22/11/2012, Gideon Levy,
Haaretz, Israel
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Entreouvido
na Vila Vudu:
É preciso reconhecer que há, em Israel, jornal suficientemente liberal, que
publica a coluna adiante traduzida. Que jornal, no Brasil, deixaria de demitir
jornalista que escrevesse e insistisse em ver publicado que:
Não
sei o que se passa em Gaza. Tudo que os jornais e jornalistas e “especialistas”
brasileiros ouvidos pelo William Waack dizem que se passa em Gaza não passa
nunca de amontoado de ideias feitas repapagaiadas?
Absolutamente
impossível, inimaginável. Nenhum jornalista brasileiro empregado escreveria e,
se escrevesse, nenhum jornal-empresa brasileiro publicaria, em nenhum caso...
Nunca.
Pois...
taí: Gideon Levy escreveu e o jornal Haaretz publicou. Parece muito. De
fato, é muito menos que o mínimo, onde se cogite, não apenas de jornalismo
liberal, mas de ativo jornalismo de democratização.
O
“jornalismo” brasileiro é o pior do mundo. É PIOR, que qualquer imprensa-empresa
Murdoch. MUITO ATIVAMENTE PIOR.
Gideon Levy |
Sou
jornalistinha que, em boa parte, passa a perna no próprio dever e trai sua
missão. Sim, andei pelo sul, pelos locais destruídos, entre israelenses
traumatizados. Ao ouvir a sirene, joguei-me ao chão e cobri a cabeça com as
mãos, ou encontrei precária proteção numa loja de roupas de criança. Até espiei
na direção de Gaza, do alto da mais alta colina em Sderot, mas não fui a Gaza e
nada noticiei sobre o sofrimento que há lá. E, como eu, todos os jornalistas
israelenses.
Estive
em Gaza pela última vez em novembro de 2008. Escrevi sobre um míssil israelense
que atingiu as crianças da creche Indira Gandhi e matou a professora ante os
olhos das crianças. Foi minha última matéria de Gaza. Logo depois, Israel
proibiu jornalistas israelenses de entrarem na Faixa, e os jornalistas aceitaram
a proibição, com servilismo e subserviência típicas. Ao longo dos anos, passaram
a ser funcionários públicos cada vez mais leais (e admirados): eles conhecem a
alma da besta. Sabem que os leitores e telespectadores não querem saber o que
realmente acontece em Gaza, e alegremente satisfazem os fregueses. Sem uma
palavra de protesto dos jornalistas, cujo governo os impede de cumprir seu
principal papel e de ser o que existem para ser.
Não
que todos sejam covardes. Os ousados, dentre eles, ao longo dos anos, reportaram
de locais em guerra ou de locais de catástrofes naturais em todo o mundo. São
heróis, estiveram no Iraque, na Líbia, na Síria e até eu, que pouco sou, estive
em Sarajevo sob bombardeio, no Japão quando a terra tremeu e na Georgia, quando
foi à guerra. O governo de Israel não manifestou qualquer preocupação com nosso
bem-estar, e cumprimos nosso papel, mesmo quando era papel perigosíssimo. Mas
diz que pensa em nos proteger contra Gaza, uma hora e quinze minutos de carro de
minha casa, e local que afeta nossas vida imensamente mais que Fukushima.
Amira Hass |
Durante
a Operação Chumbo Derretido, minha colega, Amira Hass conseguiu entrar
em Gaza via
Egito, graças ao próprio empenho, coragem e segundo passaporte.
Dessa vez, ninguém sequer tentou.
E
é assim que Israel sabe praticamente nada sobre o que está acontecendo em Gaza.
E há quem se empenha para que seja exatamente assim. O assassinato terrível da
família Dalou, por exemplo, foi coberto como exemplo de traição ao jornalismo
profissional, nos cantos de página e em rápida referência nos noticiários de
televisão. Praticamente não há registro, na mídia israelense, da destruição e
morte que Israel semeou e do medo indizível que consumiu 1,5 milhão de pessoas
durante uma semana, sem sequer um abrigo reforçado, sem sirenes e alertas, sem
teto para proteger-se. Só notícias rápidas, à margem dos noticiários.
Ocasionalmente, entrevistam um ou outro Ahmed e, digam o que disserem, a notícia
de lá vem sempre introduzida por um “segundo palestinos”, com acusações
hipócritas de que “os palestinos usam fotos do terror para autopropaganda”, como
se do horror só houvesse as imagens, nunca o próprio horror.
Não
é só questão de diferenças políticas, nem tem a ver só com jornalismo
profissional: os israelenses teriam de saber o que é feito em seu nome, mesmo
que, de fato, nada queiram saber. O papel do jornalismo é esse. Fazer-saber,
também quem não queira saber. Claro, o sofrimento no sul de Israel tinha, sim,
de ser amplamente noticiado – nunca deixei de noticiá-lo também –, mas não
podemos fechar os olhos ao que está acontecendo do outro lado, ainda que não
seja bom de ver uma casa voar pelos ares, com toda a família que ali vivia.
Quem
queira saber o que acontece em Gaza é convidado a assistir às redes
internacionais e ler jornais do resto do mundo: só eles narram a história
inteira. Israel e alguns dos jornalistas israelenses ensinam ao mundo o que é
jornalismo hostil, vicioso e distorcido. Querem que, do mundo, os israelenses só
conheçam Ashkelon e Rishon Letzion.
É
indispensável saber o que está acontecendo em Gaza, para saber o que está
acontecendo em Israel. Jornalismo que não faça nem isso, que sequer proteste, é
hasbara [propaganda pró-Israel] de recrutamento. É agradável quando um
correspondente militar de capacete amarelo sobe a um ninho de combatentes para
mostrar-nos a destruição de um bloco de apartamento; de certo modo, até
suportamos um comentarista-propagandista que só faça grunhir, clamando por mais
guerra. Mas repetir mensagens distribuídas por autoridades não é jornalismo.
Verdadeiro
jornalista israelense teria de estar hoje em Gaza. Sem isso, e só com a nenhuma
cobertura do que lá se passa, não passamos, todos, de
jornalistinhas.
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