Globo é acusada de sonegar R$ 713 milhões ao Fisco federal, por mudanças suspeitas na formação societária das empresas do grupo; Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda rejeitou argumentos contra autuação da Receita Federal; segundo o blog O Cafezinho, a Rede Globo disfarçou a compra dos direitos de transmissão dos jogos da Copa do Mundo de 2002 como investimentos em participação societária no exterior; desde que a sonegação se tornou pública, em meio a onda de protestos que ocorreram no Brasil, a emissora se tornou um dos alvos dos manifestantes, que chegaram a jogar até fezes em uma das sedes da TV
16 DE SETEMBRO DE 2013 ÀS 21:18
Alessandro Cristo, do Consultor Jurídico - As organizações
Globo perderam recurso administrativo contra uma cobrança
de R$ 713 milhões do Fisco federal. O Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, que julga
contestações a punições fiscais, rejeitou argumentos contra
autuação da Receita Federal sobre aproveitamento de ágio
formado em mudanças societárias entre as empresas do grupo.
Globo perderam recurso administrativo contra uma cobrança
de R$ 713 milhões do Fisco federal. O Conselho Administrativo
de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, que julga
contestações a punições fiscais, rejeitou argumentos contra
autuação da Receita Federal sobre aproveitamento de ágio
formado em mudanças societárias entre as empresas do grupo.
Em uma delas, a Globo Comunicação e Participações S.A.
(Globopar) foi condenada por amortização indevida no cálculo
do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição
Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A amortização dos tributos
usou o chamado ágio, valor embutido no preço de uma companhia
vendida equivalente à estimativa de sua rentabilidade futura.
De acordo com a lei, a empresa que compra outra tem direito
de abater da base de cálculo de seus tributos o valor que
desembolsou a título de ágio. Mas a Receita Federal alega que
o valor da Globopar é artificial. A empresa espera análise de
Embargos interpostos e ainda pode recorrer à última instância
do Carf.
(Globopar) foi condenada por amortização indevida no cálculo
do Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição
Social sobre Lucro Líquido (CSLL). A amortização dos tributos
usou o chamado ágio, valor embutido no preço de uma companhia
vendida equivalente à estimativa de sua rentabilidade futura.
De acordo com a lei, a empresa que compra outra tem direito
de abater da base de cálculo de seus tributos o valor que
desembolsou a título de ágio. Mas a Receita Federal alega que
o valor da Globopar é artificial. A empresa espera análise de
Embargos interpostos e ainda pode recorrer à última instância
do Carf.
O desfecho do julgamento é esperado pela advocacia tributária
por ser uma das primeiras vezes que o Carf se debruça sobre a
existência de efeito fiscal do conceito contábil de patrimônio
líquido negativo — origem da maior parte do ágio em discussão
no processo da Globo. A autuação se refere aos anos de 2005 a
2008, nos quais a empresa usou o ágio para pagar menos
tributos.] A Receita Federal lavrou o auto de infração em
dezembro ]de 2009, no valor de R$ 713.164.070,48.
por ser uma das primeiras vezes que o Carf se debruça sobre a
existência de efeito fiscal do conceito contábil de patrimônio
líquido negativo — origem da maior parte do ágio em discussão
no processo da Globo. A autuação se refere aos anos de 2005 a
2008, nos quais a empresa usou o ágio para pagar menos
tributos.] A Receita Federal lavrou o auto de infração em
dezembro ]de 2009, no valor de R$ 713.164.070,48.
Foram os advogados Carlos Alberto Alvahydo de Ulhôa Canto e
Christian Clarke de Ulhôa Canto, sócios do escritório Ulhôa Canto,
Rezende e Guerra Advogados, os responsáveis por defender a
transação. Na impugnação, eles destacaram o uso do patrimônio
líquido negativo — chamado de “passivo a descoberto” — na
construção do ágio que gerou as deduções. Ou seja, a empresa
compradora “adquiriu” o prejuízo da comprada, assumindo sua
dívida, e contabilizou essa aquisição como investimento.
“Não há norma, de natureza fiscal ou contábil, que determine
o expurgo do valor negativo do PL da investida na quantificação
do ágio”, diz o recurso dos advogados.
