quinta-feira, 13 de outubro de 2011

“Velozes e Furiosos” [1]... para ocupar o Irã 13/10/2011

Pepe Escobar


12/10/2011, Pepe Escobar, Al-Jazeera, Qatar
The fast and furious plot to occupy Iran
Traduzido pelo Coletivo da Vila Vudu




Teerã teria de ser louca terminal, para tentar matar um embaixador em solo dos EUA. 

Ninguém jamais perdeu dinheiro apostando na tediosa previsibilidade do governo dos EUA. No momento em que Occupy Wall Street incendeia imaginações em todo o espectro – denunciando a imunda porta giratória entre o governo e o capitalismo de cassino – aí vem Washington a nos pôr outra vez com os pés na realidade e, com sensacionalismo, anuncia um golpe do cartel do terror iraniano-mexicano, que deveria pagar franquia ao filme “Velozes e Furiosos”. A vítima potencial? Adel al-Jubeir, embaixador nos EUA daquela adorável Meca da contrarrevolução, a Arábia Saudita. 
Washington está procurando aumentar as sanções sobre o Irã via falso plano para matar embaixador da Arabia Saudita (Foto EPA)

Robert Mueller, diretor do FBI, insistiu que o plano concebido por terroristas iranianos “parece roteiro de Hollywood”. Parece mesmo. Roteiro ruim. O duo de Velozes e Furiosos, Paul Walker/Vin Diesel nunca entraria nessa fria.

Nessa produção de Washington, os ‘mocinhos’ são o FBI e a Agência de Controle de Drogas dos EUA (Drug Enforcement Agency, DEA). Nas palavras do procurador geral Eric Holder, os ‘mocinhos’ descobriram “complô mortal comandado por facções do governo iraniano para assassinar um embaixador estrangeiro em solo dos EUA, com bombas”. 

Holder acrescentou que a explosão na embaixada saudita em Washington também seria parte do plano. A mídia-empresa amplificou a ‘notícia’ e falou de bombas planejadas para a embaixada de Israel em Washington e, também, nas embaixadas saudita e israelense em Buenos Aires.

O Departamento de Justiça distribuiu história muito estranha – “Operação Coalizão Vermelha [orig. Operation Red Coalition [2]] (não, vocês não podem imaginar!) – centrada num tal Manssor Arbabsiar, 56 anos, que tem passaportes iraniano e norte-americano; e um co-conspirador que viveria no Irã, Gholam Shakuri, dito membro do regimento Quds, do Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos [orig. Islamic Revolutionary Guard Corps's (IRGC) Quds Force].

Arbabsiar teria tido vários encontros no México com um agente da DEA infiltrado num cartel mexicano peso-pesado de drogas. O iraniano-norte-americano parece ter sido convencido de que o agente infiltrado seria membro do cartel Zetas, mexicano, peso-pesado, e teria dito a ele que estaria sendo “comandado por altos membros do governo do Irã”, e que teria, como parceiro, um primo, que seria “membro do exército do Irã, mas que não usa farda”.

Não bastasse, Arbabsiar teria dito ao agente norte-americano infiltrado no cartel, que seus companheiros no governo iraniano poderiam fornecer “toneladas de ópio” ao cartel mexicano (uma conexão afegã, talvez). Os dois teriam discutido “várias missões violentas”; e Arbabsiar teria falado também sobre bomba que explodiria num restaurante lotado, em Washington, que o embaixador saudita costuma frequentar.

Holder definiu a coisa toda como “assassinato contratado por 1,5 milhão de dólares”. Arbabsiar só foi preso há cinco dias, em 29/9, no aeroporto JFK em New York. O Departamento de Justiça diz que teria confessado. Shakuri, por sua vez, continua desaparecido.

Holder foi logo ao ponto: “Os EUA estamos decididos a fazer o Irã pagar por seus atos”. Faltou pouco para afirmar que o complô teria sido aprovado pelos mais altos escalões do governo do Irã. Quer dizer... E agora? É guerra já? Calma. Segurem seus cavalos: antes, Washington tem de resolver se pergunta ou não aos chineses, se eles topam (e não toparão).

Como se podia prever, logo apareceram os proverbiais “funcionário” dos EUA, com fuzis reluzentes, incendiando mato seco por todos os lados. O Pentágono, alarmado, aumentará a vigilância sobre a Força Quds e “ações iranianas” no Iraque, Afeganistão e Golfo Persa. Ex-embaixadores dos EUA já disseram que “atacar esse embaixador é atacar os EUA”. Washington está à beira de impor mais sanções contra o Irã; e levará imediatamente a questão ao Conselho de Segurança da ONU, com pedido de urgência.

E depois? Nova resolução R2P (“responsabilidade de proteger”), para ordenar que a OTAN proteja todos os asseclas da Casa de Saud em todo o mundo, mediante bombardeio cerrado contra o Irã, até a “mudança de regime”?   

