Felipe Prestes
Quando o ciclo de investimentos na indústria oceânica
teve início no Rio Grande do Sul, em 2005, com a construção da
plataforma P-53, na cidade de Rio Grande, pelo consórcio Quip (formado
pelas empresas Queiroz Galvão, UTC Engenharia e IESA Óleo e Gás), ainda
era uma incógnita se o setor teria um impacto passageiro ou duradouro no
Estado. Hoje, não há mais este clima de incerteza, garante o presidente
da Agência Gaúcha de Desenvolvimento e Promoção do Investimento (AGDI),
Marcus Coester. “Havia a dúvida se não seria um negócio esporádico, que
depois deixaria trabalhadores desempregados. O RS já superou esta fase.
Entramos em uma fase de continuidade de negócios”.
Coester conta que o setor oceânico tem US$ 9 bilhões
contratados atualmente. “Isto vai puxar uma série de outros setores,
como hotelaria e infraestrutura”, projeta. O presidente da AGDI, que
também coordena o Comitê Gestor do Programa de Estruturação,
Investimento e Pesquisa em Gás Natural, Petróleo e Indústria Naval do
Rio Grande do Sul (PGPIN), qualifica a indústria offshore como a “melhor
novidade” da economia gaúcha e afirma que ainda haverá décadas de
investimentos no setor. “Há pelo menos 30 anos pela frente. O projeto de
investimentos em óleo e gás da Petrobras é um dos maiores do mundo. O
RS tem conseguido uma parcela importante destes negócios”.
O consultor Maurênio Stortti, que realizou um estudo
para a FIERGS sobre as possibilidades da indústria oceânica no Rio
Grande do Sul, também projeta bons resultados. “Em um prazo de oito
anos, o setor deve gerar 64 mil empregos diretos e 236 mil indiretos.
Deve haver um incremento de R$ 3,4 bilhões na renda dos gaúchos. Na
cidade de Rio Grande, o PIB deve triplicar”, conta. Hoje, o segmento já
corresponde a 5,6% do PIB gaúcho.
Dentre os negócios que impulsionam o setor, pelo menos
dois chamam atenção: a contratação pela Petrobras de oito plataformas
flutuantes (FPSOs) no valor total de US$ 4,5 bilhões (metade de todo
montante contratado no RS) que serão construídas pelo Grupo Engevix e
entregues entre 2013 e 2018; e os investimentos da IESA Óleo e Gás no
novo polo naval, às margens do Rio Jacuí, em Charqueadas. Esta
contratação merece destaque porque marca o fim da concentração da
indústria naval apenas na região de Rio Grande e São José do Norte. O
setor começa a levar desenvolvimento também para outras localidades.
“Região do Jacuí deve gerar 10 mil empregos em um futuro não muito distante”
A IESA Óleo e Gás assinou com a Tupi BV e a Guará BV –
empresas constituídas pela Petrobras e suas parceiras BG Group, Petrogal
Brasil e Repsol Sinopec – contratos para fornecimento de 24 módulos de
compressão de gás, a serem instalados nas primeiras seis plataformas
FPSO que operarão no pré-sal da Bacia de Santos. Os contratos têm valor
total de US$ 720 milhões e preveem ainda a opção de fornecimento de oito
módulos adicionais para outras duas FPSO, o que pode elevar o valor
total dos contratos a US$ 911 milhões. A IESA prevê a geração de 1,2 mil
empregos diretos.
Os investimentos na unidade industrial da empresa em
Charqueadas chegam a R$ 100 milhões. A obra está em fase de
terraplanagem e instalação da infraestrutura, com o cais já totalmente
implantado, e as operações devem iniciar ainda no primeiro trimestre de
2013. À IESA devem se juntar outras empresas da cadeia produtiva. Uma
delas já está confirmada, a METASA, que produz estruturas metálicas.
A fornecedora conta que, em uma primeira fase, vai
receber os componentes que compõem as estruturas de sua matriz, que fica
em Marau, no Noroeste do Estado, e apenas montá-las em Charqueadas. Mas
só para realizar este trabalho já contratará 200 funcionários e
investirá R$ 35 milhões. A expectativa da METASA é passar, em um segundo
momento, a fabricar os componentes em Charqueadas e dobrar a produção,
ampliando o investimento para R$ 120 milhões. Isto geraria, segundo a
companhia, “centenas de novos empregos”.
O presidente do Conselho de Administração da METASA,
Antônio Roso, ressalta a importância de medidas para privilegiar os
fornecedores locais. “As medidas anunciadas recentemente pelo Governo
Federal e pela Petrobras sinalizam bons tempos para os fornecedores
locais. E, nós, que já somos fornecedores da Petrobras há mais de dez
anos, estamos otimistas com isso”, comenta. Ele afirma ainda que as
perspectivas no Rio Grande do Sul são excelentes pela existência de
“grandes estaleiros em funcionamento ou confirmados no Estado e vultosos
investimentos anunciados pela Petrobras para o Rio Grande do Sul”.