Christian Clarke de Ulhôa Canto, sócios do escritório Ulhôa Canto,
Rezende e Guerra Advogados, os responsáveis por defender a
transação. Na impugnação, eles destacaram o uso do patrimônio
líquido negativo — chamado de “passivo a descoberto” — na
construção do ágio que gerou as deduções. Ou seja, a empresa
compradora “adquiriu” o prejuízo da comprada, assumindo sua
dívida, e contabilizou essa aquisição como investimento.
“Não há norma, de natureza fiscal ou contábil, que determine
o expurgo do valor negativo do PL da investida na quantificação
do ágio”, diz o recurso dos advogados.
A cobrança teve origem no Mandado de Procedimento Fiscal 0719000.2006.01200-5, que entendeu como receita não informada
o perdão de uma dívida de US$ 65 milhões (R$ 153 milhões,
à época) concedido pelo banco americano JP Morgan, em 2005,
à Globopar. A dívida total com instituições financeiras no exterior,
gerida pelo JP Morgan e avaliada em US$ 213,1 milhões (R$ 504,6
milhões, à época), foi “adquirida” pela TV Globo, outra empresa do
grupo, por 30% menos que o valor original. O perdão foi
considerado deságio. A TV Globo, então, passou a ser credora
e sócia da Globopar,por meio da compra das cotas de uma terceira
empresa, a Globo Rio Participações e Serviços Ltda., então
controladora da Globopar. A compra, por sua vez, se deu por
meio do desconto de uma dívida que a Globo Rio tinha
com a TV Globo, fechando o círculo.
o perdão de uma dívida de US$ 65 milhões (R$ 153 milhões,
à época) concedido pelo banco americano JP Morgan, em 2005,
à Globopar. A dívida total com instituições financeiras no exterior,
gerida pelo JP Morgan e avaliada em US$ 213,1 milhões (R$ 504,6
milhões, à época), foi “adquirida” pela TV Globo, outra empresa do
grupo, por 30% menos que o valor original. O perdão foi
considerado deságio. A TV Globo, então, passou a ser credora
e sócia da Globopar,por meio da compra das cotas de uma terceira
empresa, a Globo Rio Participações e Serviços Ltda., então
controladora da Globopar. A compra, por sua vez, se deu por
meio do desconto de uma dívida que a Globo Rio tinha
com a TV Globo, fechando o círculo.
Construção circular
Adquirir a Globopar era interessante por causa de seu prejuízo
acumulado. O passivo a descoberto da empresa, que em 2005
era de R$ 2,34 bilhões, poderia ser usado para abater impostos
de quem a comprasse. Em uma só tacada, ao comprar a Globo
Rio por R$ 65,5 milhões e assumir a dívida de R$ 2,34 bilhões
da Globopar, a TV Globo somou R$ 2,4 bilhões em ágio a amortizar.
Em sua contabilidade, a TV Globo lançou R$ 152 milhões, referentes
ao perdão, como ágio a deduzir no pagamento de impostos,
atribuindo à quantia o título de “valor de mercado da Globopar” —
ou seja, um investimento.
A compra da Globo Rio pela TV Globo e a conversão do valor em ágio
para a compradora foi auditada e confirmada em 2005 por laudo da
Consef (Consultoria Econômico-Financeira), terceirizada.
Adquirir a Globopar era interessante por causa de seu prejuízo
acumulado. O passivo a descoberto da empresa, que em 2005
era de R$ 2,34 bilhões, poderia ser usado para abater impostos
de quem a comprasse. Em uma só tacada, ao comprar a Globo
Rio por R$ 65,5 milhões e assumir a dívida de R$ 2,34 bilhões
da Globopar, a TV Globo somou R$ 2,4 bilhões em ágio a amortizar.
Em sua contabilidade, a TV Globo lançou R$ 152 milhões, referentes
ao perdão, como ágio a deduzir no pagamento de impostos,
atribuindo à quantia o título de “valor de mercado da Globopar” —
ou seja, um investimento.
A compra da Globo Rio pela TV Globo e a conversão do valor em ágio
para a compradora foi auditada e confirmada em 2005 por laudo da
Consef (Consultoria Econômico-Financeira), terceirizada.
