ubia Silveira
Você se lembra dessa garotinha aí ao lado? Simpática, inteligente, defensora do meio ambiente, preocupada com os rumos da política, ela conquistou amigos pelo mundo todo. Fala vários idiomas, do galego ao dinamarquês. E, mais do que a repressão, odeia sopa. Com essa dica, você – logicamente – lembrou o nome dela. Mafalda se prepara para comemorar 50 anos, em 2014. O dia do nascimento (única data aceita pelo seu criador) é 29 de setembro de 1964, quando, pela primeira vez, apareceu como personagem de uma historieta, nas páginas do semanário argentino Primera Plana. No ano seguinte, mudou-se para El Mundo.
Mafalda é a grande criação do argentino Joaquín Lavado, filho de espanhóis. Conhecido por Quino, desde que nasceu, ele só soube seu verdadeiro nome ao entrar na escola. O apelido o distinguia do tio Joaquín Tejón, pintor e desenhista. Foi ele quem ajudou Quino a descobrir sua vocação ainda nos primeiros anos de vida.
O nome escolhido para a personagem que faria tanto sucesso se deve a uma história em quadrinhos que Quino criou, em 1963, para o lançamento de uma linha de produtos eletrodomésticos. Os produtos se chamavam Mansfield e todos os personagens da HQ tinham nomes iniciados com M. A campanha foi abortada, mas Quino ficou com Mafalda.
O surgimento da menina que olha penalizada para o mundo, a sua mãe, dedicada a cuidar do marido e dos filhos, e o seu pai, que parece um velho aos 37 anos, coincide com o início da ditadura brasileira e a eleição de Arturo Illia, na Argentina. O peronismo havia sido proscrito e os hermanos passavam a viver um novo período político, mais aberto e democrático do que o enfrentado pelos brasileiros.
Turma de amigos
O traço simples, leve, limpo e expressivo de Quino transforma em obra de arte cada quadro de uma tira. Os pequenos detalhes compõem as historietas que nos fazem sorrir e pensar. Os temas são os cotidianos: as guerras mundiais, o engarrafamento no trânsito, o alto custo de vida, as férias na praia, o aprendizado escolar.
Mafalda, com um laço no alto da cabeça, muda da dúvida ao espanto, apenas levantando a cabeça, abrindo ou fechando a boca. O mesmo acontece com a sua turma. Quino é preciso na sua criação. As dúvidas e angústias de Filipe não poderiam ser representadas por outro garotinho que não aquele de cabelo e queixo que avançam muito além do pescoço. Quem imaginaria Manolo, o tosco que só pensa em ser dono de uma rede de supermercados, de outra forma que não o gordinho atarracado, com cabelos espetados?
A egoísta e, muitas vezes, invejosa Susanita, que só pensa em casar e ter filhos, é desenhada com um cabelo volumoso, nariz pequeno e cara de velha. A característica de Miguelito, também cheio de dúvidas, mas menos angustiado do que Filipe, são os cabelos, formado por folhas como as da alface.
Mais tarde, surgiram Libertad, pequena como a liberdade, menor do que o nenê Guile, irmão de Mafalda. Desde cedo, ele aprende a protestar contra as injustiças e a falta de liberdade de expressão. Ele odeia mortadela e – horror dos horrores – se delicia com uma sopa. E que nome melhor poderia ter a tartaruga de estimação, se não burocracia?
A turminha de Quino foi mudando de casa, passando por novos jornais e revistas, e conquistando espaço em outros países. As tiras passaram a ser reunidas em pequenos livretos. A coleção completa é composta por 10 livretos, pois em 1973 Quino decidiu não mais desenhá-las. Só voltou a desenhar a personagem para algum momento ou campanha específica, como a lançada pela Unicef, em 1977, pela Declaração dos Direitos da Criança.
Quino e a estátua de sua Mafalda | Foto: saraivaconteudo.com.br
Imortal sucesso
Quino afasta-se de Mafalda e segue com a sua produção de humor gráfico. Apesar de não mais desenhar as tiras, Mafalda não morre. Cresce na preferência dos leitores. O sucesso é tão grande que, ao completar 30 anos, em 1994, tornou-se nome de praça, em Buenos Aires. Na capital argentina, ela e seus amigos, também, deram nome a ruas.
Hoje, no bairro de San Telmo, argentinos e turistas costumam posar para fotos ao lado da estátua de Mafalda. O bairro foi escolhido porque faz parte da história das tiras. Em 1964, quando começou a desenhar a personagem, Quino vivia em San Telmo, a meia quadra de onde hoje está a estátua. Muitos locais ali o inspiraram e fazem parte das tiras. Um exemplo é o edifício envidraçado, na frente do qual a menina e os amigos sentavam para acompanhar o movimento da rua.
Mafalda completará 50 anos, sem nunca ter crescido. E é certo que ela continua atual. O mundo não mudou. Mafalda ainda pode olhar para o globo terrestre, após ouvir o noticiário internacional, e dizer-lhe condoída: “Se você tivesse fígado… que hepatite, hein?”
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