuma prova senão o depoimento
dela – e basta um só depoimento. Como você é a chefe dela, pela teoria do domínio
do fato, está condenada, você deveria saber. Todos os executivos brasileiros correm
agora esse risco. É uma insegurança jurídica monumental. Como um velho advogado,
com 56 anos de advocacia, isso me preocupa. A teoria que sempre prevaleceu no
Supremo foi a do "in dubio pro reo" [a dúvida favorece o réu].
Dirceu, condenado sem provas
O domínio do fato é novidade absoluta no Supremo. Nunca houve essa teoria.
Foi inventada, tiraram de um autor alemão, mas também na Alemanha ela não é
aplicada. E foi com base nela que condenaram José Dirceu como chefe de quadrilha
[do mensalão]. Aliás, pela teoria do domínio do fato, o maior beneficiário era o
presidente Lula, o que vale dizer que se trouxe a teoria pela metade.
Embargos infringentes
Eu me dou bem com o Zé, apesar de termos divergido sempre e muito. Não há
provas contra ele. Nos embargos infringentes, o Dirceu dificilmente vai ser
condenado pelo crime de quadrilha.
A pressão da mídia
O ministro Marco Aurélio [Mello] deu a entender, no voto dele [contra os embargos
infringentes], que houve essa pressão. Mas o próprio Marco Aurélio nunca deu
atenção à mídia. O [ministro] Gilmar Mendes nunca deu atenção à mídia, sempre votou
como quis. Eles estão preocupados, na verdade, com a reação da sociedade. Nesse caso
se discute pela primeira vez no Brasil, em profundidade, se os políticos desonestos devem
ou não ser punidos. O fato de ter juntado 40 réus e se transformado num caso político
tornou o julgamento paradigmático: vamos ou não entrar em uma nova era? E o Supremo
sentiu o peso da decisão. Tudo isso influenciou para a adoção da teoria do domínio do fato.
Julgamento político
Pode ter alguma conotação política. Aliás o Marco Aurélio deu bem essa conotação.
E o Gilmar também. Disse que esse é um caso que abala a estrutura da política. Os
tribunais do mundo inteiro são cortes políticas também, no sentido de manter a estabilidade
das instituições. A função da Suprema Corte é menos fazer justiça e mais dar essa estabilidade.
Todos os ministros têm suas posições, políticas inclusive.
A postura de Ricardo Lewandowski
Ele ficou exatamente no direito e foi sacrificado por isso na população. Mas foi mantendo
a postura, com tranquilidade e integridade. Na comunidade jurídica, continua bem visto,
como um homem com a coragem de ter enfrentado tudo sozinho.
A postura de Joaquim Barbosa
É extremamente culto. No tribunal, é duro e às vezes indelicado com os colegas. Até
o governo Lula, os ministros tinham debates duros, mas extremamente respeitosos.
Agora, não. Mudou um pouco o estilo. Houve uma mudança de perfil.
Os choques entre poderes
A tradição, por exemplo, de nunca invadir as competências [de outro poder] não existe
mais. O STF virou um legislador ativo. Pelo artigo 49, inciso 11, da Constituição,
Congresso pode anular decisões do Supremo. E, se houver um conflito entre os poderes,
o Congresso pode chamar as Forças Armadas. É um risco que tem que ser evitado. Pela
tradição, num julgamento como o do mensalão, eles julgariam em função do "in dubio
pro reo". Pode ser que reflua e que o Supremo volte a ser como era antigamente.
É possível que, para outros [julgamentos], voltem a adotar a teoria do "in dubio pro reo".
Insegurança jurídica
A teoria do domínio do fato traz insegurança para todo mundo.
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