Um mês depois, a Globopar, antes endividada, agora recomeçava
o ciclo, ao comprar sua controladora, a TV Globo, em um negócio
conhecido como “incorporação às avessas”. A triangulação dava
à Globopar um patrimônio líquido novamente positivo, e agora
com ágio a amortizar — já que o direito de abater impostos adquirido
pela TV Globo agora passava à sua compradora. A contabilização
parcelada dessa incorporação culminou, em outubro de 2010, no
valor de R$ 2,28 bilhões em ágio a amortizar. Mas segundo o Fisco,
esse ágio era formado nada menos que pela aquisição, pela Globopar,
de forma indireta, de suas próprias ações.
o ciclo, ao comprar sua controladora, a TV Globo, em um negócio
conhecido como “incorporação às avessas”. A triangulação dava
à Globopar um patrimônio líquido novamente positivo, e agora
com ágio a amortizar — já que o direito de abater impostos adquirido
pela TV Globo agora passava à sua compradora. A contabilização
parcelada dessa incorporação culminou, em outubro de 2010, no
valor de R$ 2,28 bilhões em ágio a amortizar. Mas segundo o Fisco,
esse ágio era formado nada menos que pela aquisição, pela Globopar,
de forma indireta, de suas próprias ações.
Para a Receita, embora os lançamentos tenham se baseado em
“eventos reais”, foram “operações legais apenas no seu aspecto formal”
, o que configuraria um planejamento tributário indevido. Isso porque,
embora empresas diferentes tenham uma adquirido a outra, todas
pertenciam às mesmas pessoas. Roberto Irineu Marinho, João Roberto
Marinho e José Roberto Marinho eram sócios das quatro empresas
envolvidas no negócio: Globopar, TV Globo, Globo Rio e Cardeiros
Participações S.A. Assim, para a Receita, o crédito dedutível criado
pela transação foi artificial. “Como podemos perceber, operou-se um
milagre dentro da Globopar, que teve um PL [patrimônio líquido]
negativo de R$ 2,34 bilhões transformado em PL positivo, de
R$ 318 milhões, tudo isso no exíguo prazo de 30 dias”, apontou
a fiscalização. “A Globopar passou a desfrutar de um ágio a amortizar
que nada mais é que seu próprio patrimônio líquido negativo.”
“eventos reais”, foram “operações legais apenas no seu aspecto formal”
, o que configuraria um planejamento tributário indevido. Isso porque,
embora empresas diferentes tenham uma adquirido a outra, todas
pertenciam às mesmas pessoas. Roberto Irineu Marinho, João Roberto
Marinho e José Roberto Marinho eram sócios das quatro empresas
envolvidas no negócio: Globopar, TV Globo, Globo Rio e Cardeiros
Participações S.A. Assim, para a Receita, o crédito dedutível criado
pela transação foi artificial. “Como podemos perceber, operou-se um
milagre dentro da Globopar, que teve um PL [patrimônio líquido]
negativo de R$ 2,34 bilhões transformado em PL positivo, de
R$ 318 milhões, tudo isso no exíguo prazo de 30 dias”, apontou
a fiscalização. “A Globopar passou a desfrutar de um ágio a amortizar
que nada mais é que seu próprio patrimônio líquido negativo.”
Além disso, a chamada “incorporação às avessas” é, para a Receita,
abuso de direito, como entendeu, em 2006, a Delegacia da Receita
Federal de Julgamento no Rio de Janeiro, conforme acórdão 10.007,
que tratou de caso semelhante. A decisão diz ser indedutível o
“ágio de si própria” gerado em incorporações dessa natureza.
“Inúmeras decisões do Carf têm considerado que a operação
realizada pelo contribuinte precisa ter propósito negocial, ou seja,
não é lícito realizar operação de ‘incorporação às avessas’, com
a consequente transferência do ágio, simplesmente com o intuito
de redução da carga tributária”, citou a fiscalização ao analisar
recurso da Globopar. “Todas as aquisições foram efetivadas por
intermédio de acertos de passivo existentes entre as empresas,
ou seja, não ocorreu transferência de numerário.”
abuso de direito, como entendeu, em 2006, a Delegacia da Receita
Federal de Julgamento no Rio de Janeiro, conforme acórdão 10.007,
que tratou de caso semelhante. A decisão diz ser indedutível o
“ágio de si própria” gerado em incorporações dessa natureza.
“Inúmeras decisões do Carf têm considerado que a operação
realizada pelo contribuinte precisa ter propósito negocial, ou seja,
não é lícito realizar operação de ‘incorporação às avessas’, com
a consequente transferência do ágio, simplesmente com o intuito
de redução da carga tributária”, citou a fiscalização ao analisar
recurso da Globopar. “Todas as aquisições foram efetivadas por
intermédio de acertos de passivo existentes entre as empresas,
ou seja, não ocorreu transferência de numerário.”
