quarta-feira, 5 de junho de 2013

"Democracia inovadora": ONU premia modelo de participação cidadã do RS 05/06/2013

| 04/06/2013 | Copyleft


O Estado do Rio Grande do Sul ganhou prêmio da ONU por estimular a participação cidadã e adotar mecanismos inovadores nos processos de decisões públicas. Segundo João Motta, Secretário de Planejamento, gestão e Participação Cidadã, atual governo fez uma releitura das experiências históricas no RS. "Jamais uma experiência dessas poderia ser implantada se a população não aceitasse, não participasse", destaca o governador Tarso Genro.

Porto Alegre - O Rio Grande do Sul obteve o primeiro lugar na categoria três do “Prêmio Nações Unidas ao Serviço Público”, para a região da América Latina e Caribe dirigida a melhorar a participação cidadã nos processos de decisões públicas, através de mecanismos inovadores. A entrega acontecerá entre os dias 24 e 27 de junho, em Manama, no Bahrein, onde a conferência de abertura discutirá o tema “transformação e inovação governamental: criando um futuro melhor para todos”.

O governador Tarso Genro, que no início do seu mandato definiu como prioridade a retomada do desenvolvimento econômico e social, tendo como base as reivindicações da sociedade civil a nível local e regional, comemorou a distinção da ONU:

“- Essa deferência da ONU considerando essa experiência inovadora de interesse mundial é uma honra para o povo gaúcho, porque jamais uma experiência dessas poderia ser implantada se a população não aceitasse, não participasse. Esta forma de participação inovadora reaproxima o governante do povo e daquela base que lhe dá legitimidade para governar. Com esse sistema de participação popular o cidadão comum interfere na conduta do Executivo, corrige rumos, define projetos e interfere na própria composição do orçamento. Portanto, dá um rigor muito maior à democracia”.

É preciso esclarecer que os projetos que se candidatam na ONU passam por uma avaliação de especialistas em administração pública das Nações Unidas e ele é considerado mundialmente como o mais prestigiado reconhecimento internacional a excelência no serviço público. São premiadas as contribuições criativas de instituições do serviço público que promovem a melhoria e eficiência, destacando o papel e o profissionalismo da gestão pública.

Integrar em rede
O Rio Grande do Sul tem um histórico de iniciativas inovadoras envolvendo a participação da sociedade e seus movimentos organizados, desde a implantação do Orçamento Participativo na gestão Olívio Dutra, em Porto Alegre, e o início das atividades do Fórum Social Mundial, em 2001. Antes disso, já baseado na Constituição de 1988, que abriu canais de participação com a população, foram criados em 1991 os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES), que atualmente formam a base da regionalização do Sistema Estadual de Participação Popular e Cidadã. São 28 COREDES no estado.

Como esclarece João Motta, Secretário de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã, o atual governo fez uma releitura das experiências históricas no RS, atualizando o tema em consonância com as mudanças globais, não somente da democracia representativa, mas também da tecnologia digital e a implantação de redes de diferentes níveis de informação e aglutinação. O cidadão democrático, eleitor, também quer saber como será aplicado o dinheiro nos projetos anunciados. Se possível, quer acompanhar o andamento da execução, estabelecendo as prioridades.

“- A ideia do Sistema, diz João Motta, é usar recursos modernos, como a tecnologia digital e a formação de redes, como um elemento inovador. Existe um esvaziamento da representação política tradicional, e uma distância entre a cidadania e a execução de orçamentos. Se nós não fizéssemos uma releitura desse processo não conseguiríamos criar um novo Sistema”.

Mais uma citação teórica, para depois entrarmos na parte prática do Sistema e as dificuldades de organização. Democracia quanto mais participativa, mais trabalho dá.

“- As democracias em crise demonstram, destaca Tarso Genro, que se nós nos ativermos a exercer a representação política sem uma relação dialógica com a sociedade, que permita através de mecanismos de transparência e de participação que as comunidades interfiram sobre a conduta dos governantes, nós teremos Estados cada vez mais autoritários e governos cada vez mais deslegitimados”.

Uma longa batalha

O Sistema, para abreviar a nomenclatura, combina a democracia representativa – estável e indeclinável -, com a participação direta da cidadania, não só nos mecanismos de gestão, mas também nas estruturas de decisão política. O governador Tarso Genro escreveu isso no ato de instalação do Plano Plurianual (PPA) – 2012-2015-, em 15 de junho de 2011. E foi uma longa batalha, até chegar ao Prêmio da ONU.

Começando pela elaboração do PPA. Em oito meses foram realizados nove seminários, envolvendo seis mil lideranças, de 350 instituições debatendo o plano de desenvolvimento econômico e social e estabelecendo prioridades. O resultado foram 12 mil manifestações, que se traduziram em 23 áreas e 86 programas do PPA.

