terça-feira, 21 de maio de 2013

Pepe Escobar: “Assad fala, Rússia age” 21/05/2013


20/5/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online – The Roving Eye
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Pepe Escobar
Bashar al-Assad falou com exclusividade ao jornal argentino El Clarin (a diáspora síria é imensa na Argentina, como também no Brasil).
Avançando contra o nevoeiro gerado pela histeria ocidental, Bashar destacou alguns pontos importantes. Há provas, sim, de que o governo sírio declarou várias vezes que concordava com conversar com a oposição; mas os muitos grupos “rebeldes”, que sequer falam uns com os outros, que não têm liderança unificada, sempre recusaram qualquer conversa. Assim sendo, não há como implementar algum cessar-fogo que, eventualmente, venha a ser “acordado” na próxima Conferência de Genebra, entre EUA e Rússia. Assad faz sentido, quando diz que “Não podemos discutir cronogramas, sem sabermos com quem discutimos”.
Sim, mas... qualquer pessoa que acompanhe o desenrolar da tragédia síria sabe quem são, todos eles, ou quase. Sabe-se que os Nada-Livres Canibais Sírios, digo, o “Exército SírioLivre” [ing. Free Syrian Army, FSA)] é um bando esfarrapado de senhores-da-guerra, gângsteres e oportunistas de várias marcas & griffes, em intersecção-somatório com jihadistas linha-duríssima da espécie Jabhat al-Nusra (mas também de outros grupos e subgrupos ligados à, ou inspirados pela, al-Qaeda).
A Agência Reuters demorou meses, mas, afinal, teve de admitir que os jihadis comandam o show em campo.  Um comandante “rebelde” até reclamou à Reuters:
Nusra agora é duas: uma segue a agenda da al-Qaeda, que luta por uma maior nação islamista. A outra é síria, com agenda nacional, para ajudar a derrubar Assad.
O que não disse é que a Nusra que realmente faz diferença é a ligada à al-Qaeda.
A Síria está convertida em Inferno das Milícias; em tudo semelhante ao Iraque de meados dos anos 2000s, parecidíssima com a Líbia-estado-fracassado “libertado” imposto ali pelo Ocidente. Essa afeganistização/ somalização da Síria é consequência direta da ação do eixo de intervenção CCGOTAN-I (Conselho de Cooperação do Golfo-Organização do Tratado do Atlântico Norte & Israel). Portanto, Assad acerta, quando diz que o ocidente está jogando gasolina ao fogo, e só se interessa por “mudar o regime” custe o que custar.
 O que Assad não disse
Assad não é político brilhante – e desperdiçou uma oportunidade de ouro para explicar à opinião pública ocidental, ainda que resumidamente, por que Arábia Saudita e Qatar, petromonarquias do Conselho de Cooperação do Golfo, mais a Turquia, estão doidas para pôr fogo, de vez, à Síria.
Poderia ter falado do desejo do Qatar, de entregar a Síria à Fraternidade Muçulmana; e de a Arábia Saudita acalentar o sonho de fazer ali um cripto-emirado-colônia. Poderia ter falado do pânico que acomete Arábia Saudita e Qatar, que veem os xiitas do Golfo Pérsico abraçarem legítimos ideais do Despertar Árabe.
Poderia ter apontado as ruínas nas quais jaz hoje a política turca de “zero problema com os vizinhos”: um dia, Ancara-Damasco-Bagdá colaboram, unidas; dia seguinte, Ancara quer “mudança de regime” em Damasco; e todos os dias antagoniza Bagdá. Acima de tudo, a Turquia atrapalha-se cada dia mais com os curdos que se vão fortalecendo, do norte do Iraque ao norte da Síria.
Poderia ter detalhado o modo como Grã-Bretanha e França, dentro da OTAN, para nem falar dos EUA  e de suas petromonarquias-fantoches, estão usando a desintegração da Síria, para atingir o Irã – e como todos esses atores que fornecem armas e muito dinheiro dão importância-zero ao sofrimento do “povo sírio”. Só os alvos estratégicos interessam.
Enquanto Bashar al-Assad falava, a Rússia agia. O presidente Vladimir Putin – bem ciente de que as conversações de Genebra já estão sendo desencaminhadas por vários agentes e atores, bem antes, até, de começarem – deslocou navios de guerra russos para o leste do Mediterrâneo; e ofereceu à Síria um carregamento de ultramodernos mísseis terra-mar Yakhont, mais vários mísseis S-300 antiaéreos – o modelo russo equivalente ao míssil Patriot dos EUA. E nem é preciso lembrar que a Síria já tem mísseis antiaéreos russos, os SA-17.
Agora, elementos da gangue CCGOTAN, tentem aí, tentem, qualquer um, “contornar” a ONU, e aparecer com alguma operação “Mini Choque e Pavor”, contra Damasco. Ou metam-se a implantar alguma zona aérea de exclusão. Em termos militares, o Qatar e a Casa de Saud são piada. Britânicos e franceses sentem-se seriamente tentados, mas não têm os meios – ou estômago. Washington tem os meios – mas não o estômago. Putin sabe, com absoluta certeza, que o Pentágono já entendeu seu recado.
E não esqueçamos o Oleogasodutostão
Assad também poderia ter falado – e do que poderia ser? – do Oleogasodutostão. Bastar-lhe-iam dois minutos para explicar o significado do acordo para o gasoduto Irã-Iraque-Síria, de US$10 bilhões, assinado em julho de 2012. Esse entroncamento crucial do Oleogasodutosão exportará gás extraído do campo Pars Sul, no Irã (o maior do mundo, partilhado com o Qatar), cruzando o Iraque, para a Síria – com uma possível extensão para o Líbano, com clientes já assegurados na Europa Ocidental. É situação que os chineses descrevem como “ganha-ganha”.
Mas nada de gás para – adivinhem! – nem Qatar, nem Turquia. O Qatar sonha com um gasoduto rival, de seu campo Norte (contíguo ao campo Pars Sul, do Irã), que atravesse a Arábia Saudita, Jordânia, Síria e finalmente Turquia (que espera faturar sobre a licença de passagem da energia, entre Oriente e Ocidente). Destino final: mais uma vez, a Europa Ocidental.
Como em tudo que tenha a ver com o Oleogasodutostão, o xis da questão é “contornar” o Irã e a Rússia. É o que faz o oleogasoduto qatari – freneticamente apoiado pelos EUA. Mas, instalado o gasoduto Irã-Iraque-Síria, a rota de exportação só poderá começar em Tartus, porto sírio no Mediterrâneo leste, que dá hospedagem à Marinha russa. Claro que a gigante russa Gazprom entrará nesse quadro – do investimento à distribuição.
Que ninguém se engane: o Oleogasodutostão, mais uma vez obrigado a “contornar” Rússia e Irã – explica muita coisa sobre por que a Síria está sendo destruída.
O esquema Petróleo-para-a-Al-Qaeda, da União Europeia
Enquanto isso, o exército sírio real – com o apoio do Hezbollah – está metodicamente reconquistando Al-Qusayr, retomando dos “rebeldes” o controle desse ponto estratégico. O passo seguinte será olhar na direção leste – onde a frente Jabhat al-Nusra alegremente enriquece, lucrando com mais uma trapalhada típica da União Europeia: a decisão de levantar as sanções que impedem que a Síria compre petróleo