Além da IESA e da METASA, outras quatro empresas
pretendem produzir no local conteúdo para a indústria naval. A Intecnial
já está estabelecida em Charqueadas, mas deve realizar novos
investimentos para poder ser competitiva no mercado offshore. UTC, Tomé
Engenharia e Engecampo devem produzir em Charqueadas. “No Jacuí
estimamos 10 mil empregos diretos, num período não muito distante”,
afirma Marcus Coester.
Polo do Jacuí nasceu para evitar colapso em Rio Grande e beneficiar mais regiões
Marcus Coester explica que a ideia de encontrar um novo
polo naval partiu da constatação de que Rio Grande não poderia dar conta
de tantos investimentos. “Nasceu em função das limitações que vieram
com a consolidação do polo naval de Rio Grande. Não havia mais área de
cais disponível e a cidade não tinha capacidade para absolver os
investimentos da indústria oceânica na velocidade em que estão
acontecendo. Acabaria dando um colapso”, conta.
A partir desta constatação, o Governo passou a trabalhar
com a ideia de que era possível aproveitar o sistema de hidrovias do
Estado para expandir a indústria oceânica — que depende das águas para
produzir e transportar seus equipamentos – para as margens de rios,
lagos e lagoas. Foi feito, então, um mapeamento de toda a hidrovia que
liga Rio Grande à região central do Estado, da Lagoa dos Patos até o Rio
Jacuí.
A Lagoa foi afastada porque sua hidrovia fica do lado
leste, onde há apenas municípios muito pequenos, como Mostardas e
Tavares, e nenhuma infraestrutura. Porto Alegre e Guaíba, que oferecem
área muito reduzida, não estão totalmente descartadas para receber
empreendimentos de menor porte. Continuando a subir há o Delta do Jacuí
que é uma área de preservação e depois a região de Charqueadas que
apresentou um calado muito bom para a construção de módulos e outros
equipamentos para a indústria oceânica. Cidades vizinhas, como São
Jerônimo,Triunfo e General Câmara também poderão receber
empreendimentos.
“Nesta região, o Jacuí tem um calado de 5 metros, que só
não permite construir as plataformas de grande porte e sondas, mas no
processo de fabricação há outras etapas, como os módulos, que vão ser
construídos em Charqueadas. Para eles é preciso apenas 2,5 metros de
calado, então temos um calado muito bom”, afirma Coester. Entre as
vantagens da região de Charqueadas, também estão a proximidade com a
Região Metropolitana, com sua abundância de mão-de-obra e acesso à
educação.
“A facilidade de acesso – por rodovia, à unidade de
Charqueadas, e por hidrovia, ao polo naval de Rio Grande e ao Oceano
Atlântico – foi um fator decisivo para a escolha daquele município, por
atender aos requisitos de logística de transporte de grandes módulos. A
disponibilidade de mão de obra qualificada na região e a existência de
várias escolas técnicas revelaram-se outros dois fatores de
diferenciação”, afirma a IESA Óleo & Gás, por meio de sua assessoria
de imprensa.
A empresa também destaca o apoio do Poder Público. “O
apoio do Governo do Estado do Rio Grande do Sul e da Prefeitura de
Charqueadas nas questões de obtenção da área, equacionamento das
necessidades de infraestrutura e licenciamento das instalações foi
fundamental no processo decisório da IESA Óleo & Gás”.
O Governo do Estado ajudou a instalação dos
empreendimentos em Charqueadas com obras de infraestrutura, incentivos
fiscais, financiamentos e agilizando os licenciamentos ambientais. “A
FEPAM tem dado alta prioridade aos investimentos na indústria oceânica”,
afirma Marcus Coester. Nos protocolos assinados pelas empresas, elas se
comprometem a dar preferência a matéria-prima local.
A Prefeitura de Charqueadas atuou na desapropriação das
áreas e também com incentivos fiscais. Agora, o município está cheio de
boas perspectivas, mas também de desafios. “Vão aumentar o emprego e a
renda. Vai haver crescimento muito grande em todos os setores,
principalmente para o comércio, serviços e moradia. Mas precisaremos
melhorar a mobilidade urbana, a qualificação”, afirma a secretária de
Indústria e Comércio de Charqueadas, Roselaine Berbigier.
Ela relata que a Prefeitura está fazendo um mapeamento
de todas as atividades em que haverá crescimento de demanda. “Desde
padarias até instituições escolares sofrerão impacto. Estamos tentando
financiar a qualificação de mão-de-obra local, incentivar
microempresários a ampliarem seus serviços para atender à demanda
crescente”, explica. Para os 1,2 mil empregos diretos que vai gerar, a
IESA prevê treinamentos em Charqueadas. “Serão treinados na região
engenheiros, montadores, soldadores, eletricistas e encanadores, entre
outras funções profissionais”, explica a empresa.