Também é necessário informar sobre a situação do Rio Grande do Sul. A Fundação de Economia e Estatística (FEE) fez um estudo de 1981 a 2009 sobre a economia do estado. Ela cresce nesse período 75,6%, uma média anual de 2%, porém, em 11 anos o crescimento foi negativo. O PIB cresceu 25,3%, e a renda per capita do estado atingiu R$18.596,00. O RS tem mais de 10 milhões de habitantes, cerca de oito milhões de eleitores, teve uma expansão média do PIB de 0,8%, precisaria de 90 anos para dobrar a renda da população, mantidos os atuais níveis de crescimento. A economia ainda é fortemente marcada pelo agronegócio (soja e pecuária), tem uma agroindústria que mantém a população do interior ativa.

Mas, 55% da população se concentram na região metropolitana de Porto Alegre. Municípios da fronteira oeste, por exemplo, a região da campanha e da pecuária, tem perdido população. Em 10 anos, os municípios de Uruguaiana e Alegrete perderam 25 mil habitantes, entre 2000 e 2010, num universo de pouco mais de 500 mil habitantes. Os polos industriais estão localizados nos municípios vizinhos da capital, em torno da estrada Tabaí-Canoas, em Santa Cruz e Lajeado, ou então em Caxias, Passo Fundo, Horizontina e Erechim. Em 1994, o PIB do RS representava 8,9% do PIB nacional. Hoje representa 6,6%. O estado ainda é a quarta economia do Brasil, entretanto à distância para a quinta (Paraná), está diminuindo.

A máquina não é transparente

Implantar o sistema para retomar o desenvolvimento econômico em bases sustentáveis não é uma questão retórica. As prioridades regionais são diferentes, existem áreas de profunda desigualdade social e os recursos são escassos. Para definir o funcionamento do sistema foram realizados três Seminários Internacionais, com a participação média de 500 especialistas, muitos de outros países. Em março de 2013, a abertura do Seminário ficou a cargo do professor Pedro Hespanha, da Universidade de Coimbra, que debateu o tema “A crise da representação política, a Democracia Participativa e os Novos Movimentos Sociais”, com Ricardo Henriques (UFF) e o cientista político e ativista, Sérgio Gonzales Salgado, do Movimento 15M, de Barcelona.

Também participou o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho. Ele ressaltou o histórico de participação do RS, da importância de incluir os movimentos sociais na gestão da administração pública:

“- Foi a presença dos movimentos sociais em Brasília e em todo o país que fez com que o governo compreendesse que era preciso crescer repartindo o bolo. Precisamos romper a lógica de isolamento do governo e da mera democracia representativa. A máquina não foi feita para ser transparente e não foi feita para ser colocada a serviço da maioria”.

Foram realizadas várias oficinas fora do país, Espanha, Portugal, França, e também em Washington, na sede do Banco Mundial, como explica João Motta:

“- Nós discutimos as propostas e, principalmente, a metodologia do Sistema, profundamente. Ele foi muito criticado por especialistas, que ajudaram moldar a estrutura. Por isso, criamos um conceito muito consistente, que agora implantamos no Portal da Participação”.

Segundo a diretora para o Brasil do Banco Mundial, Deborah L. Wetzel, o ineditismo do RS precisa ser estudado e ampliado. O estado é uma exceção, disseram os especialistas do Banco Mundial, quando se trata de participação cidadã, porque em várias partes do mundo, onde se implantaram estas iniciativas existe um sério problema de envolvimento dos cidadãos.

Isso não acontece no Rio Grande do Sul, onde as duas últimas votações de prioridades para o orçamento reuniram mais de um milhão de pessoas, sendo 120 a 130 mil votantes pela internet. A grande maioria vai colocar o voto nas velhas urnas da Justiça Eleitoral, que foram reaproveitadas pelo Sistema.

Então a fórmula inovadora do RS envolve local, regional, presencial, digital. Como enfatiza João Motta, sempre ampliando espaços, para radicalizar a democracia.

A estrutura do sistema

O sistema é formado por quatro instâncias: decisões orçamentárias, controle social, diálogos sociais e participação digital, com destaque para o gabinete digital, um canal aberto para a população e o governador. Os Conselhos Regionais de Desenvolvimento (COREDES) estão divididos em 28 regiões, englobando os 496 municípios. A decisão das demandas e das prioridades, no nível microrregional é tomada pelos moradores, através dos Conselhos Municipais de Desenvolvimento (COMUDES). São eleitos três delegados por COREDE para o Fórum Estadual, que define as prioridades para o orçamento do ano. Na representação municipal é eleito um delegado a cada 30 representantes – numa assembleia de 300 pessoas, são eleitos 10 delegados. No total participam das negociações finais mais de mil delegados.