Ali Akbar Javanfekr, porta-voz do presidente Mahmoud Ahmadinejad do Irã, conseguiu, pelo menos, injetar algum bom senso no roteiro:

“Minha opinião é que o governo dos EUA está tentando inventar novo cenário. A história mostra que o governo dos EUA e a CIA têm longa experiência na fabricação de cenários... Acho que o objetivo, agora, é a opinião pública dentro dos EUA. Querem que os norte-americanos parem de pensar nas dificuldades domésticas que enfrentam e assustá-los com ameaças inventadas que viriam de fora dos EUA.” [3]

O Irã ainda nem sabe se os dois personagens são realmente cidadãos iranianos.

O governo do Irã – que se orgulha de sua abordagem diplomática lógica – teria de ter sido inoculado com vírus de loucura total, estilo Stuxnet [4], para agir de modo tão contraproducente, e montar atentado contra alto conselheiro para política exterior do rei Abdullah, em território dos EUA. A agência iraniana oficial, IRNA descreveu o complô como “novo cenário de propaganda dos EUA” contra o Irã.

Quanto ao mantra “o Irã está-se insinuando em muitas das lutas no Oriente Médio”, é propaganda saudita pura, sem diluição. A verdade é que a Causa de Saud é quem comanda a mais furiosa contrarrevolução e detonou qualquer possibilidade de uma Primavera Árabe nos países do Golfo – desde a invasão e a repressão no Bahrain, à violenta repressão ‘preventiva’ dos protestos nas províncias dominadas por xiitas no leste da própria Arábia Saudita.

A coisa toda cheira a mal disfarçado pretexto para um casus belli. O momento do anúncio não poderia ser mais suspeito. O conselheiro de segurança nacional da Casa Branca, Thomas E. Donilon, informou o rei Abdullah sobre o ‘complô’ há nada menos de duas semanas, em reunião de três horas em Riad. Enquanto isso, o governo dos EUA arquitetou e executou, não complôs, mas assassinatos premeditados de cidadãos norte-americanos – como Anwar al-Awlaki.

E por que logo agora? O procurador geral Eric Holder pode ter sido apanhado em mais um escândalo – o primeiro foi quando o mesmo procurador geral mentiu sobre a Operação Velozes e Furiosos (não, vocês não podem imaginar!), negócio dos federais, pelo qual grandes quantidades de armas norte-americanas acabaram nas mãos de – eis os mesmos, aí, outra vez – cartéis mexicanos de drogas.

Assim, como enterrar veloz e furiosamente o abismo econômico, os dez anos de guerra no Afeganistão, o crescimento de Occupy Wall Street – para nem falar do papel dos sauditas na guerra para esmagar o espírito da Primavera Árabe? Nada melhor que descobrir um bom complô à moda da velha al-Qaeda de sempre em solo norte-americano e, cereja do bolo, organizado pelo Irã-do-mal. Al-Qaeda e Teerã na cabeça: nem Cheney e Rumsfeld em seus dias de glória inventariam coisa semelhante. 

Longa vida à Guerra Global ao Terror [ing. GWOT, global war on terror). E longa vida ao espírito neoconservador! 

Lembrem: “homens de verdade vão para Teerã” [5] – e a estrada começa agora.   




Notas dos tradutores

[1]  Velozes e Furiosos é título de um filme-sequência, que já está no 5º filme. A expressão deu nome também a uma operação secreta da DEA norte-americana que fracassou e de cujo fracasso resultou que grande quantidade de armas norte-americanas acabou em mãos de traficantes mexicanos. Ver sobre a operação: “Políticos mexicanos preocupadíssimos com a “Operação Velozes e Furiosos”, 9/3/2011, Nacha Cattan, Christian Science Monitor [em inglês].

[2] Vê-se o anúncio oficial em:
E interessante lista de comentários de internautas sobre aquela fala, em World War III: Operation Red Coalitition – Alleged Iran “Direct”Terrorist Plot On Washington D.C.  [em inglês]. Um dos comentários diz: “Nosso aliado fascista Pinochet, organizou e executou um assassinato real (Orlando Letelier) em Washington, D.C., e os EUA nada fizeram contra”.

[3] 11/10/2011, inter alia, US News: Terror Plot’s Mystery Link To Iran

[4]Stuxnet”  é um vírus (worm) que ataca o sistema Windows da Microsoft, descoberto em julho de 2010; ataca programas e equipamentos industriais.   

[5] 22/7/2004, Time Magazine em: What to do About Iran? “Os ideólogos neoconservadores no governo Bush nunca fizeram segredo de que queriam que os militares norte-americanos empreendessem “mudança de regime” no Irã, depois do Iraque. “Homens de verdade vão para Teerã” [meninos vão para Badgá] foi um dos principais slogans, durante a preparação da “Operação Liberdade para o Iraque”. Os mesmos ideólogos interpretaram a retórica do “Eixo do Mal”, do presidente Bush, como sinal de que a agenda neoconservadora prevaleceria”.

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