segunda-feira, 22 de outubro de 2012

O dia em que o STF virou um tribunal político 22/10/2012

247 – Este 22 de outubro de 2012 é o dia que, para o bem ou para o mal, entrará para a história do Supremo Tribunal Federal. A data em que dois ex-presidentes do partido político mais votado no primeiro turno das eleições municipais – José Dirceu e José Genoino – foram mandados para a forca como bandidos comuns e condenados como quadrilheiros.
Talvez tenha sido coincidência que o auge do julgamento do mensalão ocorresse a seis dias das eleições municipais. Outra possível coincidência, a edição do Jornal Nacional, que emendou a propaganda de José Serra com o noticiário sangrento sobre o tema. E que destacou, naturalmente, as peças de retórica mais ousadas. Ambas partiram dos dois “Mellos” do Supremo Tribunal Federal: o decano Celso de Mello e o sempre surpreendente Marco Aurélio Mello.
É possível que haja razões jurídicas para condenar boa parte dos réus da Ação Penal 470. Mas o dia de hoje ficará marcado como a data em que dois ministros preferiram trilhar um caminho político na suprema corte.
Marco Aurélio, em vez de simplesmente votar, resgatou e releu o discurso que fez quando de sua posse no Tribunal Superior Eleitoral em 2006. Um discurso em que comparou a era Lula a um “fosso moral”. Em seguida, incluiu a funcionária “mequetrefe” Geiza Dias da agência DNA na acusação por formação de quadrilha para que os réus fossem 13. “Um número simbólico”, lembrou Marco Aurélio, numa outra possível coincidência, também destacada no Jornal Nacional, a seis dias das eleições. Marco Aurélio falou ainda em bandidos “armados com dinheiro”, numa alusão ao passado guerrilheiro de José Dirceu e José Genoino, que enfrentaram a ditadura militar de 1964 – um regime que Marco Aurélio qualificou como um “mal necessário”.
Em seguida, comparou o Partido dos Trabalhadores, dono do número 13, à Máfia italiana, passando a bola para Celso de Mello, que fez ligações mais próximas à realidade brasileira. Para o “decano” do STF, o PT se parece mesmo com o PCC, o Primeiro Comando da Capital, e com o Comando Vermelho, grupos criminosos que assaltam e matam no Rio de Janeiro e em São Paulo.
Abaixo, o discurso de Marco Aurélio na ocasião de sua posse no TSE, quando ele também disse acreditar na “voz da urna”. Nesta segunda-feira, os  ministros do STF fizeram política antes de tratar propriamente da Justiça. No domingo, as urnas falarão.
ÍNTEGRA DO DISCURSO DO MINISTRO MARCO AURÉLIO NA POSSE COMO PRESIDENTE DO TSE
A seguir a íntegra do discurso do ministro Marco Aurélio na solenidade de posse como presidente do TSE:
"Agradeço a presença de todos que compareceram a esta solenidade, vindo a prestigiá-la. Cumprimento-os saudando os integrantes da Mesa - o senador da República Renan Calheiros, no exercício da Presidência da República, a ministra Ellen Gracie, Presidente do Supremo - portanto, Chefe do Poder Judiciário -, o deputado federal Sigmaringa Seixas, representando a Câmara dos Deputados, e o ministro de Estado da Justiça, Márcio Thomas Bastos. Registro também o agradecimento à compreensão da minha família, pelas horas de dedicação praticamente exclusiva ao ofício judicante: a minha mulher, a desembargadora Sandra de Santis Mendes de Farias Mello, aos meus filhos, Letícia, a advogada, Renata, a médica, Cristiana, a Procuradora do Distrito Federal, e Eduardo Affonso, o estudante de Direito, o meu carinho ao neto João Pedro, ao meu irmão, Manoel Affonso, primogênito, ao meu genro Bruno.
Agradeço as palavras de incentivo do colega César Asfor Rocha que, de forma bondosa, falou em nome do Colegiado; do exemplar Procurador-Geral Eleitoral e Procurador-Geral da República, Dr. Antonio Fernando; do Dr. Roberto Busato, Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - instituição que, nas precisas palavras de Gofredo da Silva Telles, é a sentinela da ordem democrática. Agradeço, na pessoa do Presidente, Dr. Rodrigo Colasso, à Associação dos Magistrados Brasileiros, por haver proporcionado coquetel na oportunidade em que os empossados, em fraternal confraternização, receberão os cumprimentos.