Existe um cronograma anual. Em abril ocorrem as assembleias públicas regionais nos 28 COREDES e a escolha de 10 temas de interesse. Em maio acontecem as assembleias públicas municipais e microrregionais, em 494 municípios. Depois de eleitos os delegados do orçamento, em junho são realizados os fóruns regionais de delegados e a montagem das cédulas de demandas. São definidos os delegados para o Fórum Estadual de Participação.

Em 2013, nos dias 6 e 7 de agosto acontecerá a Votação das Prioridades. O voto é aberto para qualquer cidadão, não é obrigatório, e inclui eleição em dias úteis – no caso desse ano, terça e quarta-feira. Na gestão 2004-2008, primeiros três anos em que a votação foi criada sob o nome de Consulta Popular, a média de participantes chegou a 660,7 mil. Na gestão passada, 2007-2010, a média alcançou 754,7 mil votantes. Em 2011, a votação envolveu 1,134milhão de cidadãos. No ano passado foram 1,028 milhão de votantes. A expectativa da próxima é de manter o patamar de um milhão. As reuniões regionais e municipais têm alcançado um público médio acima dos outros anos. Nas duas primeiras votações as assembleias reuniram 60 e 70 mil pessoas, nos debates sobre os temas, as demandas e a definição de prioridades. Em 2012, foram realizadas 542 assembleias municipais em 494 municípios.

Além dos COREDES, outro canal de participação são os Conselhos Setoriais de Direito, onde no RS são reconhecidos 23, específicos para diversos temas, desde a criança e o adolescente, comunidade negra, povos indígenas, até os institucionais, como cultura, saúde, meio ambiente, esporte e lazer. Em dois anos, ocorreram 20 conferências temáticas.

Sempre falam a mesma coisa

Lagoão é o nome de um município que fica na região Altos da Serra de Botucaraí. Pois foi lá, em 2011, que estava marcada a terceira interiorização do governo gaúcho. Mensalmente, durante um dia, o governo transfere a sede da capital para uma cidade do interior. Até agora foram 25 interiorizações. Era um dia chuvoso, muitos secretários perderam o rumo, ou atolaram, mas não conseguiram chegar à sede do município. Por um motivo simples: não havia estrada. Na recepção da comitiva oficial, três mil pessoas aguardavam ansiosamente a chegada das autoridades. O refrão dos moradores era um só: sempre falam a mesma coisa, e não acontece nada.

Tarso Genro tomou uma decisão: precisamos deliberar. Não saio daqui sem uma decisão, exatamente a definição de deliberar, resolver depois de exame ou discussão, ou então consultar a si mesmo ou outrem, como diz o dicionário do Aurélio. Tomaram a decisão de investir nas estradas do município. Hoje, João Motta, que estava presente, lembra que aquela situação ajudou a tomar a decisão de implantar o Sistema. Não tinha como não dar uma reposta para três mil pessoas, que esperam há muitos anos por uma intervenção do estado. Aprovaram R$25 milhões nos projetos para Lagoão.

A instância do Sistema é deliberativa, se a pauta da população está organizada, e é apresentada na interiorização, o governador aprova. O Sistema tem um comitê gestor paritário governo e sociedade, com a coordenação executiva da Secretaria de Planejamento, Gestão e Participação Cidadã. Toda a estrutura é agilizada ainda mais pelo Gabinete Digital, dividido em três questões básicas: o governador pergunta – duas edições, 3.400 propostas recebidas mais 360 mil votos; o governador escuta – seis edições, mais de 10 mil interações; governador responde, nove edições, mais de 500 perguntas respondidas e mais de 100 questões resolvidas.

O gabinete do vice-governador também está integrado ao Sistema, pelo Programa de Combate às Desigualdades Regionais, onde foram definidas nove regiões para trabalhar. Em sete o programa foi instalado. Em 2013, completarão o quadro. Em todos os encontros o processo é o mesmo, definir prioridades de ação e encaminhar o projeto. Na mesma linha foi criada a Secretaria do Gabinete dos Prefeitos, com objetivo de articular as prefeituras para se habilitar em projetos, na captação de recursos, fortalecer as relações federativas, contribuir na formação e desenvolvimento da gestão municipal.

Em 2013, foram disponibilizados para o Sistema R$218 milhões, serão aplicados em diferentes áreas, como saúde, educação, segurança pública, conforme o aprovado na Votação das Prioridades. No ano passado foram R$165 milhões. O Rio Grande do Sul é o terceiro estado que mais acessou as verbas do PAC, cerca de R$30 bilhões, em obras de infraestrutura, aeroportos regionais, estradas, pontes e portos.

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