De uma maneira geral, o Governo do Estado tem ajudado os
empresários da indústria oceânica de maneira articulada, por meio do
PGPIN, que reúne diversas secretarias, de Educação a Meio-Ambiente. O
Estado busca divulgar as vantagens dos investimentos em solo gaúcho,
viabilizar parcerias para qualificação, destravar os licenciamentos
ambientais, incentivos fiscais e financiamentos, por meio do Badesul e
Banrisul. Só este último banco já financiou R$ 220 milhões para empresas
que atuam diretamente na indústria naval, sem contar os financiamentos
para fornecedores.
Engevix chegará a contar com cinco mil trabalhadores em Rio Grande
Recentemente, Rio Grande vivenciou uma situação em que o
bordão “nunca antes na história deste país” – repetido pelo presidente
Lula de maneira, muitas vezes, exagerada – poderia perfeitamente ser
utilizado. Em julho deste ano, foi concluído o içamento de 17 mil
toneladas para juntar o deque (parte superior) com o casco (parte
inferior) da plataforma P-55. Uma empresa da Holanda precisou ser
contratada para realizar o feito, até então inédito no Brasil.
Enquanto finaliza a P-55, a Ecovix – subsidiária da
Engevix na indústria naval – já está com outras tarefas pela frente.
Além dos contratos para construir oito plataformas para a Petrobras, já
referidos no início da reportagem, vai produzir também três navios-sonda
para a Sete Brasil.
Em 2010, a Ecovix arrendou o Estaleiro Rio Grande, da
Petrobras, por dez anos, onde já investiu R$ 410 milhões. Entre os
investimentos, está a aquisição de um guindaste do tipo pórtico com
capacidade para içar 2 mil toneladas. A empresa já está construindo o
Estaleiro Rio Grande (ERG) 2 e planejando a construção do ERG 3. A
segunda fase de investimentos da empresa em Rio Grande deve custar em
torno de R$ 300 milhões e vai permitir que a Ecovix dispute o mercado de
sondas de perfuração.
Ao final de 2012, a companhia terá 3,2 mil trabalhadores
na cidade do litoral sul do Estado. No ano que vem, chegará o
empreendimento chegará ao pico de 5 mil colaboradores, se estabilizando
nesta faixa. Para ter mão-de-obra qualificada, a Ecovix iniciou em
fevereiro de 2011 uma parceria com o SENAI que já formou 700
trabalhadores. A companhia planeja treinar mais 2 mil pessoas. Há também
uma parceria com a UNISINOS para engenheiros e gestores realizarem MBA
na própria companhia.
Além da Ecovix, o consórcio Quip também tem boas
perspectivas em Rio Grande, onde está atuando na produção das
plataformas P-58 e P-63. Segundo a companhia, a P-63 será a primeira vez
em que uma empresa brasileira faz uma plataforma desde o projeto básico
até a operação dos três primeiros anos. A contratação foi feita pela
PPTBV, uma joint venture formada por Petrobras e Chevron. A construção
tem o custo de US$ 1,3 bilhão e está sendo feita em parceria entre a
Quip, que tem 75% do contrato, e a norueguesa BW Offshore, e gera cerca
de 1,5 mil empregos diretos. A plataforma será utilizada no Campo de
Papa-Terra, na Bacia de Campos, Rio de Janeiro.
A economista da Fundação de Economia e Estatística
(FEE), Beky Morón de Macadar, alerta que, para a indústria naval ser
duradoura é necessário justamente superar a dependência dos
investimentos da Petrobras, que exigem conteúdo local, conseguindo
competir internacionalmente. “É preciso investimentos em tecnologia e
centros de pesquisa. Os estaleiros têm que investir bastante para poder
competir internacionalmente, se não podem ter vida efêmera”, afirma.
Beky acredita que pelo menos os próximos dez anos já
estão garantidos com os investimentos da Petrobras, mas que depois será
preciso diversificar a produção. O transporte hidroviário de cargas
ainda patina no país, por exemplo, e um eventual crescimento desta
atividade, com melhorias nas hidrovias, pode beneficiar a indústria
naval. Para a economista, as dificuldades do país em infraestrutura
também significam oportunidades. “Ainda faltam muitos investimentos em
infraestrutura no país. Que bom que ainda temos coisas por fazer”.
Recentemente, a presidenta Dilma Rousseff visitou os
locais de construção das plataformas P-55, P-58 e P-63 em Rio Grande e
ressaltou que o crescimento da indústria naval foi fruto da visão de que
os equipamentos necessários à extração de petróleo deveriam ter
conteúdo local. “Este país não podia continuar exportando emprego e
oportunidades para o resto do mundo. O que nós pudéssemos fazer no
Brasil, nós faríamos no Brasil. E aqui estão vocês, que demonstram que
isso não só é possível, mas que isso aconteceu. Milhões de reais foram
colocados aqui. Esses milhões de reais vão servir para nós voltarmos a
ter uma indústria naval de alta qualidade, uma indústria naval que
nasceu aqui, no Rio Grande do Sul. Eu estive aqui quando não tinha nada
disso. Nada disso tinha, era areia”.
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