Senhores e senhoras, em face da liturgia desta solenidade e para que, juntamente com a nominata e os discursos proferidos, fique nos anais da Corte, devo veicular, ante a expectativa geral, nesta data de sintomática coincidência - dia 4 do mês 5 do sexto ano do segundo milênio -, uma mensagem. Serei breve, mas, mesmo assim, peço a benevolência dos ouvintes e, mais do que isso, a reflexão de todos sobre o que tenho a dizer.
Infelizmente, vivenciamos tempos muito estranhos, em que se tornou lugar-comum falar dos descalabros que, envolvendo a vida pública, infiltraram na população brasileira - composta, na maior parte, de gente ordeira e honesta - um misto de revolta, desprezo e até mesmo repugnância. São tantas e tão deslavadas as mentiras, tão grosseiras as justificativas, tão grande a falta de escrúpulos que já não se pode cogitar somente de uma crise de valores, senão de um fosso moral e ético que parece dividir o País em dois segmentos estanques - o da corrupção, seduzido pelo projeto de alcançar o poder de uma forma ilimitada e duradoura, e o da grande massa comandada que, apesar do mau exemplo, esforça-se para sobreviver e progredir.
Não há, nessas afirmações - que lamento ter de lançar -, exagero algum de retórica. Não passa dia sem depararmos com manchete de escândalos. Tornou-se quase banal a notícia de indiciamento de autoridades dos diversos escalões não só por um crime, mas por vários, incluindo o de formação de quadrilha, como por último consignado em denúncia do Procurador-Geral da República, Doutor Antônio Fernando Barros e Silva de Souza. A rotina de desfaçatez e indignidade parece não ter limites, levando os já conformados cidadãos brasileiros a uma apatia cada vez mais surpreendente, como se tudo fosse muito natural e devesse ser assim mesmo; como se todos os homens públicos, nas mais diferentes épocas, fossem e tivessem sido igualmente desonestos, numa mistura indistinta de escárnio e afronta, e o erro passado justificasse os erros presentes.
A repulsa dos que sabem o valor do trabalho árduo se transformou em indiferença e desdém, como acontece quando, por vergonha, alguém desiste de torcer pelo time do coração e resolve ignorar essa parte do cotidiano. É a tática do avestruz: enterrar a cabeça para deixar o vendaval passar. E seguimos como se nada estivesse acontecendo. Perplexos, percebemos, na simples comparação entre o discurso oficial e as notícias jornalísticas, que o Brasil se tornou um país do faz-de-conta. Faz de conta que não se produziu o maior dos escândalos nacionais, que os culpados nada sabiam - o que lhes daria uma carta de alforria prévia para continuar agindo como se nada de mal houvessem feito. Faz de conta que não foram usadas as mais descaradas falcatruas para desviar milhões de reais, num prejuízo irreversível em país de tantos miseráveis. Faz de conta que tais tipos de abusos não continuam se reproduzindo à plena luz, num desafio cínico à supremacia da lei, cuja observação é tão necessária em momentos conturbados.
Se, por um lado, tal conduta preocupa, porquanto é de analfabetos políticos que se alimentam os autoritarismos, de outro surge insofismável a solidez das instituições nacionais. O Brasil, de forma definitiva e consistente, decidiu pelo Estado Democrático de Direito. Não paira dúvida sobre a permanência do regime democrático. Inexiste, em horizonte próximo ou remoto, a possibilidade de retrocesso ou desordem institucional. De maneira adulta, confrontamo-nos com uma crise ética sem precedentes e dela haveremos de sair melhores e mais fortes. Em Medicina, "crise" traduz o momento que define a evolução da doença para a cura ou para a morte. Que saiamos dessa com invencíveis anticorpos contra a corrupção, principalmente a dos valores morais, sem a qual nenhuma outra subsiste.
Nesse processo de convalescença e cicatrização, é inescusável apontar o papel do Judiciário, que não pode se furtar de assumir a parcela de responsabilidade nessa avalancha de delitos que sacode o País. Quem ousará discordar que a crença na impunidade é que fermenta o ímpeto transgressor, a ostensiva arrogância na hora de burlar todos os ordenamentos, inclusive os legais? Quem negará que a já lendária morosidade processual acentua a ganância daqueles que consideram não ter a lei braços para alcançar os autoproclamados donos do poder? Quem sobriamente apostará na punição exemplar dos responsáveis pela sordidez que enlameou gabinetes privados e administrativos, transformando-os em balcões de tenebrosas negociações?
