De O Globo
Documentos mostram como comandante do DOI-Codi agiu para responsabilizar esquerda
Por Humberto Trezzi e José Luís Costa (do jornal Zero Hora)
No dia 30 de abril de 1981 uma bomba explodiu dentro de um carro no estacionamento do Riocentro O Globo / Arquivo
PORTO ALEGRE - Missão Nº 115. Esse era o nome oficial da vigilância
desencadeada pelos serviços de espionagem do Exército no centro de
convenções Riocentro, no Rio, em 30 de abril de 1981, quando 20 mil
pessoas ali se reuniam para um show musical em protesto contra o regime
militar. Duas bombas explodiram lá, e os agentes “supervisores” da ação
foram as únicas vítimas do episódio, que lançou suspeitas sobre
atividades terroristas praticadas por militares e mergulhou em agonia
uma ditadura que vinha desde 1964 e acabaria sepultada em 1985. Tudo
isso a população brasileira já intuía, por meio de depoimentos. O que
até agora permanecia oculto — e está sendo revelado pelo jornal “Zero
Hora” — são registros de militares envolvidos no episódio e manobras de
abafamento do incidente, arquitetadas por servidores da repressão.
O segredo está em arquivos que eram guardados em casa pelo coronel
reformado do Exército Julio Miguel Molinas Dias — assassinado aos 78
anos, em 1º de novembro, em Porto Alegre, vítima de um crime ainda
nebuloso. Molinas Dias era, na época do atentado, comandante do
Destacamento de Operações e Informações — Centro de Operações de Defesa
Interna (DOI-Codi) do Rio de Janeiro, o Aparelhão. O arquivo do coronel
continha 200 páginas, várias delas encabeçadas pelo carimbo
“confidencial” ou “reservado”. O calhamaço evidencia que o aparelho
repressivo militar tentou maquiar o cenário do Riocentro para fazer com
que as explosões parecessem obra de guerrilheiros esquerdistas.
Os registros estavam guardados pelo minucioso oficial. A unidade
comandada por Molinas era responsável por espionar e reprimir opositores
ao regime militar. O DOI-Codi era localizado dentro do 1º Batalhão de
Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, no bairro da Tijuca. Ao
se aposentar, o coronel levou para casa documentos preciosos, contando
pormenores da sigilosa rotina da caserna. O dossiê deixa transparecer
que a bomba no Riocentro também fez estragos dentro da sede do DOI-Codi,
distante 30 quilômetros do centro de eventos.
Oficiais forjaram o cenário
Em meio aos papéis, surgem evidências de que oficiais forjaram fatos.
Há inclusive uma orientação para simular o furto do veículo pertencente
ao sargento que morreu na explosão, no sentido de desaparecer com
pistas que seriam comprometedoras.
O acervo de Molinas foi arrecadado pela Polícia Civil gaúcha após o
assassinato dele e revela detalhes inéditos do lado de dentro dos
portões de uma das mais temidas unidades das Forças Armadas durante os
anos de chumbo
“Zero Hora” teve acesso a memorandos datilografados e também
manuscritos, no qual o coronel registra a mobilização que se instalou
naquele quartel-sede da espionagem política do Brasil, imediatamente
após a explosão. São ordens, contraordens e telefonemas com a finalidade
de evitar que fatos e versões indigestas ao Exército viessem à tona.
Os papéis contêm medidas de prevenção para segurança de militares,
recomendações para não serem fotografados e relação de bombas e
artefatos explosivos no paiol do quartel para destruição coletiva e
individual. Mas o mais espesso lote de documentos do coronel é do tempo
em que ele dava as ordens no comando do DOI.
De próprio punho, o coronel Molinas teria redigido parte desses
memorandos, divididos em dias, horas e minutos. Trabalho facilitado
porque era detalhista. Em meio à papelada sobressaem-se relatórios sobre
o desastroso atentado no centro de convenções Riocentro. Uma das duas
bombas que explodiram durante um show musical acabou matando o sargento
Guilherme Pereira do Rosário e ferindo com gravidade o capitão Wilson
Luiz Chaves Machado, chefe da seção de Operações do DOI-Codi.
Os papéis do coronel Molinas mostram que Rosário tinha o codinome de
Agente Wagner e Wilson era chamado Dr. Marcos (militares de baixa
patente eram chamados de agentes e oficiais eram doutores, na gíria da
espionagem).
Nenhum comentário:
Postar um comentário