A empresa rebateu dizendo que o propósito não foi meramente
evitar tributação. “O longo processo de reestruturação da dívida
da recorrente, que culminou com as operações realizadas em 2005,
ora em discussão, teve sempre um objetivo: reunir, em uma única
pessoa jurídica, o endividamento da recorrente e a capacidade
financeira da TV Globo”, defendeu-se. E criticou o assombro do
Fisco com a rapidez da transação. “A celeridade com que os atos
societários foram elaborados e os contratos celebrados é inteiramente
neutra em termos fiscais. Tivessem as operações societárias
acontecido em um único dia ou ao longo de dez anos, os efeitos
fiscais seriam rigorosamente os mesmos. Por isso, tal fato jamais
deveria ter sido levado em conta pela fiscalização.”
evitar tributação. “O longo processo de reestruturação da dívida
da recorrente, que culminou com as operações realizadas em 2005,
ora em discussão, teve sempre um objetivo: reunir, em uma única
pessoa jurídica, o endividamento da recorrente e a capacidade
financeira da TV Globo”, defendeu-se. E criticou o assombro do
Fisco com a rapidez da transação. “A celeridade com que os atos
societários foram elaborados e os contratos celebrados é inteiramente
neutra em termos fiscais. Tivessem as operações societárias
acontecido em um único dia ou ao longo de dez anos, os efeitos
fiscais seriam rigorosamente os mesmos. Por isso, tal fato jamais
deveria ter sido levado em conta pela fiscalização.”
Em 2007, foi a vez de a TV Globo ser intimada a justificar o ágio
de R$ 2,4 bilhões. À Receita, a empresa respondeu que o valor se
referia à “rentabilidade futura da Globopar”, devido a “projeção dos
resultados da sociedade para o período de 2006 a 2014”.
de R$ 2,4 bilhões. À Receita, a empresa respondeu que o valor se
referia à “rentabilidade futura da Globopar”, devido a “projeção dos
resultados da sociedade para o período de 2006 a 2014”.
Mas o Fisco desconsiderou as deduções e exigiu o recolhimento
da diferença de IR e CSLL. A Receita entendeu como omissão de
receita a realização do deságio de R$ 152 milhões referente ao
perdão da dívida bancária internacional. “Quando há extinção de
um passivo (obrigação), sem o desaparecimento concomitante
de um ativo, de igual ou superior valor, é inegável a ocorrência
de um acréscimo patrimonial. Portanto, o perdão (remissão) da
dívida há de ser reconhecido como receita, o que repercute no lucro
líquido positivamente”, diz decisão da Turma Julgadora na Delegacia
de Julgamento da Receita no Rio.
da diferença de IR e CSLL. A Receita entendeu como omissão de
receita a realização do deságio de R$ 152 milhões referente ao
perdão da dívida bancária internacional. “Quando há extinção de
um passivo (obrigação), sem o desaparecimento concomitante
de um ativo, de igual ou superior valor, é inegável a ocorrência
de um acréscimo patrimonial. Portanto, o perdão (remissão) da
dívida há de ser reconhecido como receita, o que repercute no lucro
líquido positivamente”, diz decisão da Turma Julgadora na Delegacia
de Julgamento da Receita no Rio.
O Fisco também glosou a amortização do ágio com base na
rentabilidade futura da Globopar. “O ágio pago efetivamente
equivale apenas a R$ 65 milhões, não sendo, portanto, lícito
considerar o valor do passivo a descoberto, isto é, R$ 2,4 bilhões”,
diz a decisão.
rentabilidade futura da Globopar. “O ágio pago efetivamente
equivale apenas a R$ 65 milhões, não sendo, portanto, lícito
considerar o valor do passivo a descoberto, isto é, R$ 2,4 bilhões”,
diz a decisão.
Bem negativo
Ao analisar o recurso da Globopar, a relatora na Turma, conselheira
Edeli Pereira Bessa, observou que, embora alegasse que o ágio
tenha sido gerado por transações sucessivas por meio de empresas
dos mesmos sócios, o Fisco não negou a existência do ágio, mas
apenas contestou sua amortização na base de cálculo dos tributos.
No entanto, ela negou que haja a possibilidade de existir patrimônio
líquido negativo que dê origem a ágio aproveitável por empresa que
compra outra no vermelho.
