Da CUT
Escrito por: Carlos Lopes/Hora do Povo
Os dados divulgados pela empresa de consultoria KPMG no último dia 14
mostram que as desnacionalizações de empresas brasileiras atingiram um
novo recorde em 2012. O notável é que elas já haviam atingido um recorde
em 2011 – e também em 2010.
Em suma, a cada ano se aceleram as
compras de empresas brasileiras por fundos ou empresas estrangeiras, a
maioria com sede nos EUA (para que o leitor tenha uma ideia relativa:
segundo o Censo de Capitais Estrangeiros do BC, as empresas dos EUA têm
dentro do Brasil 3,4 vezes o que têm as empresas francesas, alemãs ou
japonesas), com recordes batendo recordes anteriores.
Em
2012 foram 296 empresas nacionais que passaram para controle
estrangeiro. Em 2011, haviam sido 208 empresas nacionais. Em 2010, 175
empresas.
Assim, o número de empresas desnacionalizadas aumentou, em relação ao
ano anterior, sucessivamente: +92,3% (2010), +18,9% (2011), e, no ano
passado, +42,3%.
Desde 2004, quando a KPMG passou a divulgar, em sua pesquisa, os dados das operações “cross border 1” (cb 1 = “empresa de capital majoritário estrangeiro adquirindo, de brasileiros, capital de empresa estabelecida no Brasil”), os resultados foram os seguintes:
2004 - 69 empresas desnacionalizadas;
2005 - 89 empresas desnacionalizadas;
2006 - 115 empresas desnacionalizadas;
2007 - 143 empresas desnacionalizadas;
2008 - 110 empresas desnacionalizadas;
2009 - 91 empresas desnacionalizadas;
2010 - 175 empresas desnacionalizadas;
2011 - 208 empresas desnacionalizadas;
2012 - 296 empresas desnacionalizadas.
Ao todo, desde 2004, foram 1.296 empresas nacionais que passaram para controle estrangeiro, com as conhecidas e inevitáveis consequências da desnacionalização:
1) Aumento brutal das remessas de lucros para fora do país: as
remessas totais, cuja maior parte é constituída pelos ganhos, no Brasil,
das filiais de multinacionais que são enviados às suas matrizes,
passaram de US$ 25,198 bilhões (2004) para US$ 85,271 bilhões (2011), um aumento de 238,40% (o total de 2012 ainda não foi divulgado pelo Banco Central).
Se consideradas apenas as remessas para o exterior declaradas
oficialmente como “lucros e dividendos”, o valor em dólares mais do que
quintuplicou (foi multiplicado por 5,5) no mesmo período.
Ao todo, de 2004 a 2011, pari passu com a desnacionalização
de 1.296 empresas brasileiras, esse aumento vertiginoso nas remessas
para o exterior significou o envio para fora do Brasil do equivalente a
152,84% do saldo comercial que o país obteve no mesmo período.
Exatamente, as remessas totais para o exterior montaram a US$ 404,878
bilhões, enquanto o saldo comercial atingiu US$ 264,911 bilhões.
2) Simultaneamente a essa hemorragia de remessas para o exterior, houve um aumento tão brutal, ou mais, das importações. De 2004 a 2011, as importações aumentaram, em valor, 260%: de US$ 62,835 bilhões (2004) para US$ 226,233 bilhões (2011).
As filiais de multinacionais são, sobretudo, empresas importadoras de
bens intermediários – ou seja, de componentes para a montagem de
produtos finais. Mas essa é a melhor das hipóteses: a outra, que está se
tornando rotina, é quando elas passam a importar o próprio produto
final, transformando a empresa desnacionalizada em mero balcão de
vendas. O fato é que quanto maior a desnacionalização, maior o aumento
das importações.
A consequência é a desindustrialização do país, com a indústria
nacional atacada em seu maior setor – o de bens intermediários – pelas
importações, o que se estende rapidamente às importações de bens de
produção.
3) Não menos importante, até mais, é a estagnação da economia que
essa desnacionalização e desindustrialização, inevitavelmente, implica.