Mercenários da Frente Jabhat al-Nusra, associados à al-Qaeda
Joshua Landis, blogueiro de Syria Comment, já extraiu as conclusões óbvias:
Quem puser a mãos no petróleo, na água e na agricultura, prenderá pela garganta os sunitas sírios. No momento, quem faz isso é a Frente al-Nusra. A abertura do mercado de petróleo para a Europa força a barra nessa mesma direção. Portanto, a conclusão lógica dessa loucura só pode ser uma: a Europa logo estará financiando a al-Qaeda.
Pode-se chamar de “o esquema Petróleo-para-a-Al-Qaeda, da União Europeia”.
O Sudoeste da Ásia – que o ocidente chama de “Oriente Médio” – deve permanecer como espaço privilegiado da irracionalidade em ação. No pé em que andam as coisas na Síria, mesmo sem zona aérea de exclusão, o que se verá partindo dali, para sempre, voo rápido, é a paz – com todos e mais alguns, todos, todos, envolvidos: EUA, Rússia, União Europeia, mas também o Hezbollah, Israel e, claro, o Irã – como o ministro russo de Relações Exteriores Sergei Lavrov já deixou bem claro
 
Sergey Lavrov, Ministro de Relações Exteriores da Russia
Muito distante do que exige a obsessão ocidental por “mudança de regime”, a já difícil próxima Conferência de Genebra poderá obter, no máximo, um acordo que considere os termos da Constituição Síria – a qual, por falar dela, é absolutamente legítima, adotada em 2012, aprovada por maioria de votos do verdadeiro, real, sofredor “povo sírio”. Pode acontecer até que Assad não concorra à presidência, em eleições previstas para 2014. Mudança de regime, sim. Mas por meios pacíficos.
E o eixo de intervenção CCGOTAN-I (Conselho de Cooperação do Golfo-Organização do Tratado do Atlântico Norte & Israel) permitirá que alguma paz aconteça ali? Não.


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