Ao analisar o recurso da Globopar, a relatora na Turma, conselheira
Edeli Pereira Bessa, observou que, embora alegasse que o ágio
tenha sido gerado por transações sucessivas por meio de empresas
dos mesmos sócios, o Fisco não negou a existência do ágio, mas
apenas contestou sua amortização na base de cálculo dos tributos.
No entanto, ela negou que haja a possibilidade de existir patrimônio
líquido negativo que dê origem a ágio aproveitável por empresa que
compra outra no vermelho.
Edeli lembrou que as leis que disciplinam o assunto — a Lei 6.404/1976
(a Lei das S.A.), o Decreto 3.000/1999 (o regulamento do Imposto
de Renda) e o Decreto-lei 1.598/1977 — não tratam de patrimônio
líquido com saldo devedor ou de ativo de valor negativo.
“Os dispositivos legais sempre adotam como referencial para avaliação
de investimentos os valores de patrimônio líquido, e nada mencionam
acerca dos procedimentos a serem adotados em caso de passivo a descoberto”, mencionou. “É possível concluir que não existe,
conceitualmente, patrimônio líquido negativo. (…) É possível,
portanto, interpretar que as leis, ao se reportarem ao valor de
patrimônio líquido como referência para cálculo da equivalência
patrimonial, tinham em conta, apenas, situações nas quais o
investimento apresenta um valor patrimonial positivo.”
(a Lei das S.A.), o Decreto 3.000/1999 (o regulamento do Imposto
de Renda) e o Decreto-lei 1.598/1977 — não tratam de patrimônio
líquido com saldo devedor ou de ativo de valor negativo.
“Os dispositivos legais sempre adotam como referencial para avaliação
de investimentos os valores de patrimônio líquido, e nada mencionam
acerca dos procedimentos a serem adotados em caso de passivo a descoberto”, mencionou. “É possível concluir que não existe,
conceitualmente, patrimônio líquido negativo. (…) É possível,
portanto, interpretar que as leis, ao se reportarem ao valor de
patrimônio líquido como referência para cálculo da equivalência
patrimonial, tinham em conta, apenas, situações nas quais o
investimento apresenta um valor patrimonial positivo.”
Por fim, a relatora arrematou com argumento lógico: “Admitir que
um investimento apresente valor contábil negativo significa
reconhecer a responsabilidade da investidora pelas dívidas da
investida para além do capital nela aplicado.” O entendimento é compartilhado pelo especialista em Direito Societário Modesto
Carvalhosa, citado no voto de Edeli. No livro Comentários à lei
das sociedades anônimas (4ª edição, editora Saraiva), o advogado
e professor afirma que “se a empresa investida tiver prejuízos que transformem seu patrimônio líquido em número negativo (passivo a descoberto), a conta de equivalência na sociedade investidora pode,
na pior das hipóteses, assumir o valor zero”. Em sua opinião, se
houver ágio ainda não amortizado, ele deverá ser baixado e
contabilizado como prejuízo. “Isso porque ativo negativo não existe.”
um investimento apresente valor contábil negativo significa
reconhecer a responsabilidade da investidora pelas dívidas da
investida para além do capital nela aplicado.” O entendimento é compartilhado pelo especialista em Direito Societário Modesto
Carvalhosa, citado no voto de Edeli. No livro Comentários à lei
das sociedades anônimas (4ª edição, editora Saraiva), o advogado
e professor afirma que “se a empresa investida tiver prejuízos que transformem seu patrimônio líquido em número negativo (passivo a descoberto), a conta de equivalência na sociedade investidora pode,
na pior das hipóteses, assumir o valor zero”. Em sua opinião, se
houver ágio ainda não amortizado, ele deverá ser baixado e
contabilizado como prejuízo. “Isso porque ativo negativo não existe.”
Na prática, para a conselheira, não há ágio — direito utilizável
pela empresa compradora — enquanto a sociedade comprada está
com passivo a descoberto, salvo o equivalente ao valor do
investimento feito, o efetivamente pago pela aquisição. A situação
muda se a investida tiver patrimônio positivo novamente.
pela empresa compradora — enquanto a sociedade comprada está
com passivo a descoberto, salvo o equivalente ao valor do
investimento feito, o efetivamente pago pela aquisição. A situação
muda se a investida tiver patrimônio positivo novamente.