Em primeiro lugar, estagnação tecnológica. Não é paradoxal, mas
apenas doentio ou prova de dubiedade de caráter (ou apenas exibição de
estupidez) que os mesmos sujeitos que vivem falando que na economia
brasileira faltam “inovações”, “competitividade”, “produtividade”, etc.,
sejam os mesmos a defender a entrega ao capital estrangeiro das
empresas nacionais que são responsáveis pelas inovações e avanços
tecnológicos.
Estamos, aqui, nos referindo às empresas privadas nacionais, embora o
mesmo seja verdadeiro – e até mais – para as estatais. É verdade que,
no momento, existe a originalidade de termos, na presidência da nossa
maior e mais avançada estatal, uma senhora que parece achar que sua
função é falar mal da empresa que preside. Mas isso, como diria o grande
Dorival Caymmi numa metáfora petroquímica, é matéria plástica. Dura
pouco.
Mas voltemos às empresas privadas nacionais, com um exemplo.
Em 2012, houve uma queima de empresas nacionais produtoras de
programas de computador para os mais variados ramos da indústria.
Certamente, não foi porque essas empresas nacionais eram atrasadas ou
ineficientes que as multinacionais ou fundos especulativos se
interessaram por elas – e por atacado.
A desnacionalização resultou em que o desenvolvimento tecnológico do
país conquistado por essas empresas foi apropriado e monopolizado por
empresas estrangeiras. Não porque estas fossem mais eficientes, mas
porque tinham maior poder financeiro – e a política do governo foi,
essencialmente, a de deixar as empresas nacionais ao léu, ou seja, à
mercê do capital estrangeiro.
Em segundo lugar, e correlacionado com o anterior, a
desnacionalização leva, inevitavelmente, à estagnação do crescimento
econômico: as empresas multinacionais não se instalam em outro país para
desenvolver a economia nacional – aliás, elas fazem parte de outra
economia nacional. Portanto, as remessas de lucros, e também as suas
importações, significam puxar o investimento para baixo no país onde
estão as filiais de empresas estrangeiras.
Naturalmente, isso pode ser contrabalançado quando as filiais de
multinacionais não são o principal setor da economia – na China, por
exemplo, a taxa de investimento de 46% do PIB é atingida, sobretudo,
devido ao impulso do investimento público.
Porém, quando não há outra força – a força da coletividade, através
do Estado – se opondo, de forma geral, podemos dizer que quanto mais
desnacionalizada é uma economia, mais forte é a tendência de queda do
investimento e do crescimento. Nem precisamos lembrar a catástrofe da
economia tailandesa ou as medidas rigorosas que a Malásia tomou para
evitar catástrofe semelhante.
Basta olhar para o nosso próprio país.
De janeiro de 2004 a novembro de 2012, entraram no Brasil US$ 332,686
bilhões em “investimento direto estrangeiro” (IDE), ou seja, dinheiro
para comprar empresas ou aumentar a participação estrangeira no capital
de empresas, além de empréstimos da matriz à sua própria filial (cujo
pagamento é uma das formas de remeter lucros sem declará-los
oficialmente).
Essa entrada de US$ 332,686 bilhões em IDE provocou, segundo o Banco
Central, um aumento no estoque de IDE (ou seja, na propriedade
estrangeira sobre empresas) de US$ 132,818 bilhões (dezembro de 2003)
para US$ 675,601 bilhões (setembro de 2012). Ou seja, a
desnacionalização de empresas fez com que a propriedade estrangeira
sobre empresas dentro do Brasil, em dólares, aumentasse cinco vezes (em
termos percentuais, +408%).
Qual foi o resultado disso sobre o investimento na economia
brasileira – em especial sobre a taxa de investimento, ou seja, o
investimento (formação bruta de capital fixo – FBCF) em termos de PIB?
O resultado é que somente houve algum aumento do investimento quando
houve aumento do investimento público. A desnacionalização, isto é, o
“investimento direto estrangeiro” (IDE), pelo contrário, teve o efeito
de segurar e deprimir a taxa de investimento da economia.
O que, aliás, é perfeitamente lógico: filiais de multinacionais não
têm como função gastar seus lucros em investimentos. Sua função é
exatamente a oposta – a de investir o mínimo possível para enviar o
máximo possível de seus ganhos para a matriz.
Nenhum comentário:
Postar um comentário