Essa pecha de lentidão - que se transmuda em ineficiência - recai sobre o Judiciário injustamente, já que não lhe cabe outro procedimento senão fazer cumprir a lei, essa mesma lei que por vezes o engessa e desmoraliza, recusando-lhe os meios de proclamar a Justiça com efetividade, com o poder de persuasão devido. Pois bem, se aqueles que deveriam buscar o aperfeiçoamento dos mecanismos preferem ocultar-se por trás de negociatas, que o façam sem a falsa proteção do mandato. A República não suporta mais tanto desvio de conduta.
Eis o poder revolucionário do voto, com o qual, eleição após eleição, estamos os brasileiros a nos afeiçoar de tal forma que, muito em breve, os candidatos aprenderão a respeitá-lo, se não puderem honrá-lo de espontânea vontade.
Que a importância do voto sirva de argumento àqueles que pregam, como vindita por tanta infâmia, a anulação do escrutínio. Ao reverso do abatimento e da inércia, é de conclamar o povo, principalmente os mais jovens, a se manifestar pela cura, não pela doença, não pela podridão do vale-tudo, que corrói, com a acidez do cinismo, a perspectiva de um futuro embasado em valores como retidão, dignidade, grandeza de caráter, amor à causa pública, firmeza de propósitos no empenho incondicional ao progresso efetivo, e não meramente marqueteiro, do País. Ao usar a voz da urna, o povo brasileiro certamente ouvirá o eco vitorioso da cidadania, da verdade - que, sendo o maior dos argumentos, mais dia, menos dia, aparecerá -, alfim, da indispensável liberdade, viciados que estamos todos na autodeterminação viabilizada, sem retorno, pela democracia.
Àqueles que continuam zombando diante de tão simples obviedades, é bom lembrar que não são poucos os homens públicos brasileiros sérios, cuja honra não se afasta com o tilintar de moedas, com promessas de poder ou mesmo com retaliações, e que a imensa maioria dos servidores públicos abomina a falta de princípios dos inescrupulosos que pretendem vergar o Estado ao peso de ideologias espúrias, de mirabolantes projetos de poder. Aos que laboram em tamanhas tolices, nunca é demais frisar que se a ordem jurídica não aceita o desconhecimento da lei como escusa até do mais humilde dos cidadãos, muito menos há de admitir a desinformação dos fatos pelos agentes públicos, a brandirem a ignorância dos acontecimentos como tábua de salvação.
Já se antevê o significado do certame que se avizinha, incumbindo a cada eleitor perceber que o voto, embora individualizado, a tantos outros se seguirá, formando o grande todo necessário à escolha daqueles que o representarão. Impõe-se, nesse sagrado direito-dever, a conscientização, a análise do perfil, da vida pregressa daqueles que se apresentem, é de presumir - repito - para servir com honestidade de propósito e amor aos concidadãos, dispostos, acima de tudo, a honrar a coisa pública. Somente dessa forma o eleitor responderá às exigências do momento, ficando credenciado, em passo seguinte, à cobrança.
No que depender desta Presidência, o Judiciário compromete-se com redobrado desvelo na aplicação da lei. Não haverá contemporizações a pretexto de eventuais lacunas da lei, até porque, se omissa a legislação, cumpre ao magistrado interpretá-la à luz dos princípios do Direito, dos institutos de hermenêutica, atendendo aos anseios dos cidadãos, aos anseios da coletividade. Que ninguém se engane: não ocorrerá tergiversação capaz de turbar o real objetivo da lei, nem artifício conducente a legitimar a aparente vontade das urnas, se o pleito mostrar-se eivado de irregularidades. Esqueçam, por exemplo, a aprovação de contas com as famosas ressalvas. Passem ao largo das chicanas, dos jeitinhos, dos ardis possibilitados pelas entrelinhas dos diplomas legais. Repito: no que depender desta Cadeira, não haverá condescendência de qualquer ordem. Nenhum fim legitimará o meio condenável. A lei será aplicada com a maior austeridade possível - como, de resto, é o que deve ser. Bem se vê que os anticorpos de que já falei começam a produzir os efeitos almejados. Esta é a vontade esmagadora dos brasileiros.
No mais, é aguçar os sentidos, a coragem, é aumentar a dedicação, acurar a inteligência e desdobrar as horas e as forças, no intuito único de servir à aspiração geral por um pleito limpo, civilizado e justo. É o que o Brasil merece e espera. É o que solenemente prometo ao assumir esta Presidência.
Muito obrigado".

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