Fundamentos do recurso
Ao contrário do que afirmou o Fisco, para a defesa do grupo
Globo, ao assumir a responsabilidade pelo passivo a descoberto
da Globopar, a TV Globo ganhou direito ao um “ágio indireto”
equivalente ao passivo a descoberto da companhia adquirida,
que deveria ser somado ao ágio direto — custo da aquisição de sua participação na sociedade comprada.
Ao contrário do que afirmou o Fisco, para a defesa do grupo
Globo, ao assumir a responsabilidade pelo passivo a descoberto
da Globopar, a TV Globo ganhou direito ao um “ágio indireto”
equivalente ao passivo a descoberto da companhia adquirida,
que deveria ser somado ao ágio direto — custo da aquisição de sua participação na sociedade comprada.
Quanto à possibilidade contábil de existência do patrimônio líquido
negativo, a empresa citou a Resolução 847/1999 do Conselho Federal
de Contabilidade, que trata de nomenclaturas contábeis e diz, em
seu item 3.2.2.1: “No caso em que o valor do patrimônio líquido
for negativo, [o patrimônio líquido] é também denominado de passivo
a descoberto”. O texto, que reconhecia a possibilidade de existência
de PL negativo, foi alterado posteriormente pela Resolução
1.049/2005 do CFC, que excluiu essa possibilidade. A nova norma,
porém, só veio depois que as operações societárias na Globo foram registradas.
negativo, a empresa citou a Resolução 847/1999 do Conselho Federal
de Contabilidade, que trata de nomenclaturas contábeis e diz, em
seu item 3.2.2.1: “No caso em que o valor do patrimônio líquido
for negativo, [o patrimônio líquido] é também denominado de passivo
a descoberto”. O texto, que reconhecia a possibilidade de existência
de PL negativo, foi alterado posteriormente pela Resolução
1.049/2005 do CFC, que excluiu essa possibilidade. A nova norma,
porém, só veio depois que as operações societárias na Globo foram registradas.
A empresa protestou ainda contra a incidência de juros sobre a
multa de ofício aplicada na autuação.
multa de ofício aplicada na autuação.
Contábil x Fiscal
O conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro, que declarou
voto no acórdão do Carf, também não aceitou os argumentos da
empresa. Segundo ele, não existe o tal “ágio indireto”. “A pretensão
do contribuinte de considerar como ágio indireto o valor correspondente
ao ‘passivo a descoberto’ é uma criação do contribuinte sem amparo
na lei”, afirmou em seu voto. “O fato de a adquirente assumir
responsabilidade pelo ’passivo a descoberto’ da adquirida pode
implicar apenas registro contábil de provisão (que inclusive será não dedutível). Mas nunca implicará registro de ágio, nem mesmo sob
criativa a denominação de ‘ágio indireto’.”
O conselheiro Carlos Eduardo de Almeida Guerreiro, que declarou
voto no acórdão do Carf, também não aceitou os argumentos da
empresa. Segundo ele, não existe o tal “ágio indireto”. “A pretensão
do contribuinte de considerar como ágio indireto o valor correspondente
ao ‘passivo a descoberto’ é uma criação do contribuinte sem amparo
na lei”, afirmou em seu voto. “O fato de a adquirente assumir
responsabilidade pelo ’passivo a descoberto’ da adquirida pode
implicar apenas registro contábil de provisão (que inclusive será não dedutível). Mas nunca implicará registro de ágio, nem mesmo sob
criativa a denominação de ‘ágio indireto’.”
Guerreiro ainda refutou o argumento que se baseou no reconhecimento
da existência de PL negativo pelo órgão contábil máximo do país.
“As regras de contabilização ou as formas de contabilização admitidas
ou sugeridas pela CVM ou CFC são corretas, ou adequadas, apenas
para fins contábeis. Porém, elas não podem determinar os efeitos fiscais.
Isso porque, salvo menção expressa da legislação tributária, as regras de contabilização e as formas de contabilização são totalmente irrelevantes
para determinar efeitos fiscais.” E desafiou a lógica do argumento da empresa, ao afirmar que “se acaso a adquirente pode perder algo além
de sua participação acionária é porque assumiu dívidas da adquirida.
Mas isso nada tem ha ver com a aquisição do investimento”.
da existência de PL negativo pelo órgão contábil máximo do país.
