Herdeiro da Abril, Roberto Civita morre aos 76 anos
Internado desde o início do ano no hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, empresário enfrentava um câncer cujas informações não foram divulgadas ao longo do tratamento; anúncio da morte ocorreu na noite deste domingo 26, em São Paulo, em decorrência de complicações cardíacas; dono de sorriso largo, irritava-se diante do simples pronunciar de algumas siglas, como PT, CUT e MST; Roberto Civita comandou a passagem da revista Veja, a de maior circulação do País, do centro para a direita do espectro político; sua fortuna pessoal foi estimada pela revista Forbes em US$ 4,9 bilhões, o que o incluiu na lista dos 300 homens mais ricos do mundoCivita assumiu a presidência do Grupo Abril em 1990, com o falecimento do pai. No mês passado, ciente da gravidade de seu quadro clínico, transmitiu para seu filho Giancarlo as presidências executiva e do conselho de administração do grupo. Fundada em 1950, a Abril conta atualmente com 9,5 mil empregados e publica 52 revistas diferentes, entre elas Veja, a de maior circulação do País. O grupo faturou R$ 2,9 bilhões no ano passado. Segundo a revista Forbes, Roberto Civita acumulou uma fortuna pessoal de US$ 4,9 bilhões, tornando-se um dos 300 homens mais ricos do mundo.
Amante de barcos, restaurantes sofisticados e viagens pelo mundo com a esposa Maria Antônia, Roberto Civita foi um editor polêmico. Ao contrário do pai, que costumava respeitar, no dia a dia, a autonomia de suas redações, entre as quais a da própria Veja, Roberto sempre foi bastante presente na determinação dos alinhamentos editoriais de suas publicações. Em sua gestão de mais de 20 anos à frente do grupo, passou a ser comum editores serem chamados à sua sala, no topo do Novo Edificio Abril, o Nea, em São Paulo, para recitais de enquadramento político-editorial.
Amigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Civita atuou para dar sustentação editorial ao governo tucano, posicionando-se, diante do sucessor Luiz Inácio Lula da Silva, em permanente antagonismo. Após ter experimentado, entre 1990 e 2000, uma década de ouro, a Abril passou a lançar mão de sua posição de destaque no mercado editorial para fustigar o governo Lula. Nos negócios, a empresa se complicou ao multiplicar suas dívidas em dólares, a ponto de enfrentar cobranças pesadas de bancos europeus que a haviam financiado. Civita, em meados dos anos 2000, planejou vender a gráfica do Grupo Abril – a de maior capacidade de impressão da América Latina – para enfrentar o endividamento, mas uma bem sucedida renegociação, além da falta de compradores, evitou essa atitude. Numa negociação internacional jamais explicada integralmente, a Abril vendeu, segundo informação oficial da empresa, 30% de seu capital ao grupo sul-africano Naspers. Os estrangeiros assumiram a compra de 13,8% do capital que pertenciam aos fundos de investimento administrados pela Capital International, desde julho de 2004.
ACENTO NA OPOSIÇÃO - Com os problemas financeiros resolvidos dessa forma, Civita sentiu-se fortalecido para acentuar sua oposição praticada pelo flanco direito da administração do PT, partido que não ostenta nem sequer cinco linhas contínuas de elogios na revista Veja, mesmo tendo vencido as três últimas eleições presidenciais e se tornado o mais votado do País no último pleito.
Civita não era dado a olhar os fatos sem o viés da editorialização. Em sua gestão, Veja multiplicou o tamanho de sua redação, mas passou a acrescentar comentários, em lugar de notícias, em suas páginas. No ano passado, Roberto Civita liderou pessoalmente uma pesada bateria de pressões sobre parlamentares da CPI do Cachoeira, no sentido de impedir a convocação do editor-chefe de Veja, Policarpo Jr. O jornalista correu o risco de ser chamado a depor sobre suas relações com o contraventor Carlinhos Cachoeira, com quem foi grampeado pela Polícia Federal em combinações de matérias jornalísticas do agrado do bicheiro e de ataque aos adversários dele. Lançando mão do recém contratado banqueiro Fábio Barbosa para o comando da Abril, Civita o enviou a diversas missões políticas em Brasília, com o sentido de garantir a ausência de Policarpo da CPI. O presidente das Organizações Globo, João Roberto Marinho, atuou ao lado de Civita e Barbosa para barrar a presença do jornalista na CPI. Venceram, mas fora das páginas da mídia tradicional o público ficou sabendo da profundidade das ligações perigosas entre Veja e o submundo político.
Dentro de seu grupo, Roberto foi o principal arauto da importância da migração de suas publicações para a mídia internet. Ele percebeu, desde os tempos em que aceitou vender sua gráfica, os custos extremados das publicações em papel. Para dinamizar o site de Veja, porém, recrutou colunistas de um único discurso ideológico, marcando posições ajustadas ao pensamento mais conservador presente na classe média. Se a intenção era irritar Roberto Civita, bastava, por exemplo, pronunciar diante dele algumas siglas para tirar-lhe o sorriso do rosto: MST, CUT, PT e outras correlatas.
SOLIDARIEDADE DO ADVERSÁRIO - Internado desde o início do ano no hospital Sírio-Libanês, Roberto Civita recebeu, ali, a solidariedade pessoal do ex-presidente Lula, também submetido, no ano passado, a um tratamento contra um câncer na garganta. Ao contrário de Lula, que optou por divulgar informações diárias sobre seu estado de saúde, inclusive com a distribuição de fotografias, Civita, mesmo sendo, em tese, um editor de notícias, escolheu o segredo. Os rumores dão conta de que seu falecimento se deu em decorrência de um câncer na próstata.
PARCERIA COM THOMAZ - No dia a dia da Abril, Civita procurava fazer as vezes do bom patrão, profícuo em elogios aos funcionários mais antigos, aos quais chamava de "pilastras" de seu grupo empresarial. Era muito ligado ao vice-presidente Thomaz Souto Corrêa, de atuação estratégia nas gestões do "seu" Victor, como era chamado o fundador do grupo, e do "doutor" Roberto. A decisão de segmentar as publicações da Abril, hoje com 52 títulos diferentes, nasceu das reflexões de Roberto e Thomaz. Civita soube superar um momento delicado na história do grupo para torná-lo saudável.
Em oposição à fama de "sovina" do pai, que ergueu a Abril a partir da publicação das revistas infantis do grupo americano Disney, entre as quais o Tio Patinhas – Pato Donald foi a publicação inagural da companhia --, Roberto cultuava o perfil duplo de empresário work-a-holic e, ao mesmo tempo, bon vivant. Gostava de ser visto no comando direto da empresa, mas não fazia questão de esconder suas longas viagens ao redor do mundo e as constantes aterrissagens em seu apartamento de Nova York. Formador do perfil ideológico do Grupo Abril, ele escolheu o filho Giancarlo, em detrimento dos executivos do carreira do grupo, para seguir a obra familiar. As projeções, no campo editorial, convergem para o continuado posicionamento à direita do espectro político da Abril e suas publicações.
Roberto Civita deixa a mulher, Maria Antonia Magalhães Civita, os filhos Giancarlo Civita, Victor Civita Neto e Roberta Anamaria Civita, e seis netos.
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