“As regras de contabilização ou as formas de contabilização admitidas
ou sugeridas pela CVM ou CFC são corretas, ou adequadas, apenas
para fins contábeis. Porém, elas não podem determinar os efeitos fiscais.
Isso porque, salvo menção expressa da legislação tributária, as regras de contabilização e as formas de contabilização são totalmente irrelevantes
para determinar efeitos fiscais.” E desafiou a lógica do argumento da empresa, ao afirmar que “se acaso a adquirente pode perder algo além
de sua participação acionária é porque assumiu dívidas da adquirida.
Mas isso nada tem ha ver com a aquisição do investimento”.
O voto do conselheiro Benedicto Celso Benício Junior divergiu
parcialmente dos anteriores. Ele concordou que não pode haver
ágio sobre passivo a descoberto, mas entendeu que outros aportes
além dos feitos diretamente pela sociedade investidora — no valor
de R$ 65,5 milhões — deveriam entrar na conta do ágio.
parcialmente dos anteriores. Ele concordou que não pode haver
ágio sobre passivo a descoberto, mas entendeu que outros aportes
além dos feitos diretamente pela sociedade investidora — no valor
de R$ 65,5 milhões — deveriam entrar na conta do ágio.
“Há muito tempo, existia o entendimento de que o ágio e o deságio
somente surgiam quando havia uma aquisição das ações de
uma determinada empresa (transação direta entre vendedor e comprador).
Com a evolução dos conceitos, tornou-se consenso de que o ágio
ou o deságio também podem surgir em decorrência de uma subscrição
de capital”, afirmou. Os outros aportes seriam, para o conselheiro,
R$ 1,3 bilhão referentes a subscrição de capital e absorção de
prejuízos de R$ 463 milhões. Assim, o ágio utilizável para dedução de impostos seria de R$ 1,8 bilhão.
somente surgiam quando havia uma aquisição das ações de
uma determinada empresa (transação direta entre vendedor e comprador).
Com a evolução dos conceitos, tornou-se consenso de que o ágio
ou o deságio também podem surgir em decorrência de uma subscrição
de capital”, afirmou. Os outros aportes seriam, para o conselheiro,
R$ 1,3 bilhão referentes a subscrição de capital e absorção de
prejuízos de R$ 463 milhões. Assim, o ágio utilizável para dedução de impostos seria de R$ 1,8 bilhão.
Por fim, os argumentos da Globopar foram rejeitados por maioria
de votos. Os conselheiros acrescentaram ainda que multa e tributo
compõem a obrigação principal devida pelo contribuinte e, portanto,
podem ambos sofrer acréscimo de juros. Essa decisão se deu apenas
pelo voto de qualidade do presidente da Turma, já que houve empate.
de votos. Os conselheiros acrescentaram ainda que multa e tributo
compõem a obrigação principal devida pelo contribuinte e, portanto,
podem ambos sofrer acréscimo de juros. Essa decisão se deu apenas
pelo voto de qualidade do presidente da Turma, já que houve empate.
Participaram da votação os conselheiros Valmar Fonseca de Menezes, presidente da Turma, José Ricardo da Silva (vice-presidente), Edeli
Pereira Bessa (relatora), Benedicto Celso Benício Júnior, Carlos
Eduardo de Almeida Guerreiro e Nara Cristina Takeda Taga.
Pereira Bessa (relatora), Benedicto Celso Benício Júnior, Carlos
Eduardo de Almeida Guerreiro e Nara Cristina Takeda Taga.
Falta de regras
Para a tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto
Pernambucano de Estudos Tributários, é necessário que uma lei
esclareça as regras para o aproveitamento do ágio, uma vez que
no Brasil ainda não existe uma norma antibuso como há em outros
países.
Para a tributarista Mary Elbe Queiroz, presidente do Instituto
Pernambucano de Estudos Tributários, é necessário que uma lei
esclareça as regras para o aproveitamento do ágio, uma vez que
no Brasil ainda não existe uma norma antibuso como há em outros
países.
Atualmente, está em discussão no Poder Executivo texto a ser
proposto ao Congresso para disciplinar a matéria. Mas a intenção
do Fisco federal é acabar com a possibilidade de se deduzir ágio.
proposto ao Congresso para disciplinar a matéria. Mas a intenção
do Fisco federal é acabar com a possibilidade de se deduzir ágio.
Aqui o arcódão na íntegra.
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